sexta-feira, 12 de julho de 2024

O ranking da mobilidade no mundo, Mauro Calliari, FSP

 Como são os padrões de mobilidade em cada país? Quanto as cidades dependem do automóvel? Quanto se anda a pé em cada lugar? Um estudo gigantesco chamado ABC of Mobility, publicado em março deste ano, conseguiu traçar um mapa de 794 cidades ao redor do mundo para responder a essas perguntas.

Todas essas cidades foram colocadas num triângulo que tem três vértices: carro, transporte público e mobilidade ativa. O resultado é provavelmente um dos maiores levantamentos do gênero e é riquíssimo para entender a diferença entre as cidades.

São Paulo aparece na 194ª colocação no ranking da mobilidade ativa, segundo estudo “ABC of Mobility” com 794 cidades
São Paulo aparece na 194ª colocação no ranking da mobilidade ativa, segundo estudo “ABC of Mobility” com 794 cidades - Karime Xavier - 23.fev.2021/Folhapress

NOS ESTADOS UNIDOS E CANADÁ, O AUTOMÓVEL MANDA NAS RUAS

A urbanização das cidades americanas e canadenses, tomadas por vias expressas, com subúrbios ricos que dependem totalmente do automóvel é expressa com clareza pelo estudo.

A medida de comparação, 94% dos deslocamentos são feitos em carro, muito mais do que os 50% das cidades europeias. Atlanta deve ser o caso mais emblemático de esgarçamento urbano. Apenas 1% de seus habitantes se deslocam a pé ou bicicleta, o que a coloca no finzinho do ranking mundial.

OS CONTRASTES EUROPEUS

Não existe um padrão europeu de mobilidade. Se em Roma ou Manchester quase 70% das pessoas dependem do carro para se deslocar, a Europa do Norte é pródiga no oposto. Em Copenhague, 47% de todos os habitantes andam ou pedalam para o trabalho. Esse número vai a 75% numa cidade como Utrecht, na Holanda.

Nas maiores cidades europeias o transporte público oferece alternativa ao carro: 45% dos londrinos e 60% dos parisienses vão de transporte público ao trabalho.

Não por acaso, Londres e Paris têm malhas de transporte invejáveis mas também são cidades que têm políticas explícitas de desestimular o uso do carro, diminuindo espaços e até cobrando pedágio para entrar no centro. Hoje, a capital francesa já tem mais gente andando a pé que de carro.

TAMANHO E RENDA FAZEM DIFERENÇA

O estudo mostra que os deslocamentos em transporte público aumentam com o tamanho da cidade.

Na média global das cidades de 100 mil habitantes, transporte público representa 10% das viagens, mas aumenta para 25% nas cidades com mais de um milhão de habitantes. Nas metrópoles com mais de 20 milhões, esse número ultrapassa 40%.

A exceção a essa regra são EUA, Canadá e Austrália. Nesses países, as cidades pequenas mantêm mais de 90% de seus deslocamentos em automóvel.

Na outra ponta, a campeã do ranking é uma cidade de 300 mil habitantes em Moçambique, Quellimane, onde 91% das pessoas vão a seus afazeres diários a pé ou em bicicleta.

NA ÁSIA, O CARRO AINDA ESTÁ CRESCENDO

A China tem enorme participação de bicicletas e do pé nos deslocamentos, mas provavelmente esse número deve mudar rapidamente, uma vez que quanto maior a renda per capita, maior a participação do automóvel. No resto da Ásia, porém, há brilhantes exceções como as cidades densas que têm alta renda e enorme participação do transporte público, como Tóquio e principalmente Hong Kong.

AS CIDADES BRASILEIRAS

Apenas quatro cidades brasileiras entraram no estudo: São Paulo, Rio de JaneiroBelo Horizonte e Curitiba. Elas apresentam um quadro parecido que mostra um certo equilíbrio entre os modais. São Paulo, na verdade, é a cidade que fica bem no meio do triângulo do estudo global, com praticamente um terço dos deslocamentos para cada modo de transporte.

Essa situação expõe uma contradição: o maior modal é o andar a pé, mas o maior objeto de desejo é o carro. As infraestruturas existentes privilegiam o carro, mas os congestionamentos gigantes demonstram um ponto de exaustão. Por outro lado, o descaso histórico com o transporte público expõe o tamanho do desafio, tanto na qualidade como na capilaridade das redes de transporte.

Ao redor do mundo, o pico do uso do carro ainda não chegou mas é sintomático que cidades ricas, como Paris, Barcelona, Viena e tantas outras, estejam justamente investindo no transporte público, na bicicleta e na caminhabilidade para reduzir emissão de gases e melhorar a experiência urbana.

O RANKING DA MOBILIDADE ATIVA

A boa mobilidade deve integrar mobilidade ativa e transporte público. A seguir, uma amostra do estudo com algumas cidades para dar uma ideia da disparidade entre elas, baseando-se em dois aspectos: andar a pé e por bicicleta. O ranking completo está disponível na revista The Economist e na plataforma ScienceDirect.

CidadeColocação no ranking total% de viagens a pé/bicicleta
Pequim22º53
Santiago89º41
Tóquio144º37
Barcelona147º37
Belo Horizonte171º35
São Paulo194º33
Rio de Janeiro212º32
Curitiba320º25
Paris361º20
Nova York454º8
Melbourne478º6
Atlanta739º1

LIMITAÇÕES DA PESQUISA

Para comparar dados de 794 cidades no mundo, os pesquisadores Rafael Prieto-Curiel, do Complexity Science Hub, e Juan Pablo Ospina, da EAFIT University, consultaram aproximadamente mil bases de dados diferentes. Isso permite juntar informações de cidades em diferentes continentes, mas gera algumas limitações nas comparações.

