sábado, 15 de janeiro de 2022

Três apitos Noel Rosa,

 Quando o apito

Da fábrica de tecidos
Vem ferir os meus ouvidos
Eu me lembro de você
Mas, você anda
Sem dúvida, bem zangada
E está interessada
Em fingir que não me vê
Você que atende ao apito
De uma chaminé de barro
Por quê não atende ao grito, tão aflito
Da buzina do meu carro?
Você, no inverno
Sem meias, vai pro trabalho
Não faz fé com agasalho
Nem no frio você crê
Mas, você é mesmo
Artigo que não se imita
Quando a fábrica apita
Faz reclame de você
Nos meus olhos você vê
Que eu sofro cruelmente
Com ciúmes do gerente, impertinente
Que dá ordens a você
Sou do sereno
Poeta muito soturno
Vou virar guarda noturno
E você sabe porque
Mas, você não sabe
Que enquanto você faz planos
Faço junto do piano
Estes versos pra você

José Renato Nalini- Se eu pudesse escolher, OESP

 O Brasil perdeu um precioso amigo exatamente no dia de Natal. Tom Lovejoy morreu em Washington, aos oitenta anos. Durante quase sessenta anos ele estudou, pesquisou, publicou e defendeu a Amazônia brasileira, alvo de extermínio por parte de seu governo.

Ele se apaixonou tanto pela floresta amazônica, a derradeira cobertura vegetal dos trópicos, que passou a trazer celebridades para ali passar o réveillon. Muitos desses convivas se tornaram outros ardorosos defensores do tesouro que o Brasil elimina, antes mesmo de conhecê-la adequadamente. Foi o que aconteceu, por exemplo, com Al Gore, senador que chegou a ser Vice-Presidente dos Estados Unidos e que por seu empenho na tutela ecológica recebeu o Nobel da Paz. A conversão para a renhida e sacrificada luta ambientalista ocorreu numa dessas visitas à Amazônia, promovidas por Tom Lovejoy.

Generoso e gregário, Lovejoy promovia encontros em sua belíssima residência do século 18, inteiramente preservada, no emblemático território da Virgínia. Ali reunia interessados na proteção da biodiversidade e conseguia adesões para as suas causas.

PUBLICIDADE

Mas não era apenas um promotor de eventos e viagens. Era um dos mais respeitados cientistas da biologia, que em 2012 foi premiado com o Blue Planet, galardão considerado ao Nobel em ecologia. Foi nada menos do que o formulador do conceito de biodiversidade e incentivador do uso dos créditos de carbono para proteger a natureza.

Sua autoridade e conhecimento conseguiam comover todos os que tinham contato com sua obra e com sua cativante pessoa. Todos os presidentes dos Estados Unidos recorriam à sua sapiência, aconselhando-se quanto à relevante política estatal do meio ambiente. Talvez a mais importante neste século, pois sem trato adequado, o planeta caminhará célere para a sua exaustão, impedindo a continuidade de qualquer forma de vida em sua superfície.

Seus artigos estão em revistas especializadas e ganharam o mundo. Gostava de dividir sua experiência e assinou textos com brasileiros como André Guimarães, diretor do IPAM, por exemplo o artigo “Reflorestar a Amazônia” e com Caros Nobre, do INPA, na prestigiosa revista Science Advances, escreveu “Amazon Tipping Point”. Nesse ensaio, ambos alertam o mundo de que o avanço do desmatamento na Amazônia está prestes a ultrapassar o ponto de não retorno. E nada indica um hiato ou um retrocesso na tendência ecocida de deliberada destruição.

Divulgou em agosto de 2021 que estava com câncer no pâncreas, mas que ainda viveria algumas décadas. Conseguiu terminar o livro “Ever Green: Saving Big Forests to Save the Planet”, em parceria com John Reid, economista da ONG Nia Tero e o New York Times publicou em 2 de novembro um artigo seu com o mesmo Reid, sob o título “The Road to Climate Recovery Goes Through the Wild Woods”.

Os imperscrutáveis desígnios da Providência levam Lovejoy, eficiente defensor da Amazônia e deixam a continuar sua tenebrosa tarefa de exterminadores do futuro os dendroclastas, os grileiros, os invasores, os espoliadores das áreas desmarcadas, os assassinos dos indígenas, os exploradores da mineração criminosa.

