sexta-feira, 12 de julho de 2024

O tribuno da plebe, Mario Sergio Conti , FSP

 Jean-Luc Mélenchon nasceu em Tânger, no Marrocos. Seu pai, gerente de uma agência dos correios, e a mãe, professora primária, nasceram na Argélia, então colônia francesa. Saiu do país com 11 anos, quando a mãe se divorciou e foi para a França.

Naturalizou-se francês. Como o Marrocos não admite a abdicação da cidadania, Mélenchon é binacional, marroquino-francês. Seus detratores o chamam de "o marroquino", rótulo pejorativo dos imigrantes norte-africanos.

Ao centro da imagem feita e, linhas rápidas e coloridas, um homem branco de meia idade se expressa de forma eloquente com braços e mãos abertas. Ao fundo, tecidos nas cores vermelha, branca e azul.
Ilustração de Bruna Barros para coluna de Mário Sérgio Conti - Bruna Barros/Folhapress

A cidadania dupla veio à baila na eleição da Assembleia Nacional. A plataforma do Reunião Nacional, o RN, partido de Marine Le Pen, prometia impedir os binacionais de ocupar cargos relativos à "segurança".

Como não se definia quais cargos seriam esses, os 3,5 milhões de franceses binacionais ficaram num limbo jurídico. Empregos nas forças armadas ou na polícia, de parlamentar ou ministro, lhes seriam proibidos?

O repúdio à ideia foi unânime. Assim como Mélenchon, ex-ministro e ex-senador pelo Partido Socialista, outra franco-marroquina, Rachida Dati, tem papel destacado na França. De direita, ela foi ministra da Justiça e chefia agora a pasta da Cultura.

Criar uma categoria de pessoas com menos direitos que as outras é racismo —os imigrantes e seus filhos, na maioria muçulmanos, saem da África e do Oriente Médio para viver na França. Depois de um período regulamentar, pleiteiam a cidadania plena.

Le Pen propugna o "direito de sangue", que define como cidadãos aqueles em cujas veias corre o imemorial sangue gaulês. Faz letra morta do "direito de solo", inscrito na primeira Constituição adotada pela Revolução de 1789, que considerou francês quem vivia no país, viesse de onde fosse.

Depois de cada eleição, o Ministério do Interior classifica os partidos que a disputaram. No ano passado, após a votação para o Senado, o Ministério disse que o RN é de extrema direita. Le Pen, que quer ser vista como da direita republicana, recorreu à Corte Constitucional, o STF de lá.

A Corte chancelou a etiquetagem. Considerou o Reunião Nacional de extrema direita porque, além de racista, o partido tem outras práticas antirrepublicanas: cultua uma chefa; é um guarda-chuva que abriga islamofóbicos e antissemitas; tem a hierarquia de uma seita.

Mas há no Brasil quem diga que o RN é só de direita. Os que falam isso visam a política local, não a francesa. Parecem dizer: um Tarcísio desses precisa abrandar a retórica brucutu, para lubrificar uma aliança eleitoral entre bolsonaristas, a direita e o centrão.

Há também quem tache a França Insubmissa, o partido de Mélenchon, de extrema esquerda. Segundo o Ministério do Interior, contudo, ele é da esquerda sem adjetivo; os extremistas são violentos, anticapitalistas e insurrecionais.

Mélenchon se filia ao radicalismo, a corrente iniciada pelos tribunos da plebe da Revolução Francesa; Marat, Danton e Robespierre. Ao contrário de Marx, que considerou a Revolução burguesa, Mélenchon diz que, impelida pelos trabalhadores, ela foi popular e potencialmente igualitária —e portanto deve ser completada.

Por isso, o programa da Nova Frente Popular prega a ruptura radical com a política carcomida, useira e vezeira em tramoias que mantêm seu status e os lucros escorchantes dos ricaços.

Nos primeiros 15 dias de seu eventual governo, diz a plataforma, a aposentadoria será aos 62 anos, e não aos 64; a França defenderá o cessar-fogo na Ucrânia e Gaza; o preço dos produtos de primeira necessidade será controlado; o salário-mínimo subirá para € 1.600.

Quem paga a conta? Thomas Piketty, economista insuspeito de extremismo, disse que a Nova Frente Popular explicou em detalhe quais seriam as fontes das despesas. Já a crème de la crème odiou o programa, e Mélenchon apanhou mais que Judas em Sábado de Aleluia.

Foi xingado de populista, antissemita, capacho de Putin, stalinista, demagogo e chavista. Foi divertido ver a francesada chique bufar até perder o fôlego. Mas a gritaria histérica mostra que Mélenchon não será nomeado primeiro-ministro nem a pau. Nunca? A ver.