Como algumas cidades misturam transporte a pé e bicicleta, a pesquisa juntou tudo em "mobilidade ativa". Outra limitação é considerar apenas deslocamentos para o trabalho., além da ausência das cidades médias dos países subdesenvolvidos. Finalmente, o estudo desconsidera as viagens multimodais, em que as pessoas trocam de meios de transporte, por exemplo, andando de sua casa até o ponto de ônibus.

Mesmo com essas limitações, a pesquisa tem o mérito de dar um quadro geral a algo muito fragmentado e vai ser um grande estímulo para novos estudos.

O vigor radical de Gregori Warchavchik - Arquiteto desenhou as primeiras casas modernistas em São Paulo e no Rio FSP

 

SÃO PAULO

Ele não é onipresente, mas deixou marcas profundas e progressistas na cidade de São Paulo com seus projetos arrojados e ao mesmo tempo simples e sem excessos. Pode-se ver suas construções na Mooca, na Vila Mariana, mas também no Pacaembu e nos Campos Elíseos.

Em geral são casas, mas há edifícios, como o Cícero Prado, na avenida Rio Branco, e o Mina Klabin, na alameda Barão de Limeira. Também contribuiu para a construção de clubes, projetando a sede social do Paulistano, o salão de festas do Pinheiros e o ginásio de A Hebraica.

Trata-se de Gregori Warchavchik, autor de obras-primas e dono de um pensamento revigorante, capaz de arejar a arquitetura nacional, até então dominada pelos estilos neoclássico e eclético e cheia de rococós.

O monumental edifício Cicero Prado, construído em 1954 e localizado na avenida Rio Branco, 1703

Em seu tempo, nenhum arquiteto no Brasil foi tão avançado como ele, que chegou aqui em 1923, um ano depois da Semana de Arte Moderna, e influenciou muitos jovens artistas de todas as áreas interessados na sua visão construtiva e no seu modo de fazer arquitetura.

Warchavchik escreveu, em 1925, um manifesto da arquitetura modernista no Brasil com o título "Acerca da Arquitetura Moderna", publicado no jornal Correio da Manhã. Era uma tradução do texto "Futurismo", que saiu antes no jornal italiano Il Piccolo. No artigo ele dizia que assim como as máquinas acompanham a evolução tecnológica, os edifícios também precisam se modernizar. Aproveitou para criticar os ornamentos como detalhes "inúteis e absurdos".

Warchavchik modernizou a arquitetura brasileira com projetos lineares, econômicos e funcionais

É dele a autoria da primeira casa modernista de São Paulo, na rua Santa Cruz, na Vila Mariana, que construiu em 1927 para ser a residência de sua família. Ele havia acabado de se casar com Mina Klabin, que ficou responsável pelo paisagismo. Nesse projeto ele pode colocar suas ideias em prática e ficou responsável por todos os detalhes da obra, desde a construção até a decoração. Na época de seu casamento, Warchavchik se naturalizou brasileiro.

Casa Modernista
A Casa Modernista da rua Santa Cruz foi construída em 1927 para o arquiteto viver com sua família

Nascido em 1896, em Odessa, na Ucrânia, então Império Russo, se formou em Roma, na Itália, tendo sido assistente de Marcello Piacentini, considerado o arquiteto do regime fascista. Piacentini é autor do Edifício Matarazzo, sede da Prefeitura de São Paulo. Warchavchik foi influenciado pelas ideias do futurismo italiano, mas suas maiores inspirações vieram de Le Corbusier e da escola alemã vanguardista Bauhaus, fundada pelo arquiteto Walter Gropius, em 1919.

Saiu de sua prancheta também a primeira casa modernista do Rio de Janeiro, erguida em Copacabana em 1931. Caracteriza-se pelas ângulos retos, a boa ventilação e iluminação, as poucas paredes e o uso de materiais nacionais, tanto na construção como para o mobiliário.

Casa modernista de Warchavchik na rua Itápolis, 961, no Pacaembu, inaugurada em 1930

Ele foi para o Rio em 1930, a convite de Lúcio Costa, a fim de lecionar arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes. Com Costa montou um escritório onde Oscar Niemeyer trabalhou como desenhista. Warchavchik fez pelo menos uma dezena de projetos no Rio.

Símbolo de seu vigor modernizante é a casa da rua Itápolis, no Pacaembu, uma construção de concreto armado, que ficou aberta para exposição entre os dias 26 de março e 20 de abril de 1930, tornando-se um complemento arquitetônico para a Semana de 22. Além da arquitetura retilínea e funcional, que ganhava espaço com a eliminação de corredores, foram expostos ali também objetos de arte e design.

Sobrados da rua Berta
Os sobrados da rua Berta são um conjunto de residências destinadas para a classe média

Avesso às firulas e ornamentos, sua obra se caracterizou pela linearidade e pelo despojamento, assim como pela preocupação com os custos. Construiu mansões e também casas para operários e para a classe média sempre preocupado com a funcionalidade e com a busca de soluções mais econômicas. As edificações que projetava eram "máquinas de morar".

Exemplos marcantes de sua arquitetura são o museu Lasar Segall, que era casa e ateliê do pintor, e o conjunto de sobrados que fica logo em frente, na rua Berta. Outro conjunto de sobrados de sua autoria pode ser visto na rua Barão de Jaguara, na Mooca, mas nesse caso são construções operárias. A arquitetura de Warchavchik contemplava todas as classes sociais.