domingo, 14 de julho de 2024

Todos os seus odds a nu, Ruy CAstro, FSP

 O ativista Julian Assange, o homem que sabia demais, deve entender do assunto. Há tempos, ele disse a um repórter: "O Google sabe mais sobre você do que a sua mãe." E daí?, pergunto eu. Qualquer criança decente faz coisas pelas costas da mãe, como enfiar o dedo no bolo, fingir que tomou banho ou roubar um beijo da prima na escada de serviço. Mas não era a isso que ele se referia.


A mãe era só uma metáfora. Ele quis dizer que o grau de conhecimento do Google a respeito de um usuário é tão abrangente que ninguém se lhe pode comparar. Se o sujeito entra no Google por algum motivo, ele deduzirá seus gostos, necessidades, saldo bancário, possíveis desvios sexuais e, talvez, peso, altura e cor dos olhos. Tudo será repassado aos centros de compras e você será avassalado por ofertas de produtos de que, até então, não sabia que precisava desesperadamente.

Comecei a suspeitar disso certo dia em que, ao acessar o Google para checar a data de produção de "Os Nibelungos", obra-prima de Fritz Lang, de 1923 (chequei), comecei a receber ofertas de seus filmes em qualquer site que abrisse. De repente, ao buscar uma informação no site do Diário de Arapiraca, ele me ofereceu os DVDs de "Metrópolis" (1926), "Espiões" (1928) e "M, o Vampiro de Düsseldorf" (1931). E, na minha inocência, fiquei maravilhado com a súbita popularidade de Fritz Lang em Arapiraca. Não sabia que eles estavam ali só para mim e não apareciam para ninguém mais que fosse àquela página.

Mas a onisciência do Google não se limita a vender DVDs. Se você o abrir para uma mera consulta teórica sobre pressão alta, caspa ou disenteria, ele fará um check-up completo da sua pessoa, o que irá decidir se você terá acesso a tal ou qual plano de saúde ou se conseguirá um emprego xis. Como se diz em português, ele agora sabe todos os seus odds.

Assange tem razão. Contra o Google, mamãe não dá nem para a saída.

Inteligência artificial compete com humanos por água, Ronaldo Lemos, FSP

 Os três pilares necessários para que a inteligência artificial possa funcionar são: chips, eletricidade e água (doce). Na semana passada escrevi como o uso de energia aumenta por causa da IA. Mas em geral pouco se fala sobre o consumo de água.

A informação mais comum de se encontrar online é de que uma empresa de inteligência artificial "bebe" uma garrafa de 500 ml de água a cada 10 perguntas (prompts) feitas na sua plataforma. O número já impressiona, mas é importante olhar para ele no detalhe, porque nem todo uso de água é igual.

Imagem mostra água sendo despejada através das comportas de uma usina hidrelétrica, localizada em meio a vegetação. O céu está nublado.
Comportas abertas da usina Itaipu Binacional - Sara Cheida/Itaipu Binacional

Uma coisa é remover a água da natureza e devolvê-la ao ambiente. É o que fazemos quando escovamos os dentes. A água volta com impurezas, mas com tratamento adequado, pode ser reutilizada. Outro uso distinto é consumir a água, em vez de devolvê-la. Consumo é definido como "a água evaporada, transpirada ou de alguma outra forma removida do seu ambiente imediato".

Os datacenters usados pela inteligência artificial fazem as duas coisas. Removem a água da natureza, devolvendo parte dela com impurezas. E consomem outra parte, que evapora. Um estudo de 2023 feito pelo engenheiro da computação Shaolei Ren e sua equipe apontou que só o treinamento do GPT-3 feito nos Estados Unidos evaporou 700 mil litros de água.

Na média, dependendo da temperatura exterior, um datacenter pode evaporar até nove litros por cada KWh de energia usada. Esse número aplaca a inquietação de um leitor que comentou no meu artigo da semana passada. Ele fez as contas dos números da energia consumida pelos chips que mencionei e disse que "teriam de ser refrigerados à água e muita água, como a que refrigera a resistência do chuveiro". Bingo!