Ele é dado a arroubos líricos. Minutos depois do anúncio que a Nova Frente Popular vencera a eleição, mas sem maioria absoluta, Mélenchon fez um discurso belo e político, palavras que não costumam andar de mãos dadas. Encerrou-o com versos de "Ma France", de Jean Ferrat. Eles podem ser traduzidos assim:

O sol que aquece a França
De Ardèche até a Bretanha
É claro como uma criança
Que dança na nova manhã,
Minha França.


Conheça 7 experiências de compostagem urbana de resíduos orgânicos, FSP

 Mara Gama

SÃO PAULO

O Brasil tem mais de 70 municípios com iniciativas de compostagem de orgânicos, em modelos e dimensões diferentes. Conheça sete dessas experiências:

FLORIANÓPOLIS (SC) – A PIONEIRA REVOLUÇÃO DOS BALDINHOS

Em outubro de 2008, ratos infestaram o bairro de Monte Cristo, em Florianópolis, matando duas pessoas. Para impedir o avanço da praga, era preciso acabar com a comida disponível, o que significava dar fim ao lixo de ruas e terrenos. Três meses depois, com o apoio do Cepagro (Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo), uma ONG deu início à Revolução dos Baldinhos, movimento comunitário de compostagem de resíduos orgânicos.

Os baldinhos de plástico eram distribuídos para que os moradores recolhessem restos de comida das casas e levassem até postos de coleta. Duas vezes por semana, os restos eram transportados para a área de compostagem, numa escola do bairro, onde estudantes e agentes ambientais cuidavam do composto, que depois adubava as hortas comunitárias.

Resto de fruta é parte dos resíduos orgânicos que podem ser compostados
Resto de fruta é parte dos resíduos orgânicos que podem ser compostados - stokkete / adobe stock/adobe stock

A Revolução dos Baldinhos impulsionou a divulgação do processo de compostagem termofílica, em leiras (canteiros) de aeração natural, modelo da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) desenvolvido pelo agrônomo e professor Paul Richard Muller. O projeto premiado é modelo para outras cidades.

Em 2017, a cidade redesenhou sua estratégia com o projeto Minhoca na Cabeça, que já distribuiu 1.680 composteiras domésticas. Numa segunda frente, existem pontos de entrega voluntária de restos de alimentos.

Para ampliar a área de coleta na cidade, foram comprados caminhões adaptados para evitar o espalhamento de chorume nas ruas. E foi iniciada, em julho de 2021, uma coleta focada em comércios e condomínios, duas vezes por semana.

Florianópolis tem taxa de lixo, que ainda não cobre 100% dos custos de todo o sistema de coleta. "Há um custo climático que também precisa ser mensurado. A valorização do orgânico gera empregos a conseguimos economizar no composto orgânico que promove a agricultura urbana", explica Karina da Silva de Souza, engenheira sanitarista e ambiental, que trabalha na Comcap, empresa pública municipal responsável pelos serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos da capital catarinense.

BOA VISTA (RR) – MULHERES, REFUGIADOS E IMIGRANTES

Boa Vista Acolhedora é um programa de promoção da autonomia de agricultores familiares, pessoas migrantes e refugiadas venezuelanas, mulheres e povos indígenas através da reciclagem dos resíduos orgânicos. O adubo orgânico é destinado à agricultura familiar local, pois o isolamento da cidade encarece o acesso a adubos e fertilizantes.

Segundo Gabriela Ramos Andrade, gerente da AVSI (Associação Voluntários para o Serviço Internacional) Brasil, o centro de compostagem também recebe resíduos orgânicos de seis geradores privados e, em contrapartida, fornece relatório mensal dos destinação adequada e estimativa de carbono equivalente que deixou de ser emitido. Trata-se de uma iniciativa da AVSI com a Fundação Avina, a Escola Agrícola Rainha dos Apóstolos, Pacto Global, ACNUR e Operação Acolhida, com financiamento da União Europeia e apoio da Fundação Banco do Brasil.

SOBRAL (CE) – ALTO VOLUME DE PODAS DE ÁRVORES

A cidade faz parte de um consórcio de gestão integrada, composto por 19 municípios, responsável por apoiar planos de educação ambiental, coleta seletiva e capacitação técnica. O trabalho de compostagem começou em 2021 e, em 2022, gerou economia de R$ 372 mil à prefeitura, levando em conta o custo de R$ 80 por tonelada em aterro.

