quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Chamar Jair Bolsonaro de conservador é um equívoco, FSP

  EDIÇÃO IMPRESSA

Lygia Maria

Mestre em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP

Para os opositores de Bolsonaro, o termo "conservador" é sinônimo de "racista", "homofóbico", "machista" e "fascista". Para os apoiadores, significa a adoração de um passado considerado idílico e de uma sociedade imutável.

Um aspecto básico do conservadorismo é a tradição: o mundo não surgiu quando nascemos. Há um arcabouço de conhecimentos e práticas que levaram a humanidade das cavernas à Lua. Nesse longo trajeto, adaptamos natureza e cultura, cometendo erros e acertos. Valorizar a tradição tem a ver com como nos livramos dos erros e pode ser sintetizada na ideia de que não é bom jogar o bebê fora junto com a água do banho.

Esse aspecto diferencia a postura conservadora da revolucionária e da reacionária. A Revolução Francesa derrubou o Antigo Regime em busca de um projeto republicano, mas o fez de forma tão radical que criou um sistema autoritário e assassino. Mao Tsé-Tung, na China, também matou, queimou livros, destruiu templos e culturas milenares. Já no lado reacionário, Hitler também fez o mesmo em nome de um passado idílico.

Nenhum conservador aceitaria mudanças tão bruscas e violentas. É preciso avaliar aquilo que foi construído no passado e que ainda funciona em termos práticos: instituições, crenças, artes, valores morais etc. O que não significa imutabilidade, e sim mudança na continuidade, como disse Edmund Burke (1729-1797): "Um Estado sem meios de mudança não dispõe de meios para conservar-se".

A pergunta fundamental do conservadorismo é "como a sociedade é?", não "como a sociedade deve ser?". E aqui entramos no ceticismo. A ideia é que somos seres imperfeitos e que nosso intelecto não é capaz de resolver problemas tão complexos e multifatoriais como os políticos e sociais: nossa razão se limita a soluções pontuais, não totalizantes.

É possível criar sociedades perfeitas no mundo das ideias, mas tentar colocar em prática esse modelo ideal tende à violência e ao autoritarismo. Não importa se o modelo é baseado no futuro (visão revolucionária) ou no passado (reacionária), o problema está em confiar demais no intelecto, desconsiderando práticas já testadas.

Ser conservador é traço característico da nossa humanidade. Todos temos receio de grandes mudanças, mudar de cidade, de carreira, se divorciar. Todos guardamos um brinquedo da infância e mantemos aspectos infantis que nos ajudam na vida adulta, como a curiosidade e a imaginação. O problema seria acumular todos os nossos brinquedos e só querer brincar de passado no presente; ou, por outra, queimá-los e fingir que a criança que você foi não faz parte do adulto que você é.


Hélio Schwartsman - O 'timing' eleitoral de Lula, FSP

 Se há um defeito que não pode ser atribuído a Luiz Inácio Lula da Silva é o de não ter senso de oportunidade política. Ele, afinal, sobreviveu ao mensalão e ao petrolão —escândalos que teriam encerrado carreiras mais normais— e agora disputa como franco favorito a sucessão de Jair Bolsonaro. Lula decerto comete erros, mas não os muito elementares. Se você, leitor, acha que o ex-presidente está metendo os pés pelas mãos, o mais provável é que ele esteja raciocinado duas ou três casas à sua frente.

Num mundo ideal, candidatos a cargos públicos explicitariam sem reservas suas ideias sobre os grandes temas e anunciariam o mais cedo possível seus programas de governo, que teriam conteúdo empírico, não apenas palavras bonitas. Não vivemos nesse mundo ideal. Isso significa que Lula vai não apenas tentar prolongar por mais alguns meses o suspense em relação a suas propostas como também deverá ensaiar outros flertes com posições mais à esquerda.

É tudo uma questão de "timing". O cenário ideal para o ex-presidente é enfrentar um Bolsonaro debilitado, pelas múltiplas ruindades de seu governo e pelo fraco desempenho da economia. Se Lula começa desde já a trabalhar para garantir a governabilidade e tranquilizar os mercados, inflação e juros podem cair, o que beneficiaria seu rival. Se, ao contrário, faz acenos a bandeiras de que a Faria Lima não gosta, põe uma pressão que atrapalha o governo. É claro que, mais para a frente, a partir de maio ou junho, digamos, será de seu interesse fazer anúncios que evitem a piora de indicadores, já que são grandes as chances de ele vencer, hipótese em que herdará as encrencas que possa criar.

Outras vantagens da ambiguidade incluem ganhar tempo para negociar as alianças com as quais pretende governar e a possibilidade distribuir um ou outro agrado para a base de eleitores mais à esquerda. Em algum momento Lula irá decepcioná-los.


No fim do Extra Hiper, eletro vira bebida, sobra área na loja e vale até 'obrigado', OESP

 Talita Nascimento, O Estado de S.Paulo

12 de janeiro de 2022 | 10h00

No Extra Hiper Gamelinha, como é conhecida uma unidade da varejista na zona leste de São Paulo, uma faixa na entrada avisa os clientes: "Esta loja continua aberta". Um aviso mais tímido, porém, completa a informação: "Em breve, um novo Mercado Extra para você". A unidade está entre os pontos de hipermercados que serão convertidos em novo formato pelo Grupo Pão de Açúcar, como parte da reestruturação que acabará com o modelo de grandes lojas dentro do grupo. 

