segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Marcus André Melo - Corrupção e eleições presidenciais, FSP

 "O Chile não merece esta corrupção transversal", denunciou Gabriel Boric no primeiro turno da campanha presidencial no Chile. Ele se referia ao caso SQM —grande escândalo de corrupção que durante o governo Bachelet envolveu seus atuais adversários do Unidad Constituyente (centro-esquerda) e do Chile Vamos (centro-direita). E lamentou a falta de apoio deles para as medidas concretas que propôs para a punição dos envolvidos.

Para Kast, seu adversário, "a corrupção não é de esquerda ou de direita, é de todos os setores. Não é hora de pôr as mãos no fogo por ninguém, mas de auditar e investigar todos."

Não podia ser diferente: ambos são outsiders; a bandeira da corrupção é tema de quem está fora do governo. Sobretudo de quem nunca foi governo. Quem detém ou deteve recentemente a caneta para nomear, demitir, contratar e pagar é que pode ser denunciado por corrupção. Incumbentes nunca tratam da corrupção a não ser quando são recém-chegados ao poder.

"Acabar com a corrupção é o objetivo supremo de quem ainda não chegou ao poder". Esta máxima de Millôr é certeira e tem respaldo na literatura.

Shefter mostrou em análise histórica sobre partidos nos EUA e Europa que a bandeira contra a corrupção e a patronagem era mobilizada pelos que estavam "fora" do aparelho de Estado no momento em que os partidos foram criados.

Os grupos que estavam "dentro" mobilizaram o eleitorado e forjaram lealdades com a oferta de bens privados, como cargos públicos e contratos governamentais. Quem está fora do estado mobiliza o eleitorado com base em bens públicos, de apelo universalista.

Sim, corrupção e impunidade não são temas setoriais como outro qualquer; são, por excelência, da oposição. E, como demonstrou Klasnja e Tucker, o seu impacto na opinião pública têm um efeito interativo com o estado da economia: quando esta vai mal o efeito é magnificado. E vice-versa, quando ela vai bem a corrupção é tolerada. Com a pandemia o efeito provavelmente é similar: se a saúde pública vai mal, a intolerância com a corrupção aumenta.

Bolsonaro irrompeu na política brandindo a bandeira da corrupção e da segurança pública, na esteira de megaescândalos afetando sobretudo o PT e o centrão. Agora seu passivo na área é gigantesco: as rachadinhas familiares vieram à tona e sua aliança com o centrão e filiação ao PL aniquilaram de forma espetacular o seu discurso eleitoral. Seu principal rival —o PT—, no entanto, não pode mobilizar a bandeira da corrupção por razões óbvias.

A virulência do discurso populista caiu por terra, dando lugar à oferta de bens privados (Shefter). Mas isto só funciona em tempos normais: não de crise política aguda.


Nós, que jogamos tudo fora, Ruy Castro, FSP

 


Hollywood inaugurou o seu Museu da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas —sim, a do Oscar. Custou US$ 482 milhões e consiste numa esfera gigante com cúpula de vidro e um prédio art déco de sete andares. Abriga registros virtuais com, dizem, milhões de possibilidades e objetos originais de filmes famosos: a cimitarra de Douglas Fairbanks em "O Ladrão de Bagdá" (1925), os sapatinhos vermelhos de Judy Garland em "O Mágico de Oz" (1939), o trenó de "Cidadão Kane" (1941), os robôs de "Guerra nas Estrelas" (1977), o boneco de "E.T., o Extraterrestre" (1982) e ponha etc. nisso.

Pergunto-me se no Brasil poderíamos ter um museu assim. Como gostamos de jogar tudo fora, onde terão ido parar itens que um dia fizeram história nas nossas salas escuras? Exemplos:

O chapéu estrelado, as cartucheiras e a matadeira de Milton Ribeiro em "O Cangaceiro" (1953). O sputnik que caiu no galinheiro de Oscarito em "O Homem do Sputnik" (1959). O guarda-chuva de Mazzaroppi em "Jeca Tatu" (1959). A cruz que Leonardo Villar arrasta pelas ruas em "O Pagador de Promessas" (1962). A dentadura de metal de Jece Valadão em "Boca de Ouro" (1962).

