Houvesse mesmo um roteirista de Brasil, a posse de Luís Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal seria um belo desfecho de temporada. Poderia o escritor optar por encerrar em tom emotivo com Maria Bethânia entoando o hino nacional diante do plenário reconstruído. Ou apostar numa cena final apoteótica com o presidente do Supremo Tribunal Federal em cima do palco cantando samba-enredo.
As duas cenas, ambas absolutamente verídicas, marcaram a chegada de Barroso à presidência do tribunal na quinta passada, num dia de celebração das instituições e da aguardada normalidade democrática após anos de aperreio bolsonarista ao Supremo.
O discurso do novo presidente do STF trouxe alento àqueles que — como eu — estavam fartos de pensar em possibilidade de golpe. Afagou ainda os que — como eu — creem na necessidade de um olhar atento aos grupos minorizados, na defesa da paridade de gênero, da diversidade racial, dos direitos da comunidade LGBTQIA+ e dos indígenas.
Mas a fala foi também um lembrete do tempo que perdemos ao longo dos últimos anos presos em arroubos retóricos, ameaças verbais, crises institucionais permanentes. O enorme arco de problemas brasileiros seguiu ali, à espera, enquanto políticos e magistrados travavam um estafante embate público.
Perdemos todos, mané — para ficar na agora já famosa frase de Barroso no pós-eleição.
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Atípicos, os últimos anos fizeram os ministros do STF se unirem — até Gilmar e Barroso se reconciliaram. Fizeram também com que os onze ministros se tornassem mais célebres e, em boa medida, mais intocáveis.
Conforme o bolsonarismo se atrevia em avançar sobre o Supremo, mais os magistrados investiam em revestir de fortaleza a corte e suas decisões. Como saldo dos anos de confronto, há o inescapável diagnóstico de que ficou ainda mais difícil criticar vossas excelências, já que reparos à atuação da corte parecem jogar todos na vala comum do golpismo.
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O problema é que o caldo de descontentamento e desconfiança com o judiciário não se dissipará com a temporária saída de Jair Bolsonaro da cena política ou com o julgamento dos golpistas de 8 de janeiro.
Isso restou evidente na reação do Legislativo à derruba do marco temporal e nas muitas ideias de projetos para ceifar a palavra final do STF. Também apareceu não faz muito tempo nas críticas da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que defendeu o fim do Tribunal Superior Eleitoral.
Barroso assumiu o Supremo pregando a pacificação, lembrando que não há poderes hegemônicos e que estamos todos no mesmo barco. Ainda bem que o agora presidente está bem disposto e com a voz em dia. Vai ter, sem dúvida, árduo trabalho pela frente.
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