O uso de água pela inteligência artificial não para por aí. Produzir os chips também usa quantias enormes de água pura. Uma fábrica de chips retira vários milhões de litros de água do ambiente por dia. A parte retornada pode conter materiais tóxicos, que requerem tratamento especial para reuso. A parte consumida é difícil de determinar, já que não há informações disponíveis nem obrigações de transparência.

As empresas de tecnologia que possuem políticas de transparência ambiental têm reportado aumento no consumo de energia, água e emissões de carbono. A Microsoft, por exemplo, reportou a remoção de 12,9 bilhões de litros de água em 2023 e 7,8 bilhões de litros consumidos, um aumento de quase 50% desde 2020. Um representante da empresa afirmou para a revista Wired que a empresa está comprometida com o objetivo de se tornar negativa em carbono e positiva em água até 2030.

Vale também mencionar que várias outras empresas não possuem políticas de transparência ambiental (OpenAI, por exemplo) e não publicam relatórios de impacto. Então não dá para saber seus números, mas dá para estimar que os níveis são similares.

Vale lembrar que a água disponível para uso humano é limitada, basicamente a água de superfície e subterrânea. A inteligência artificial compete conosco pelo mesmo tipo de água. Tudo isso é extremamente importante para o Brasil. Somos não só o maior produtor de energia renovável do planeta, como também o maior detentor de água doce, com 12% das reservas globais, o dobro do segundo colocado. Precisamos gerir esses recursos estrategicamente.

Podemos nos tornar um país central para a inteligência artificial, promovendo riqueza local, desenvolvimento e sustentabilidade. Perceber e fazer isso com sabedoria é uma das missões centrais da nossa geração.


Já era – achar que a inteligência artificial não irá beneficiar o Brasil economicamente

Já é – perceber que o Brasil pode ser o maior fornecedor de energia e água renovável do planeta, de forma sustentável

Já vem – trabalhar para aproveitar essa oportunidade sabiamente, com sustentabilidade e sem dormir no ponto


MEIO - Edição extra: Donald Trump sofre atendado nos EUA

 

Edição extra: Donald Trump sofre atendado nos EUA

A violência na campanha eleitoral dos Estados Unidos saiu da retórica nas redes sociais na tarde de sábado (noite no Brasil) quando o ex-presidente Donald Trump, agora candidato à Casa Branca, foi alvo de um atentado a tiros durante um comício na cidade de Butler, na Pensilvânia. O político e empresário de 78 anos sofreu um ferimento leve na orelha direita. Uma pessoa que assistia ao evento morreu e duas ficaram feridas em estado grave, e o atirador foi morto por agentes das forças de segurança. Trump apresentava à plateia de apoiadores números em um telão quando diversos disparos foram ouvidos. Ele levou a mão à orelha direita e abaixou-se, sendo cercado em seguida por agentes do Serviço Secreto que fazem sua segurança, enquanto a multidão gritava e estampidos continuaram a soar (veja o momento aos 8’30’’ deste vídeo da PBS). O fotógrafo Doug Mills capturou o instante em que uma bala parece passar perto do rosto do candidato. Em seguida, os agentes o retiraram do palanque, mas o ex-presidente, com sangue no rosto, ainda levantou o punho para a plateia, aparentemente indicando estar bem e criando o que deve ser de agora em diante a imagem de sua campanha. Cerca de meia hora depois dos tiros, um porta-voz do serviço secreto, Anthony Guglielmi, disse que Trump estava “seguro” após “um incidente acontecer” durante o comício, e a equipe do ex-presidente publicou uma nota no X informando que ele estava “bem e passando por exames médicos em um hospital” e agradecendo a pronta reação dos agentes de segurança. Após a alta, Trump voou para Nova Jersey, onde passou a noite. Um vídeo mostra o ex-presidente descendo do avião sem dificuldade, mas, pelo ângulo da filmagem, não é possível ver a parte ferida do rosto. O ataque a Trump acontece às vésperas da convenção republicana, que começa nesta segunda-feira e deve confirmar sua candidatura. (New York Times)

