domingo, 16 de janeiro de 2022

Brasileiro aumentou consumo de álcool, fez menos exercício físico e ficou mais obeso na pandemia, OESP

 Weslley Galzo, O Estado de S.Paulo

16 de janeiro de 2022 | 14h00

BRASÍLIA - Os efeitos da pandemia na saúde dos brasileiros foi arrasador, mesmo entre aqueles que não contraíram a covid-19. Durante o ano de 2020, quando o Brasil passou mais tempo em isolamento social para frear o avanço do coronavírus, houve aumento no consumo abusivo de bebidas alcoólicas e no sedentarismo entre a população brasileira, o que desencadeou a elevação da taxa de pessoas com doenças crônicas, como a obesidade. Isso é que mostra a pesquisa Doenças Crônicas e Seus Fatores de Risco e Proteção: Tendências Recentes no Vigitel, realizada pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS)

Em 2019, a obesidade atingia 20,3% dos adultos nas capitais do País, mas, em 2020, a doença passou a afetar 21,5% deste grupo, com maior prevalência nos Estados do Sul, Sudeste e Nordeste. Manaus (24,9%), Cuiabá (24,0%) e Rio de Janeiro (23,8%) lideram o ranking de maior incidência da obesidade. Até 2011, nenhuma capital havia ultrapassado a taxa de 20%.

O índice nacional chega a quase o dobro do que foi registrado 14 anos antes, em 2006, quando só 11,8% da população brasileira era portadora desse tipo de comorbidade. O ano marca a primeira vez que foi realizado o levantamento Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) pelo Ministério da Saúde, de onde os dados do IEPS foram extraídos. Foram entrevistadas 27.077 pessoas nesta edição do estudo.

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Sobrepeso na adolescência representa risco cardíaco equivalente ao da obesidade
Em 2020, a obesidade passou a afetar 21,5% dos adultos nas capitais do Brasil Foto: Scott Sinkler via The New York Times

Especialistas ouvidos pelo Estadão afirmam que a alteração no estilo de vida dos brasileiros, provocada pela pandemia, foi determinante para o surgimento – e até agravamento – de hábitos prejudiciais à saúde, assim como para a ocorrência de transtornos psíquicos que desencadeiam outras doenças.

A vestibulanda de Artes Visuais Isabella Stael, de 19 anos, atribui o aumento do consumo de bebidas alcoólicas na pandemia ao que chama de “desgaste psicológico”. Ela afirmou que o álcool é utilizado como refúgio para relaxar e se divertir em meio ao estresse causado pela covid e pelos estudos, sem que haja, necessariamente, uma ocasião especial.

“Em grande parte, o consumo de álcool que faço está ligado a aliviar a pressão e não precisar pensar no futuro. Também está relacionado a dias em que estou muito cansada, ou em outros em que o esgotamento mental é tão grande que fico frustrada por não conseguir estudar direito e chego ao final do dia querendo beber”, disse Isabella ao Estadão.

O psiquiatra Guido Palomba, da Associação Paulista de Medicina, vê relação direta entre a pandemia e a alta da taxa de doenças crônicas. Na sua avaliação, isso ocorre porque as pessoas precisam restringir a locomoção e lidar com a superexposição a notícias negativas. Isso, afirma, desencadeia transtornos psiquiátricos que colaboram para o surgimento de comorbidades.

A demanda excessiva de trabalho provocada pelo home office também é apontada por Palomba como fator inerente ao "novo normal" criado pela crise sanitária, que estimula hábitos pouco saudáveis. “A alimentação e o álcool são formas de gratificação nesses momentos ruins. Consequentemente, temos o aumento de casos de obesidade, diabetes e problemas cardíacos", argumenta.

Beatriz Rache, mestre em Economia pela Universidade Columbia (EUA) e autora da pesquisa do IEPS, destaca o aumento dos fatores de risco à saúde, como o consumo de ultraprocessados (biscoitos, chocolate, salsicha, margarina, entre outros), em praticamente todos os segmentos da pesquisa. Somente o tabagismo se manteve estável em 2020 ante 2019. Em contrapartida, o consumo abusivo de álcool partiu de 18,8% para 20,4%, mesmo cenário observado em relação ao sedentarismo, que saiu de 13,9% para 14,9%.

Ela enfatiza a importância do estudo em dois aspectos: na capacidade de aferir a prevalência das doenças no País e munir agentes públicos com subsídios para a produção de respostas no sistema de saúde e na tradução para o público não especializado dos dados complexos reunidos pelo Vigitel. O IEPS explica que a nota técnica foi produzida para preencher a lacuna ocasionada pelo apagão de dados do Ministério da Saúde após um ataque hacker, que atrasou a publicação do estudo de 2020 e tem afetado o levantamento com as informações referentes a 2021.

