sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

O que seria da filosofia e da literatura sem o caminhar?, Mauro Calliari, FSP

 Nietszche caminhava compulsivamente. Rousseau, que cruzou os Alpes a pé, dizia que seu escritório eram suas trilhas. Thoreau percorria sem cessar as terras ao redor do lago Walden, onde se exilou do mundo por dois anos, exercitando a relação com a natureza que moldou sua filosofia de vida.

O caminhar parece estar na raiz da inspiração de pensadores. Se andar a pé é um dos atos mais naturais da humanidade, a relação entre o fluxo do pensamento e o caminhar é menos óbvia. Um dos livros mais bonitos sobre essa relação é "Caminhar, uma filosofia", do professor de filosofia francês Frédéric Gros, que ganhou nova tradução e foi relançado pela Editora Ubu. O livro esmiúça e expande as perambulações de um punhado de filósofos e escritores para quem o andar era parte do processo criativo, seja como inspiração, seja como catalisador de suas reflexões.

Desde que o li pela primeira vez há alguns anos, "Caminhar..." parece abrir novas janelas mentais a cada visita. Mais que narrar a relação entre o pensamento e o caminhar, Gros nos leva a refletir sobre as tantas formas do andar, do peregrino medieval aos poetas ingleses, dos grandes montanhistas aos andarilhos solitários, passando até pelas marchas políticas de Gandhi, que sensibilizaram a Índia contra a insensatez do imperialismo inglês. Cada caminhante encontra seu ritmo e seu propósito.

Pedestres caminham na avenida Paulista, em São Paulo - Eduardo Knapp - 24.ago.2021/Folhapress

Em "Merlí"série catalã que fez sucesso no Brasil, o professor de filosofia batizou sua classe de "peripatéticos", numa alusão ao método dos filósofos gregos, que supostamente caminhavam enquanto ensinavam seus pupilos. Talvez a imagem seja uma caricatura. Gros sugere que a palavra pode ter mais relação com um lugar no liceu de Aristóteles –o peripatos– do que propriamente com um método de ensino.

Kant era um caso à parte. O filósofo alemão se apoiava na previsibilidade da rotina para produzir. Os habitantes de Konigsberg se divertiam ao vê-lo todos os dias andando no mesmo horário, pelo mesmo caminho, depois de lecionar, comer com os amigos e tirar uma pequena sesta. A conclusão de Gros é que o monumento da obra de Kant foi, justamente, construído assim, dia a dia, metódica e concentradamente, um passo de cada vez.

Baudelaire não poderia estar de fora. O mais incensado de todos os flâneurs aparece como um revolucionário, desafiando com seu andar e sua poesia o consumismo e o utilitarismo, os valores do nascente mundo moderno. Em outro livro memorável, "Tudo que é sólido desmancha no ar", Marhsall Bermann reposiciona Baudelaire, na verdade, como um dos pioneiros da modernidade. Em meio à transformação de Paris, com seus bulevares abrindo caminho por entre o tecido medieval, Baudelaire é o poeta que abraça a mudança que o ameaça –e ainda se delicia com o "banho de multidão". Isso sim é ser moderno.

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As mulheres têm espaço nesse caminhar, como Jane Austen, ela mesma uma caminhante concentrada, que fazia suas personagens andarem quilômetros pelos moors encharcados. Mas é Virginia Woolf quem tem um dos textos mais expressivos sobre a delícia de andar. Em seu livro "Mrs. Dalloway", a personagem sai de casa para comprar flores e descobre o prazer de mergulhar na cidade –ali "estava tudo que ela amava. Londres, a vida, este momento de junho". Difícil ser mais eloquente sobre a emoção sensorial do caminhar.

O livro não menciona nenhum brasileiro, mas a crônica brasileira talvez não existisse sem o caminhar. João do Rio foi um dos nossos mais icônicos caminhantes-cronistas, no comecinho do século 20, conjecturando sobre as mudanças urbanas na recém-inaugurada av. Central (depois av. Rio Branco) mas também sobre rinhas de galo, terreiros, conversas nos bondes, prostitutas, o cais e tudo o que fazia do Rio o grande cenário da urbanidade brasileira. Vale a pena ler o livrinho "A Rua", das Edições Barbatana, em que o dândi carioca entoa uma verdadeira ode à vida urbana, que tem o que é possivelmente uma das melhores aberturas de um texto: "Eu amo a rua".

