segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Becky S. Korich - As lágrimas de Rosa Weber e Luísa Sonza, FSP

 

A ministra Rosa Weber completa 75 anos nesta segunda (2). Por atingir a idade limite para atuação no STF, se despediu oficialmente da presidência da Corte. Ao presidir a última sessão de seu mandato à frente do CNJ, na última terça-feira (26), tomada por uma forte emoção, a ministra chorou. "Eu choro muito, eu sou muito chorona, mas as lágrimas, elas sempre escorrem para dentro. Mas nesses dias elas têm teimado em mudar o rumo", desabafou ela.

Os diques internos não conseguiram impedir que suas lágrimas transbordassem: porque eram lágrimas robustas, que escorreram de olhos atentos e vigorosos, de quem não recuou diante de obstáculos que pudessem obstruir ou represar suas ideias.

Chorar é uma forma essencial de alívio. Porém, nem todas as lágrimas são iguais. Sorte de quem chora "lágrimas Rosa Weber", que não são de derrota nem de medo, mas de vitória, de missão cumprida com dignidade; choro de poucos. Tristes são as lágrimas de quem perdeu, de quem não tem, da desesperança, essas são as mais secas, que não aplacam nem aliviam a dor.

A ministra Rosa Weber preside a sua última sessão plenária como presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) - Pedro Ladeira - 27.set.2023/Folhapress

As lágrimas de Luísa Sonza foram assunto em rodas de conversas e redes, com profundas análises antropológicas de especialistas em nada. Os conspiratórios concluíram que Sonza, que de sonsa não tem nada, teria usado a infidelidade de seu ex-namorado como estratégia de marketing, ou seja, teria planejado a sua própria traição (!). Faço parte das que acreditaram no choro sincero de seu coração partido. Conheço bem, já derramei muitas "lágrimas Luísa Sonza" com amigas nas sofrências da adolescência, o que hoje nos faz chorar de rir.

Elis Regina chorou —e nos faz soluçar— com Atrás da Porta. São "lágrimas-viscerais", "lágrimas-raízes", que conseguem arrancar emoções arraigadas do nosso solo mais profundo.

Presidentes também choram. Barack Obama foi visto derramando lágrimas em público em várias aparições, mas foi criticado por demonstrar publicamente suas emoções. Afinal, um presidente (ou um homem) tem que ser "forte". O mesmo aconteceu Bill Clinton que chorou publicamente várias vezes durante o escândalo de Monica Lewinsky, que, por sua vez, verteu muitas "lágrimas de arrependimento".

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Martin Luther King Jr chorou "lágrimas de sonho" na sua luta por igualdade e justiça. Em vários de seus pronunciamentos apaixonados, suas emoções se manifestavam em lágrimas. No discurso "I have a dream", um dos mais notáveis da história, suas lágrimas escorreram pelas palavras: "Eu tenho um sonho que meus quatro pequenos filhos um dia viverão em uma nação onde não serão julgados pela cor da pele, mas pelo conteúdo do seu caráter. Eu tenho um sonho hoje". Essas lágrimas ainda escorrem.

Luísa Sonza no Mais Você
Luísa Sonza chora no programa Mais Você, da TV Globo - Reprodução Globo

Já o esporte é um balde cheio de lágrimas, quase um BBB ou uma Linha do Tempo do Domingão. Já choramos o 7 a 1, mas não precisamos ir tão longe. Derrotas, desclassificações, lesões: não faltam razões para choros no campo e na torcida. Nem esportes disciplinados que exigem equilíbrio escapam às lágrimas. O ex-tenista John McEncroe, quando se frustrava, explodia na quadra e despejava o costumeiro "choro-birra" contra os árbitros e adversários. Choro típico de quem não levou palmadinhas no bumbum na infância.

Os seres humanos são os únicos animais que têm lágrimas emocionais e choram na idade adulta. Mas machos e fêmeas têm um sistema hidráulico diferente. Alguns marmanjos sofrem de hidrofobia, congelam as lágrimas até desaprender a chorar. São os abstinentes às lágrimas, que não se permitem honrar sua emoção, que não se libertam —e não libertam. Já as mulheres abrem os portões das suas eclusas sem cerimônia, aonde for: metrô, escritório, banheiro, carro, restaurante, cinema, cerimônias de casamento. Não postergam, não se escondem: simplesmente choram.

Pesquisas apontam que chorar em público faz bem à saúde. Os japoneses lavaram essa descoberta tão a sério, que criaram os clubes dos choros, os "rui-katsu" (busca de lágrimas), em que pessoas participam de encontros de soluços catárticos.

Torço por mais "lágrimas Rosa Weber", femininas e determinadas, que semeiem os nossos tribunais para que surjam novas flores com a semente que ela legou.