Em fotos, o momento do atentado e o socorro a Trump. (CNN)

Horas depois, o próprio Trump usou sua própria rede, a Truth Social, para relatar o atentado: “Eu quero agradecer ao Serviço Secreto dos Estados Unidos e a todos os agentes de segurança por sua rápida resposta aos tiros que aconteceram em Butler, Pensilvânia. Mais importante, quero expressar minhas condolências à família da pessoa que foi morta no comício e à da que está ferida em estado grave. É incrível que algo assim possa acontecer em nosso país. Nada se sabe até o momento sobre o atirador, que está morto. Fui atingido por uma bala que perfurou a parte superior de minha orelha direita. Percebi imediatamente que havia algo errado quando ouvi um zumbido, tiros e imediatamente senti a bala rasgando minha pele. Sangrei muito, e então entendi o que estava acontecendo. Deus abençoe a América!” (Truth Social)

O FBI identificou o autor dos disparos como Thomas Matthew Crooks, de 20 anos, morador de Bethel Park, na Pensilvânia. Ainda não se sabe se ele agiu sozinho nem quais os motivos para a tentativa de assassinato. A inclinação política do atirador também não está clara. Crooks era eleitor registrado do Partido Republicano no estado, mas fez uma pequena doação em dinheiro a um comitê de políticas progressistas no dia da posse de Joe Biden, em 2021. Segundo Kevin Rojek, chefe da agência do FBI em Pittsburgh, ele estava no telhado de um prédio próximo ao local do comício, e sua presença não foi notada antes que começasse a atirar. “Foi uma surpresa”, disse Rojek, destacando a quantidade de disparos que o jovem conseguiu fazer antes de ser morto. (AP)

O presidente Joe Biden, adversário de Trump na corrida eleitoral, disse que falou diretamente com o republicano, horas depois do atentado. Em entrevista, ele disse que tentou o contato mais cedo, mas o ex-presidente estava sendo atendido pelos médicos. “Não há lugar na América para esse tipo de violência. É doentio, doentio”, afirmou aos repórteres. A Casa Branca soltou uma nota oficial na qual Biden disse que ele e a primeira-dama, Jill, estavam “rezando por Trump e sua família e por todos os que estavam no comício” e que o país precisa se unir para condenar a violência política. (ABC News)

Políticos de ambos os partidos vieram a público condenar o atentado, a começar pelo ex-presidente Barack Obama, que publicou no X que “não há lugar para a violência política” na democracia dos EUA. O governador da Pensilvânia, o democrata Josh Shapiro, escreveu nas redes que a “violência tendo como alvo um político ou um partido é absolutamente inaceitável”. O ex-presidente George W. Bush, republicano, classificou o atentado como “um ataque covarde” e se disse “grato” por Trump estar seguro. (CNN)

Líderes mundiais também reagiram nas redes sociais ao atentado. “Estou enojado pelos tiros contra o ex-presidente Trump”, escreveu o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau. Volodymyr Zelenski, presidente da Ucrânia disse que “tal violência não tem justificativa nem espaço em qualquer lugar do mundo”. O premiê israelense Benjamin Netanyahu afirmou estar “rezando pela rápida e completa recuperação” do americano. O presidente Lula escreveu no X que o atentado “deve ser repudiado veementemente por todos os defensores da democracia e do diálogo na política”. (Washington Post)

Enquanto isso, Elon Musk aproveitou o incidente para declarar oficialmente seu apoio à candidatura de Trump. (X)

Na sexta-feira, a Meta havia retirado as restrições às contas de Trump no Facebook e no Instagram. Os perfis dele haviam sido banidos em 2021 por disseminação de informações falsas e discurso de ódio, mas restabelecidos no início do ano passado com uma série de salvaguardas para “evitar repetidas violações” das regras das plataformas. A Meta justificou a retirada das restrições pela necessidade de dar a Trump as mesmas condições do presidente Joe Biden, seu adversário. (CNN)