O papagaio de Átila Iório em "Vidas Secas" (1963) —no filme, ele foi comido, mas claro que não era ele, e, como se sabe, os papagaios podem chegar a cem anos. A capa de Mauricio do Valle (Antônio das Mortes) e a faca de Othon Bastos (Corisco) em "Deus e o Diabo na Terra do Sol" (1964). A batina de Paulo José em "O Padre e a Moça" (1966). O crucifixo de Paulo Autran e os modelos que Guilherme Guimarães desenhou para Danuza Leão em "Terra em Transe" (1967). Tudo certamente se perdeu.

Seria mais fácil aqui um museu mostrando o vestido usado por Norma Bengell na cena da praia em "Os Cafajestes" (1962) e, inspirados nele, os ousados guarda-roupas de Darlene Gloria, Sonia Braga, Helena Ramos, Sandra Brea e Vera Fischer nos filmes dos anos 70 e 80.

Enfim, a venda de uma refinaria, Editorial OESP

 Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

06 de dezembro de 2021 | 03h00

A passagem para um grupo privado, no início de dezembro, da gestão da Refinaria Landulpho Alves, na Bahia – agora chamada de Refinaria de Mataripe, seu nome original quando foi inaugurada, em 1950 –, é um marco na história do petróleo no Brasil. Essa é a primeira unidade de refino que a Petrobras transfere para um controlador privado dentro do programa de desinvestimentos que segue desde 2015 para melhorar sua estrutura financeira e reduzir sua presença no mercado para aumentar a concorrência.

Embora de grande significado histórico, econômico e político, a efetiva conclusão da venda da refinaria localizada em São Francisco do Conde, na Bahia, é também um símbolo das dificuldades que a Petrobras enfrenta para privatizar.

Desde seu anúncio, o programa de desinvestimentos da Petrobras, que implica a venda de ativos que não estejam no foco de seu projeto de crescimento, passou por revisões, em geral para reduzir suas metas. No Plano Estratégico (com metas para cinco anos) anunciado no ano passado, a meta financeira com as vendas de ativos estava entre US$ 25 bilhões e US$ 35 bilhões; no que a empresa apresentou no fim de novembro, para o período 2022-2026, a meta ficou entre US$ 15 bilhões e US$ 25 bilhões.

A entrada de empresas privadas – como a Acelen, criada pelo Mubadala Capital para gerir a refinaria baiana – no mercado de refino foi uma das exigências do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para a Petrobras continuar operando na área. Para compatibilizar essa exigência com seu plano estratégico, a estatal decidiu concentrar as operações de refino na Região Sudeste, seu principal mercado.

A necessidade de recompor sua estrutura financeira, de outra parte, impunha certa velocidade na venda de ativos considerados fora do novo foco de operações da empresa. Várias circunstâncias, no entanto, têm retardado o processo.

A pandemia decerto prejudicou os negócios. Oscilações no mercado mundial de petróleo e de produtos refinados, bem como pressões crescentes em todo o mundo pela redução do uso de combustíveis fósseis, igualmente podem ter inibido os investidores.

Mesmo assim, o plano está mantido. A estatal informou que duas unidades (Reman, no Amazonas, e a Unidade de Xisto, no Paraná) já tiveram seus contratos de venda assinados. E reforçou o compromisso de vender outras cinco refinarias, como a polêmica Abreu Lima, em Pernambuco, resultado da aventura lulopetista com o governo chavista da Venezuela que consumiu bilhões de dólares e ainda não foi inteiramente concluída.

A política interna, porém, adicionou outros problemas. O presidente Jair Bolsonaro disse várias vezes que é preciso controlar os preços dos combustíveis, que a Petrobras “é um problema” e até prometeu “jogar duro” com ela. Já o populista e ex-presidiário Lula, que pretende ocupar o lugar de Bolsonaro, vive a dizer que mudaria a política de preços da Petrobras, pois, como costuma dizer, quem deve lucrar com ela é o povo brasileiro.

Com tantas ameaças fica difícil encontrar comprador para as refinarias.