quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Hélio Schwartsman - O 'timing' eleitoral de Lula, FSP

 Se há um defeito que não pode ser atribuído a Luiz Inácio Lula da Silva é o de não ter senso de oportunidade política. Ele, afinal, sobreviveu ao mensalão e ao petrolão —escândalos que teriam encerrado carreiras mais normais— e agora disputa como franco favorito a sucessão de Jair Bolsonaro. Lula decerto comete erros, mas não os muito elementares. Se você, leitor, acha que o ex-presidente está metendo os pés pelas mãos, o mais provável é que ele esteja raciocinado duas ou três casas à sua frente.

Num mundo ideal, candidatos a cargos públicos explicitariam sem reservas suas ideias sobre os grandes temas e anunciariam o mais cedo possível seus programas de governo, que teriam conteúdo empírico, não apenas palavras bonitas. Não vivemos nesse mundo ideal. Isso significa que Lula vai não apenas tentar prolongar por mais alguns meses o suspense em relação a suas propostas como também deverá ensaiar outros flertes com posições mais à esquerda.

É tudo uma questão de "timing". O cenário ideal para o ex-presidente é enfrentar um Bolsonaro debilitado, pelas múltiplas ruindades de seu governo e pelo fraco desempenho da economia. Se Lula começa desde já a trabalhar para garantir a governabilidade e tranquilizar os mercados, inflação e juros podem cair, o que beneficiaria seu rival. Se, ao contrário, faz acenos a bandeiras de que a Faria Lima não gosta, põe uma pressão que atrapalha o governo. É claro que, mais para a frente, a partir de maio ou junho, digamos, será de seu interesse fazer anúncios que evitem a piora de indicadores, já que são grandes as chances de ele vencer, hipótese em que herdará as encrencas que possa criar.

Outras vantagens da ambiguidade incluem ganhar tempo para negociar as alianças com as quais pretende governar e a possibilidade distribuir um ou outro agrado para a base de eleitores mais à esquerda. Em algum momento Lula irá decepcioná-los.


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