Inspirado pelos filósofos que lidam com as grandes questões da vida, do amor e da morte, enquanto caminham, me peguei pensando nas nossas vidas cotidianas, nos milhões de pessoas que saem de suas casas, andando para ir à escola, para pegar o ônibus, para ir trabalhar todos os dias.

Será que nesses trajetos diários temos tempo de nos abrir para as surpresas da cidade e filosofar um pouquinho que seja? Acho que sim. Nossas ruas não são os bulevares parisienses e nem estamos flanando sem objetivo, mas acho que é possível reservar uns minutos a mais em alguns percursos para poder explorar a cidade durante um dia normal. Quem sabe a pequena caminhada de volta a casa possa gerar uma surpresa feliz, um pensamento transformador ou pelo menos, à maneira de Baudelaire, o prazer de estar vivo enquanto nos perdemos no meio do burburinho da cidade e da multidão?


quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

PSD deve filiar prefeito de São José dos Campos, possível candidato ao governo de SP, FSP

 Em busca de um candidato ao governo de São Paulo depois da desistência de Geraldo Alckmin, o PSD deve filiar nos próximos dias o prefeito de São José dos Campos, Felicio Ramuth (PSDB).

O presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, em convenção do partido no final do ano passado - @GilbetoKassab no Facebook.

A filiação já era para ter ocorrido, mas foi adiada em razão do aumento dos casos da pandemia.

Ramuth e os tucanos Paulo Serra, prefeito de Santo André, e Paulo Alexandre Barbosa, ex-prefeito de Santos, são algumas das possibilidades com as quais o partido trabalha como candidato próprio ao Palácio dos Bandeirantes. No total, há quase dez nomes sendo cogitados pelo PSD.

"Estamos agregando estes três nomes a outros já em análise. O partido terá candidato próprio ao governo de São Paulo, e escolherá dentre uma série de pessoas já filiadas e outras que devem se filiar em breve", disse o presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab. "São todos nomes fortes".

O plano eleitoral do partido no estado teve de recomeçar do zero depois que Alckmin comunicou a Kassab no final do ano passado a desistência do projeto de disputar o Palácio dos Bandeirantes, em razão das conversas para ser vice de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Da mesma forma, o apresentador José Luiz Datena, que tinha conversas adiantadas com o PSD para disputar o Senado, mudou a rota e deve compor chapa com Rodrigo Garcia (PSDB).

Kassab afirma que a decisão de lançar nome próprio no estado é definitiva, assim como a de concorrer ao Palácio do Planalto com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG). Ele descarta apoiar nomes de outras legendas, e se diz favorável ao fim das coligações majoritárias, não apenas das proporcionais.

Plano de Moro de mudar Judiciário causa perplexidade, diz coordenador do Prerrogativas, FSP

 Coordenador do grupo jurídico Prerrogativas, o advogado Marco Aurélio de Carvalho critica a proposta do pré-candidato a presidente Sergio Moro (Podemos) de fazer mudanças no Judiciário.

O ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro, pré-candidato a presidente da República pelo Podemos - Carl de Souza/AFP

"Causa espécie, perplexidade, espanto e risos. Justo ele, que a pretexto de combater a corrupção, corrompeu o sistema de Justiça".

O ex-ministro montou um grupo de especialistas na área jurídica, que devem formular uma proposta para seu programa de governo.

Na quarta (12), Moro encontrou-se com os professores de direito da FGV (Fundação Getulio Vargas) Luciano Benetti Timm e Joaquim Falcão e com o desembargador aposentado e professor da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Paraná, Vladimir Passos.

Falcão, que também é membro da ABL (Academia Brasileira de Letras), é o coordenador da equipe.