No pátio de Sobral, são recebidos de 10 a 14 toneladas por dia de poda urbana de parques e jardins particulares junto com restos do mercado central e hortifrutis do entorno. O serviço está em expansão para restaurantes e empresas particulares. "Temos um volume de poda tão grande que precisamos ampliar a coleta de orgânicos", diz Cirliane Viana, coordenadora de gestão integrada de Sobral. O composto é distribuído aos moradores e também serve para manutenção de jardins, parques e áreas verdes.

SERGIPE – PROJETO COORDENADO COM FECHAMENTO DE LIXÕES

Para erradicar lixões e fazer a transição para uma disposição final adequada de resíduos, foi montado o Conscensul (Consórcio Público de Resíduos Sólidos e Saneamento Básico e do Sul e Centro Sul Sergipano), agrupando 16 cidades da região. Segundo Edivaldo Ribeiro, superintendente do Conscensul, até dezembro de 2023, os 75 lixões do Estado de Sergipe haviam sido encerrados e foram formadas 16 cooperativas de catadores de materiais recicláveis, envolvidas na compostagem.

O primeiro pátio de compostagem foi criado no município Tomar do Geru. Para a sua implantação, foi criado o primeiro termo de referência, com normas específicas, pois não havia legislação para a compostagem. Um segundo pátio está em fase de licenciamento para beneficiar mais quatro municípios e 200 mil sergipanos.

DISTRITO FEDERAL - COMPOSTAGEM JUNTO DA CENTRAL DE RECICLAGEM

Um projeto-piloto de compostagem municipal deve ser instalado nos próximos dois meses, usando orgânicos de cinco feiras das cidades satélites. Instalado junto à central de reciclagem, será operado por catadores. "Recebemos os recicláveis com muita sujeira, muito mal separados. Queremos mostrar as vantagens de resolver a seletiva junto com a coleta de orgânicos", conta Aline Souza, a catadora de material reciclável que ficou famosa por subir a rampa com o presidente Lula, na posse.

Os maiores custos, ainda não resolvidos, são de logística. O começo será com trabalho voluntário. "Estamos namorando o Ceasa, que tem custo de gerenciamento de resíduos muito alto e fração orgânica de qualidade", afirma. "O sistema atual precisa ser corrigido, porque não dá para gastar dinheiro só transportando e botando o lixo debaixo do tapete", diz Aline.

SERTÃOZINHO (SP) – ECONOMIA DE RECURSOS E DE EMISSÕES

A cidade de 140 mil habitantes e cerca de 60 mil domicílios não tem aterro sanitário. Leva os resíduos para as cidades vizinhas de Iguatu, Pará e Jardinópolis e os deslocamentos são de cerca de 65 km. A diminuição desses percursos "foi um apelo foi importante para a adesão ao programa", conta Rafael Jó Girão, da Agir Ambiental, empresa que criou e implementou o projeto de compostagem doméstica na cidade.

Com o Fundo Nacional do Meio Ambiente, a prefeitura obteve R$ 525 mil e, em 2019, foram distribuídas 1.156 composteiras em casas e escolas. Cada inscrito ganhava uma garrafinha de adubo líquido. O custo da prefeitura para coleta, transporte e aterramento é de R$ 342,15 por tonelada.

Com o projeto Composta Sertão em 1.000 residências, houve desvio de 300 toneladas por mês e uma economia de R$ 102 mil ao ano para os cofres públicos. O projeto durou até dezembro de 2023. A última pesquisa mostrou que 80% das casas e escolas mantêm as composteiras.

SÃO PAULO (SP) - CINCO PÁTIOS EM OPERAÇÃO

Em 2015, foi instalado o primeiro pátio de compostagem da cidade, na Lapa, inspirado na Revolução dos Baldinhos de Florianópolis, com o modelo de compostagem termofílica da UFSC. O pátio recebe restos de 24 feiras da zona oeste e podas de jardins.

Um estudo da Associação Internacional de Resíduos Sólidos, de 2016, concluiu que, "comparada à disposição de resíduos orgânicos em aterro com coleta de gás e queima de maçarico, a reciclagem em uma usina de compostagem de pequena escala, como a da Lapa, resulta numa redução de 87% das emissões de GEE".

O estudo recomendava ao poder público que replicasse o modelo em 20 a 25 pátios, para escoar 180 toneladas por dia. "Uma abordagem proativa das Subprefeituras, com a disponibilização dos locais, juntamente com o compromisso das concessionárias da cidade em realizar as instalações, permitiria implementar este tipo de usinas em até 24 meses", dizia o estudo.

Desde 2018, foram abertos os pátios da Sé, Mooca, São Mateus e Ermelino Matarazzo. Juntos, receberam em 2023 cerca de 7.000 toneladas de orgânicos e produziram 1.300 toneladas de composto. Operam hoje com menos da metade da capacidade de recebimento, de 15,6 mil toneladas.