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Jonathan Martin: “Muitos democratas veteranos já se preparavam para assistir a Trump desfrutando de um impulso na convenção republicana maior do que pudesse esperar em tempos tão divididos. E não foi difícil detectar uma sensação de ruína, de que uma campanha já difícil pode ter ficado fora de alcance. Um estrategista de longa data invocou a frase memorável de Bill Clinton sobre o ‘forte e errado’ sempre superando o ‘fraco e certo’”. (Politico)

Hans Nichols: “Biden fez do combate ao extremismo político o eixo central da sua campanha, dizendo repetidamente aos seus apoiadores que a resposta de Trump ao extremismo de extrema direita em Charlottesville, Virgínia, o obrigou a concorrer. Seu principal argumento contra Trump é pessoal: o ex-presidente não está moralmente apto para ocupar o cargo mais alto do país, diz Biden. Ele frequentemente o chama de ‘criminoso condenado’. Esse é um argumento mais difícil de defender logo após a tentativa de assassinato de Trump”. (Axios)

Patricia Campos Mello: “No Brasil, em 2018, a tentativa de assassinato de Bolsonaro em 6 de setembro, no meio da campanha eleitoral, gerou horas de cobertura na mídia, dominou as redes sociais e ensejou comoção nacional. Durante um tempo, também blindou o então candidato de críticas mais duras que vinha sofrendo e reduziu as pressões para que participasse de mais debates. (...) Com o suposto atentado contra Trump, os democratas, que já estavam com um candidato enfraquecido, perdem sua principal plataforma de campanha”. (Folha)

Stephen Collinson: “Embora Trump não esteja atualmente como presidente, seus ferimentos reforçam a ameaça que sempre paira sobre o cargo e sobre aqueles que a ele concorrem – e especialmente sobre aqueles que o reivindicam. O presidente Joe Biden é o 46º presidente – e quatro dos seus antecessores foram mortos enquanto estavam no cargo, mais recentemente John F. Kennedy em 1963. O fato de Trump ter sido atacado encerra um período de 40 anos em que muitos presumiram que a experiência do Serviço Secreto reduziria enormemente o potencial para tais ataques – e lançará uma sombra que durará anos”. (CNN)

Jonathan Weisman: “Foi a primeira tentativa de assassinato de um atual ou ex-presidente americano na era das mídias sociais, e as teorias da conspiração, acusações e jogos de campanha se moveram na velocidade da internet, muito mais rápido do que os fatos reais do que aconteceu no comício. (...) Mas na era dos memes, posts no X, Truth, Threads e TikTok, a introspecção nunca seria o clima dominante. Raiva, culpa e até comédia foram as palavras de ordem de 2024. Uma imagem de Trump, com o punho erguido e a bandeira americana tremulando no alto, tornou-se icônica num instante.” (New York Times)

Benjamin Wallace-Wells: “Mas o que faz a imagem é Trump. Nos detalhes, ela carrega ecos dos fuzileiros navais de Iwo Jima. Na postura desafiadora e ensanguentada do ex-presidente, evoca até Rocky Balboa. Nesse palco, Trump parecia bem consciente da imagem que estava a criar. É uma imagem que o captura como ele gostaria de ser visto, tão perfeitamente, na verdade, que pode durar mais que todo o resto”. (New Yorker)

George Chidi: “‘O fato de este ser um ambiente de ‘tempestade perfeita’ para a desinformação de todos os pontos do espectro político é algo que me preocupa imensamente’, diz [a pesquisadora Amanda] Rogers. “Porque este é o ‘sonho molhado’ de um aceleracionista… Mas precisamos ter vozes nos meios de comunicação que falem sobre o fato de que esta é uma situação de ruptura. As pessoas precisam se acalmar em relação às especulações.’ Os aceleracionistas são aqueles que estão nas periferias políticas – direita e esquerda – e que querem que uma guerra civil queime o país até as cinzas para que possam começar de novo a partir dos escombros. Notavelmente, o termo ‘Guerra Civil’ começou a ser tendência após o tiroteio de Trump.” (Guardian)

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