Faixa em uma unidade do Extra Hipermercado, na zona leste de São Paulo;
Faixa em uma unidade do Extra Hipermercado, na zona leste de São Paulo; bandeira Extra é um marco dos hipermercados Foto: Talita Nascimento/Estadão

A gigante varejista decidiu vender 70 pontos nesse modelo ao Assaí, sua antiga divisão, transformada em empresa independente no ano passado. Sobraram 33 lojas da bandeira que, segundo a companhia, serão transformadas em supermercados Pão de Açúcar e em mercados Extra, ou fechadas. As mudanças começam a ser vistas no mundo real, mas as transformações das lojas que restaram ao GPA apresentam desafios e revelam como as grandes redes penaram em adaptar o modelo de hipermercado para um novo padrão de hábitos do consumidor. 

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Placa de aviso em uma unidade do Extra Hipermercado, na zona leste de São Paulo;
Placa de aviso em uma unidade do Extra Hipermercado, na zona leste de São Paulo; Nem GPA, nem Assaí divulgaram ainda a lista oficial das lojas compradas e das que devem ser convertidas Foto: Talita Nascimento/Estadão

Terminadas as queimas de estoques, os antigos hipermercados preenchem o lado direito de suas lojas - antes ocupado por eletrodomésticos, eletrônicos e bazar - como podem. Além disso, parece importante dizer aos clientes que esses estabelecimentos continuam abertos, como os avisos do Extra Gamelinha.  

Nem GPA, nem Assaí divulgaram ainda a lista oficial das lojas compradas e das que devem ser convertidas - a expectativa é que 14 virem Mercado Extra. O remendo visível está na área antes destinada aos produtos que caracterizavam o extinto hipermercado, como se pode ver no Gamelinha. Enquanto nas paredes permanece a sinalização de que ali o cliente encontra fogões, aparelhos de som, demais eletroeletrônicos e produtos de bazar como panelas, o que se vê é um enorme paredão de bebidas. 

É claro que essa é uma solução temporária, mas revela o maior desafio desse tipo de conversão: o enorme tamanho das unidades. "As lojas estão no meio do caminho. Não tem tamanho para se tornarem um atacarejo e, muitas vezes, são grandes para ser um supermercado", diz Eduardo Yamashita, diretor de operações da consultoria de varejo Gouvêa. "Eles, aparentemente, estão fazendo uma adaptação temporária enquanto não fazem a conversão de fato. Eventualmente, pode haver redução no tamanho da loja", afirma o especialista. 

Adaptação 

A bandeira Extra é um marco dos hipermercados. O formato foi concebido numa época em que o mix de produtos era amplo, com muitas categorias, de eletrônicos a roupas, e as famílias tinham por hábito se deslocar às unidades, ainda que mais distantes, para fazer grandes compras.

"A metragem dos salões de venda era compatível. Hoje, devido ao encolhimento de categorias, os espaços ficaram muito grandes", afirma Eugênio Foganholo, sócio da consultoria especializada em varejo Mixxer.

Para ele, a forma de exposição de produtos atual, com alta quantidade de bebidas, "gera percepção negativa no consumidor". "Uma das saídas é sublocar a loja para outros varejistas operarem, desde que não trabalhem com categorias similares ao Extra", pontua Foganholo.

Em nota, o GPA afirmou que das 103 lojas da rede, 70 pontos comerciais foram vendidos ao Assaí, e as demais 33 unidades serão convertidas em outros formatos do GPA ou fechados. 

"Essas unidades que pertencem ao grupo e deverão reabrir sob novas bandeiras nos próximos meses continuam funcionando para atender aos clientes durante a remodelação e, por isso, será possível visualizar essas mudanças de seções e adequações ao conceito de cada rede à medida em que a reforma acontece", afirma a rede. 

Agradecimento 

 Se as lojas passíveis de conversão informam em faixas que continuam abertas, outras já exibem faixas menos alegres. "Essa loja do Extra Hiper fechou. Obrigado por fazer parte da nossa história", diz um banner na entrada do estabelecimento da Marginal Tietê. Bem perto, a loja do Assaí pendurou na grade do estacionamento - antes compartilhado pelas duas marcas - faixas para informar que continua funcionando.  

Faixa em uma unidade do Extra Hipermercado
Faixa em uma unidade do Extra Hipermercado; GPA afirmou que das 103 lojas da rede, 70 pontos comerciais foram vendidos ao Assaí, e as demais 33 unidades serão convertidas em outros formatos do GPA ou fechados Foto: Talita Nascimento/Estadão

Questionado sobre o que deve acontecer com os funcionários dos pontos vendidos ao Assaí, o GPA respondeu: "Em relação aos colaboradores, o principal direcionamento é o reaproveitamento interno nas demais unidades dos negócios envolvidos na transação, o que inclui a priorização da contratação dos funcionários do Extra Hiper nas novas unidades do Assaí. O GPA está conduzindo um processo de mapeamento de 100% dos colaboradores dessas unidades para entender o interesse individual e, desta forma, direcionar os esforços para que a transição seja feita de maneira humanizada".

 Perguntado se a loja da Marginal faz parte das compras do Assaí, o atacarejo disse em nota que "as negociações entre Assaí e GPA contam ainda com etapas a serem concluídas. Estimamos que o fechamento completo da transação ocorra antes do fim do primeiro trimestre de 2022, conforme comunicado pela companhia no dia 16/12/2021. A lista de lojas envolvidas será divulgada assim que essa informação for disponibilizada ao mercado".

 Em relação aos funcionários dessas lojas, a rede reitera o posicionamento do GPA e acrescenta: "Vale ressaltar que, independentemente da marca que venha a se instalar nas mais de 100 unidades do Extra Hiper que encerram suas atividades até o fim do ano, seja Assaí, seja Pão de Açúcar ou Mercado Extra, está prevista a geração de empregos. Além disso, pelo perfil da operação, uma loja Assaí gera até o dobro de empregos do que um Extra Hiper - portanto, o movimento de conversão gerará ainda novos postos de trabalho nas cidades contempladas".