Barueri, 14º município mais rico do Brasil, é um dos piores em mobilidade, FSP

 Caio Guatelli

Gente trabalhadora e dinheiro não faltam em Barueri. De acordo com o último levantamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o município paulista tem a segunda melhor taxa de população ocupada (111,9% —tem mais gente trabalhando do que morando por lá) e está ranqueado como o 14º maior PIB do país (R$ 51,2 bilhões).

Com tamanha fortuna, o que se espera é um cenário de motivação para ir trabalhar. Mas quando o barueriense pisa na rua, encontra uma realidade dura e perigosa. Apesar do sucesso nas finanças, seu município é o penúltimo colocado em qualidade de mobilidade no estado de São Paulo, segundo um estudo publicado em abril pelo NEC (Núcleo de Estudos das Cidades, da USP).

Travessia do trilho na estação de trem Antônio João: local precisa de uma passarela para pedestres e ciclistas - Rivaldo Gomes/Folhapress

Para quem escolhe a bicicleta como meio de transporte, Barueri é exemplo de precariedade, e está muito longe de refletir o slogan "cidade inteligente e sustentável", escolhido pela administração do prefeito Rubens Furlan, que está em seu sexto mandato no cargo.

Em comparação com outras grandes cidades do mesmo estado, Barueri não tem uma taxa de motorização tão alta (a quantidade de carros por cada 100 habitantes está em 67,2), mas até hoje a administração municipal preferiu priorizar os investimentos em viadutos e transporte motorizado, incentivando o fluxo intermunicipal de automóveis por áreas centrais da cidade, do que investir em mobilidade ativa.

CICLOVIAS DESCONECTADAS, PEQUENAS E PERIGOSAS

Com 462 anos de existência e apenas 11,3 km de ciclovias, a cidade ainda não conseguiu criar uma rede cicloviária conectada, deixando a maioria dos seus ciclistas sem proteção em meio a um trânsito caótico, classificado pelo NEC como um dos 5 mais letais entre as grandes cidades de São Paulo.

Beirando o trecho mais poluído de todo o rio Tietê, fica a maior das três estruturas cicloviárias da cidade. Com 7 km e formato bidirecional, a ciclovia do Parque Linear liga os bairros Aldeia e Chácara Marcos por um caminho que desafia os padrões definidos pelo Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito. Em algumas partes é tão estreita (1,5 m de largura), que ciclistas em sentidos opostos são obrigados a invadir a calçada para não trombarem de frente.

Na extremidade sul, no bairro Aldeia, a falta de uma ciclopassarela sobre a movimentada Linha-8 do trem, na altura da estação Antônio João, impossibilita a conexão com o segundo trecho de ciclovia do município, que tem mais 4 km até o bairro Parque Viana. "Parece que aquela estação parou no tempo, no século 18. As pessoas são obrigadas a se arriscar cruzando o trilho a pé para ir de uma plataforma à outra ou chegar na outra parte da ciclovia", disse o agrônomo e cicloativista Renato Afonso, morador de Barueri há 30 anos.

O agrônomo reclama a falta de um estacionamento de bicicletas na estação: "É a segunda estação mais movimentada da região, muita gente chega de bicicleta ali e não tem coragem de usar os paraciclos, não tem segurança nenhuma. O pessoal acaba usando o estacionamento do shopping".

Indignado com a falta de zelo da prefeitura com os espaços de lazer, Renato chegou a convocar a população nas redes sociais para isolar com cones o canteiro central da avenida Guilherme Perereca Guglielmo, utilizado pelos moradores "para caminhar e andar de patins enquanto carros trafegam a mais de 70 km/h". No local não há nenhuma proteção divisória.

A vendedora Sandra Assis de Oliveira é moradora de Barueri há 7 anos, e também reclama da estrutura precária que a cidade oferece aos ciclistas. "Vou de bicicleta para o trabalho, mas me sinto muito insegura nos trechos sem ciclovia. Tem também o problema que a ciclovia fica muito lisa na chuva, todo mundo cai por causa da tinta inadequada".

A vendedora, que faz parte de um grupo de pedaladas, diz que a administração municipal desperdiça a oportunidade de atender um grande número de ciclistas que circulam pela cidade, e sugere interligar hospitais e repartições públicas com estruturas cicloviárias e estacionamentos para bicicletas. "Não tem bicicletário na Secretaria de Esportes, é um absurdo".

A menor de todas as ciclovias tem cerca de 300 metros e ocupa o canteiro central da avenida João Vila-Lobos Quero. Em formato oval, ela liga nada a lugar nenhum.

PLANO DE MOBILIDADE URBANA ATRASADO

No ano passado, a cidade perdeu o prazo para se adequar à Política Nacional de Mobilidade Urbana, que dava como limite o dia 12 de abril de 2022 para cidades com mais de 250 mil habitantes aprovarem seus planos de mobilidade urbana. Barueri começou a pensar na ideia poucos meses antes e, segundo a agenda pública do município, deixou o processo estagnar em julho do ano passado.