Enquanto se defende a troca da cobertura vegetal por pasto, com elogio aos cowboys da Amazônia, se autoriza a extração de ouro em áreas ocupadas tradicionalmente por etnias, enquanto se zomba de jovens como Greta Thumberg, que tem a coragem de pedir que governantes tenham vergonha na cara, vai-se um herói.

Sinal de que a paciência divina se esgotou e resolveu não influenciar esta criatura que, provida de livre arbítrio, escolheu a morte e não a vida?

Quando surgirá outro Lovejoy, com sua influência capaz de impulsionar a World Wildlife Fund a se tornar referência em todo o globo, com a contribuição oferecida ao Banco Mundial, ao Banco Interamericano de Desenvolvimento, à própria ONU, à comunidade científica planetária?

Morre um defensor ímpar, singular, raro exemplar humano, enquanto prolifera o descaso contra a natureza, em todos os níveis. Nas famílias, que pouco se importam com o verde de sua cidade. Nas administrações, sempre ávidas por edificar, mas que se esquecem de reflorestar. Nos governos ecocidas, que elegeram o funéreo em lugar da vida. Pobre espécie humana! Tão ignorante quanto a si própria!

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras – 2021-2022

Quando o homem vai desaparecer?, Fernando Reinach ,OESP

 Fernando Reinach *, O Estado de S.Paulo

15 de janeiro de 2022 | 05h00

Eu tinha 12 anos de idade. Folhas brancas de papel formavam uma faixa horizontal na parede da sala de aula, na escola. Na extremidade esquerda, desenhamos uma linha vertical e escrevemos “3.200 anos antes de Cristo” e “fim da Pré-história”. E, na ponta direita, outra linha com o ano “1.968”. À sua direita, escrevemos “futuro”. A professora nos fez dividir a linha em cinco intervalos de mil anos e marcamos cada assunto que iríamos estudar.

Cinquenta anos depois, ainda cultivo uma linha do tempo. Ela descreve a história do Homo sapiens. O lado direito ainda termina no presente, mas o lado esquerdo começa em “250.000 anos antes de Cristo”. Em seguida, coloco “15.000 anos antes de Cristo”, o início da domesticação das plantas e animais. Em “3.200 anos antes de Cristo”, coloco o aparecimento da escrita, e o resto da minha linha do tempo continua mais ou menos igual.

O que mudou foi o comprimento da pré-história, um período que cobre 98% da história de nossa espécie. Na escola, estudei somente os últimos 2% da história da espécie humana. E nem chegamos no golpe de 1964.

PUBLICIDADE

ctv-wzf-mascara
Passageiros usam máscara na Estação da Luz, no centro de São Paulo Foto: FELIPE RAU/ESTADAO

Agora, um grupo de cientistas conseguiu medir com precisão a idade dos esqueletos mais antigos que conhecemos de nossa espécie, encontrados durante as décadas de 1960 e 1970, onde hoje é a Etiópia.

A idade desses esqueletos tem sido motivo de muita discussão, dada a dificuldade de determinar de que época é o material. Muitos cientistas acreditavam que essas pessoas tinham morrido entre 155 mil e 190 mil anos atrás.

Mas, analisando novamente a área onde os fósseis foram descobertos, foi possível correlacionar os sedimentos com o material depositado na região após uma erupção vulcânica, cuja data é bem estabelecida pelos pesquisadores.

Com esses novos dados, os cientistas estimaram que a idade desses esqueletos é de 233 mil anos, sendo que o intervalo de confiança dessa medida é de 22 mil anos, uma margem de erro de menos de 10%.

Assim, podemos afirmar que o ser humano surgiu no planeta aproximadamente há 233 mil anos. Ele pode ter surgido antes, mas não depois. Corrigi minha linha do tempo, que agora começa 233 mil anos atrás. O interessante é que o erro dessa medida (22 mil anos) é quase cinco vezes mais longo do que o período que estudei na escola.

Mas o que me preocupa é quanto tempo nossa espécie ainda vai sobreviver. Sabemos que mais de 99% das espécies que habitaram o planeta estão extintas. Serão mais 500 anos, 5 mil, 50 mil?

Depende de como nós conservamos o meio ambiente em que vivemos. Do jeito que a coisa anda, creio que mil anos seja um bom palpite. E, se assim for, já vivemos 99% de nossa existência. Estamos próximos do fim dela. O resto dos seres vivos agradece.

Mais informações: Age of the oldest known Homo sapiens from eastern Africa. Nature