“A gente vê, entre 2019 e 2020, uma piora de todos os indicadores de riscos comportamentais e por isso é possível associar ao aumento da obesidade. Apesar de a Vigitel não permitir fazer essa correlação, os dados mostram que a pandemia parece estar associada aos resultados de 2020, um ano tanto de estresse econômico quanto sanitário”, constatou Beatriz Rache.

Cerveja
O álcool é utilizado como refúgio para relaxar e se divertir em meio ao estresse causado pela covid-19 Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Presidente da Associação Médica Brasileira, César Fernandes destaca a importância de as autoridades realizarem grandes campanhas de conscientização sobre os perigos da alimentação inadequada e da falta de atividade física. “Muitas famílias mudaram seus hábitos alimentares para pior, com o teor de gordura e caloria aumentado. As pessoas começaram a se servir por meio de delivery. Não bastasse isso, os brasileiros se privaram de atividades físicas habituais, como pequenas caminhadas no cotidiano. O balanço energético se tornou desfavorável, com mais consumo e menos gasto, o que tende a gerar obesidade. Fora isso, as doenças emocionais também refletem na mudança de hábitos de vida”, diz.

A  nota técnica do IEPS também traz um retrato de como a desigualdade socioeconômica é determinante para o surgimento de doenças crônicas. Nos estratos populacionais menos escolarizados – e, consequentemente, de menor renda –, a chance de  adquirir enfermidades, como hipertensão e diabete, chega a ser duas vezes maior do que entre aqueles que tiveram acesso à educação formal por mais tempo.

É considerado pouco escolarizado o adulto que estudou por até oito anos. Na outra ponta, os mais escolarizados passaram mais de 12 anos nas salas de aula. Um homem ou mulher do primeiro grupo, em 2020, tinha quase 50% de chance de ser diagnosticado com hipertensão arterial – os dados indicam 44,7% de prevalência neste segmento. Já no segundo conjunto, a possibilidade era de apenas 15,2%. Em relação à diabete mellitus, a proporção foi de 15,2% ante 4,4%. No quesito obesidade, a comparação ficou em 25,3% e 19,3%, respectivamente.

“Com a piora da pobreza e o aumento da desigualdade, a  gente imagina que esse abismo entre os grupos socioeconômicos reflita ainda mais em saúde", afirma Beatriz. "O mais importante é continuar monitorando e tendo pressão política para realizar e divulgar esses estudos, e fazer com que os resultados cheguem onde é preciso em todos os níveis de formulação de políticas possíveis”, acrescenta. “Em algum momento, esses dados vão chegar ao sistema de saúde na forma de mais hipertensos e obesos.”

Sedentarismo atinge 46% dos brasileiros; mulheres são maioria
O sedentarismo está presente só entre 12,5% dos mais escolarizados em comparação ao índice de 20,9% entre aqueles com menos estudo Foto: Reuters

O acesso à educação formal também está ligado a hábitos mais saudáveis. O sedentarismo está presente só entre 12,5% dos mais escolarizados em comparação ao índice de 20,9% entre aqueles com menos estudo. O mesmo ocorre em relação ao tabagismo: 5,5% contra 7,9%. O consumo abusivo de álcool, por outro lado, é maior entre aqueles que passaram mais tempo na escola e na universidade, com 23,8% de prevalência neste grupo, ante apenas 15% entre os de baixa escolaridade.

Bolsonaro faz lembrar que a história é feita também do 'imponderável' e golpes de sorte ou azar, OESP

 Eliane Cantanhêde*, O Estado de S.Paulo

04 de janeiro de 2022 | 03h00

A nova crise, a nova hospitalização e a possível nova cirurgia do presidente Jair Bolsonaro são um alerta: a eleição não está decidida e muita água ainda vai rolar embaixo da ponte até outubro, desde puros golpes de sorte a ataques sórdidos, sem descartar o “imponderável”, tão presente na história brasileira.

O próprio Bolsonaro é um exemplo de que o “imponderável” pode alterar o rumo de uma eleição, depois de sofrer em 2018 uma facada que, na mesma intensidade, ameaçou sua vida e sedimentou sua vitória.

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Jair Bolsonaro
Presidente Jair Bolsonaro. Foto: Joédson Alves/EFE

José Sarney virou presidente porque Tancredo Neves morreu. Fernando Collor criou a ficção do “caçador de marajás” e foi o primeiro presidente eleito depois da ditadura militar. Itamar Franco jamais seria presidente pelas urnas, mas apostou certo ao virar vice de Collor e foi o homem certo na hora certa.

Fernando Henrique Cardoso, então senador, discutia se se elegeria deputado quando Itamar assumiu, delegou a ele o Itamaraty e a formação da equipe econômica e chancelou o Plano Real, que empurrou FHC rampa acima.

O ex-sindicalista Lula não se elegeu por um golpe de sorte, um plano bombástico ou o imponderável. Ele caiu de maduro. Depois de tentar em 1989, 1994 e 1998, o País e FHC julgaram em 2002 que chegara sua vez. A primeira ação de Lula foi a fake news da “herança maldita”, mas isso é outra história.

