O Brasil perdeu um precioso amigo exatamente no dia de Natal. Tom Lovejoy morreu em Washington, aos oitenta anos. Durante quase sessenta anos ele estudou, pesquisou, publicou e defendeu a Amazônia brasileira, alvo de extermínio por parte de seu governo.
Ele se apaixonou tanto pela floresta amazônica, a derradeira cobertura vegetal dos trópicos, que passou a trazer celebridades para ali passar o réveillon. Muitos desses convivas se tornaram outros ardorosos defensores do tesouro que o Brasil elimina, antes mesmo de conhecê-la adequadamente. Foi o que aconteceu, por exemplo, com Al Gore, senador que chegou a ser Vice-Presidente dos Estados Unidos e que por seu empenho na tutela ecológica recebeu o Nobel da Paz. A conversão para a renhida e sacrificada luta ambientalista ocorreu numa dessas visitas à Amazônia, promovidas por Tom Lovejoy.
Generoso e gregário, Lovejoy promovia encontros em sua belíssima residência do século 18, inteiramente preservada, no emblemático território da Virgínia. Ali reunia interessados na proteção da biodiversidade e conseguia adesões para as suas causas.
Mas não era apenas um promotor de eventos e viagens. Era um dos mais respeitados cientistas da biologia, que em 2012 foi premiado com o Blue Planet, galardão considerado ao Nobel em ecologia. Foi nada menos do que o formulador do conceito de biodiversidade e incentivador do uso dos créditos de carbono para proteger a natureza.
Sua autoridade e conhecimento conseguiam comover todos os que tinham contato com sua obra e com sua cativante pessoa. Todos os presidentes dos Estados Unidos recorriam à sua sapiência, aconselhando-se quanto à relevante política estatal do meio ambiente. Talvez a mais importante neste século, pois sem trato adequado, o planeta caminhará célere para a sua exaustão, impedindo a continuidade de qualquer forma de vida em sua superfície.
Seus artigos estão em revistas especializadas e ganharam o mundo. Gostava de dividir sua experiência e assinou textos com brasileiros como André Guimarães, diretor do IPAM, por exemplo o artigo “Reflorestar a Amazônia” e com Caros Nobre, do INPA, na prestigiosa revista Science Advances, escreveu “Amazon Tipping Point”. Nesse ensaio, ambos alertam o mundo de que o avanço do desmatamento na Amazônia está prestes a ultrapassar o ponto de não retorno. E nada indica um hiato ou um retrocesso na tendência ecocida de deliberada destruição.
Divulgou em agosto de 2021 que estava com câncer no pâncreas, mas que ainda viveria algumas décadas. Conseguiu terminar o livro “Ever Green: Saving Big Forests to Save the Planet”, em parceria com John Reid, economista da ONG Nia Tero e o New York Times publicou em 2 de novembro um artigo seu com o mesmo Reid, sob o título “The Road to Climate Recovery Goes Through the Wild Woods”.
Os imperscrutáveis desígnios da Providência levam Lovejoy, eficiente defensor da Amazônia e deixam a continuar sua tenebrosa tarefa de exterminadores do futuro os dendroclastas, os grileiros, os invasores, os espoliadores das áreas desmarcadas, os assassinos dos indígenas, os exploradores da mineração criminosa.
Enquanto se defende a troca da cobertura vegetal por pasto, com elogio aos cowboys da Amazônia, se autoriza a extração de ouro em áreas ocupadas tradicionalmente por etnias, enquanto se zomba de jovens como Greta Thumberg, que tem a coragem de pedir que governantes tenham vergonha na cara, vai-se um herói.
Sinal de que a paciência divina se esgotou e resolveu não influenciar esta criatura que, provida de livre arbítrio, escolheu a morte e não a vida?
Quando surgirá outro Lovejoy, com sua influência capaz de impulsionar a World Wildlife Fund a se tornar referência em todo o globo, com a contribuição oferecida ao Banco Mundial, ao Banco Interamericano de Desenvolvimento, à própria ONU, à comunidade científica planetária?
Morre um defensor ímpar, singular, raro exemplar humano, enquanto prolifera o descaso contra a natureza, em todos os níveis. Nas famílias, que pouco se importam com o verde de sua cidade. Nas administrações, sempre ávidas por edificar, mas que se esquecem de reflorestar. Nos governos ecocidas, que elegeram o funéreo em lugar da vida. Pobre espécie humana! Tão ignorante quanto a si própria!
*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras – 2021-2022