Por sorte da administração municipal (e azar do munícipe), o governo federal anistiou o atraso com uma medida provisória publicada em 7 de julho. Com isso, a Prefeitura de Barueri ganhou mais 2 anos para se ajustar à lei.

Segundo o escritório Risco Arquitetura Urbana, contratado para assessorar a prefeitura na elaboração do Plano de Mobilidade Urbana de Barueri, "o primeiro [dos sete objetivos do plano] é promover os deslocamentos ativos, ou seja, o transporte não motorizado, a pé e por bicicleta". O escritório diz que na época dos estudos identificou "uma grande demanda reprimida pelo uso de bicicletas" e estabeleceu um plano de metas para ampliação da rede cicloviária, chegando a 89,3 km em 2037, ao custo estimado de R$ 16,6 milhões.

OUTRO LADO

Por nota, a Prefeitura de Barueri disse estar construindo um trecho cicloviário no Boulevard Central, entre a avenida Santa Úrsula e a rua Campos Sales, que interligará futuramente com o Parque Linear, passando pela avenida Guilherme Perereca Guglielmo, e mencionou estar em estudo um estacionamento de bicicletas que complementará o projeto de ciclovias.

A ViaMobilidade, responsável pela estação de trem Antônio João, disse por nota que há um projeto de revitalização da estação e que "prevê melhorias que vão além do que estava originalmente estabelecido no contrato de concessão". A companhia ressaltou que os investimentos incluem a requalificação completa da estação, contemplando a instalação de 4 escadas rolantes, 4 elevadores, novo mezanino, cobertura em toda área útil das plataformas de embarque e desembarque, piso de granito, novos sanitários públicos, bicicletário e paraciclo.

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‘Perdemos todos, mané'; Posse de Barroso é lembrete do tempo gasto com ameaças e crises, Renata Agostini ,OESP

 Houvesse mesmo um roteirista de Brasil, a posse de Luís Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal seria um belo desfecho de temporada. Poderia o escritor optar por encerrar em tom emotivo com Maria Bethânia entoando o hino nacional diante do plenário reconstruído. Ou apostar numa cena final apoteótica com o presidente do Supremo Tribunal Federal em cima do palco cantando samba-enredo.

As duas cenas, ambas absolutamente verídicas, marcaram a chegada de Barroso à presidência do tribunal na quinta passada, num dia de celebração das instituições e da aguardada normalidade democrática após anos de aperreio bolsonarista ao Supremo.

discurso do novo presidente do STF trouxe alento àqueles que — como eu — estavam fartos de pensar em possibilidade de golpe. Afagou ainda os que — como eu — creem na necessidade de um olhar atento aos grupos minorizados, na defesa da paridade de gênero, da diversidade racial, dos direitos da comunidade LGBTQIA+ e dos indígenas.

O novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, durante evento de posse.
O novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, durante evento de posse.  Foto: Wilton Junior/Estadão

Mas a fala foi também um lembrete do tempo que perdemos ao longo dos últimos anos presos em arroubos retóricos, ameaças verbais, crises institucionais permanentes. O enorme arco de problemas brasileiros seguiu ali, à espera, enquanto políticos e magistrados travavam um estafante embate público.

Perdemos todos, mané — para ficar na agora já famosa frase de Barroso no pós-eleição.

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Atípicos, os últimos anos fizeram os ministros do STF se unirem — até Gilmar e Barroso se reconciliaram. Fizeram também com que os onze ministros se tornassem mais célebres e, em boa medida, mais intocáveis.

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Conforme o bolsonarismo se atrevia em avançar sobre o Supremo, mais os magistrados investiam em revestir de fortaleza a corte e suas decisões. Como saldo dos anos de confronto, há o inescapável diagnóstico de que ficou ainda mais difícil criticar vossas excelências, já que reparos à atuação da corte parecem jogar todos na vala comum do golpismo.

O problema é que o caldo de descontentamento e desconfiança com o judiciário não se dissipará com a temporária saída de Jair Bolsonaro da cena política ou com o julgamento dos golpistas de 8 de janeiro.

Isso restou evidente na reação do Legislativo à derruba do marco temporal e nas muitas ideias de projetos para ceifar a palavra final do STF. Também apareceu não faz muito tempo nas críticas da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que defendeu o fim do Tribunal Superior Eleitoral.

Barroso assumiu o Supremo pregando a pacificação, lembrando que não há poderes hegemônicos e que estamos todos no mesmo barco. Ainda bem que o agora presidente está bem disposto e com a voz em dia. Vai ter, sem dúvida, árduo trabalho pela frente.