Dilma Rousseff não caiu de madura, como Lula, mas caiu de paraquedas, como Collor e, mais adiante, Jair Bolsonaro. Os improváveis. Primeira mulher presidente do Brasil, ela foi candidata com a queda em dominó de petistas como José Dirceu e Antonio Palocci... E porque Lula quis. Na campanha, teve uma mãozinha de mais um “imponderável”: a morte de Eduardo Campos num acidente aéreo.

Depois de recordes de popularidade, Dilma esfarelou pela personalidade, isolamento, erros crassos na política e na economia, até as pedaladas que a levaram ao impeachment. E veio Michel Temer, que foi presidente do MDB e, como FHC, tinha biografia, livros publicados e era forte no mundo político, não nas urnas. Chegou lá porque trocou os tucanos pelo PT e aboletou-se na vice de Dilma.

Em 2022, Bolsonaro, fruto de internet, marketing e desgaste da política, agora tem sequelas. Lula, que foi preso, tem mensalão e petrolão nas costas. Sérgio Moro virou, simultaneamente, fato novo e vidraça. Ciro Gomes parece andar para trás. Governador do principal Estado, João Doria enfrenta forte rejeição.

O retrato de hoje é um, mas o filme da eleição é dinâmico como a política, as campanhas e a própria vida. Ninguém ganha ou perde eleição de véspera, muito menos dez meses antes.

*COMENTARISTA DA RÁDIO ELDORADO, DA RÁDIO JORNAL (PE) E DO TELEJORNAL GLOBONEWS EM PAUTA


Não tem jeito? Eliane Cantanhêde, OESP

 Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

16 de janeiro de 2022 | 03h00

A eleição presidencial deu um salto no fim do ano e congelou no ar, com Lula confortavelmente na frente, Jair Bolsonaro mantendo um quarto do eleitorado apesar de tudo, Sérgio Moro em terceiro, mas sem chegar a dois dígitos, Ciro Gomes entre ser ou não ser e João Doria estranhamente quieto, fiando-se num selo, “pai das vacinas”.

À vontade, Lula parte para investidas internacionais, discute a sério o nome do (ou da) vice, consolida alianças no Nordeste e avança no Sudeste, enquanto Bolsonaro atira a esmo e acerta o próprio pé, ajoelha para o Centrão e afugenta militares, empresários, banqueiros, grandes produtores rurais...

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Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mantém vantagem sobre o presidente Jair Bolsonaro. Foto: Amanda Perobelli/REUTERS e Dida Sampaio/ESTADÃO

Quanto mais gente torce para viabilizar uma opção aos extremos, mais cresce a angústia e dispara a precipitação. Uns dizem: “O Brasil não merece Lula nem Bolsonaro, mas, se for assim, vou com Lula”. Outros: “Esse presidente é um doido, mas entre ele e Lula, fico com ele. No Lula, não voto de jeito nenhum”.

Ou seja: os que mais querem a terceira via são os que cristalizam a polarização entre Lula e Bolsonaro, jogando a toalha, disseminando o mantra de que “não tem jeito” e antecipando o segundo turno.

Afinal, tem jeito? Depende dos candidatos, das suas campanhas e da competência de cada um para vender seu peixe, além do principal: as circunstâncias. Neste momento, o fundamental não são nomes, são perfis. Nem o fulano, nem só princípios, mas que tipo de fulano a população intui como melhor para reconstruir o País.

Na onda da Lava Jato, 2018 foi o basta! Contra corrupção, política, políticos conhecidos, status quo. Jair Bolsonaro foi quem se encaixou nesse perfil. Ele não era absolutamente nada disso, como veio a confirmar na Presidência, mas o eleitor “não olha para cima”: não vê o candidato real, vê o personagem inventado para a circunstância.

Em 2022, o mundo é outro, o Brasil é outro, com pandemia, cambalhota na Lava Jato, desmanche da Saúde, Educação, Ambiente, Cultura, Política Externa e esgarçamento das relações entre os Poderes e os entes federativos, mais o troféu de 620 mil mortos e o coroamento de recessão técnica, inflação, desemprego e fome. E a democracia voltou à agenda.

Esse quadro favorece Lula e é evidentemente desastroso para Bolsonaro, mas não apaga o mensalão, o assalto à Petrobras, o fiasco Dilma Rousseff. E, por exemplo, se Bolsonaro meteu a mão nos órgãos de investigação (PF, Receita, Coaf...), Lula aparelhou os da grana (BNDES, CEF, agências reguladoras). 

Conclusão: vai ter muita lavação de roupa suja e, quando a máquina esquentar, a imagem de hoje pode descongelar. É cedo para jogar a toalha.

COMENTARISTA DA RÁDIO ELDORADO, DA RÁDIO JORNAL (PE) E DO TELEJORNAL GLOBONEWS EM PAUTA