domingo, 15 de novembro de 2020

Na eleição em SP, Joice Hasselmann saiu de favorita de Doria para candidata nanica, FSP

 

SÃO PAULO

Em menos de dois anos, Joice Hasselmann (PSL) partiu de segunda deputada federal mais votada em SP (só perdeu para Eduardo Bolsonaro) e favorita do governador João Doria (PSDB) na disputa pela prefeitura para se tornar uma candidata nanica na eleição municipal.

Embora sua campanha tenha recebido a segunda maior parcela do fundo eleitoral entre os candidatos da capital, atrás apenas do favorito Bruno Covas (PSDB, com 37%), Joice amarga 3% de intenção de voto na última pesquisa Datafolha.

Entre sua eleição para deputada federal, em 2018, e para a Prefeitura de São Paulo, em 2020, Joice foi de um extremo a outro. Foi líder do governo Jair Bolsonaro no Congresso Nacional e rompeu com o presidente; foi alvo de ataques orquestrados e também acusada de propagar fake news; foi cotada para vice de Covas e se candidatou contra o prefeito; e chegou a ser temida por adversários na disputa municipal, mas termina a campanha com alta rejeição (33%, só perde para os 50% de Celso Russomanno).

Joice Hasselmann (PSL) durante campanha para a Prefeitura de São Paulo - Reprodução/Instagram

A deputada minimiza as pesquisas e diz que o eleitor, preocupado com saúde e crise econômica, não se deu conta do pleito neste domingo (15).

“Depois de enfrentar o Palácio do Planalto, uma ala de dentro do meu partido que tentou puxar meu tapete e a guerra para ter uma legenda, eu saio com meu couro de aço. Foi uma campanha que mostrou o que é o PSL de verdade e que vai dar os rumos do PSL”, diz Joice à Folha.

Joice nega um encolhimento político e faz planos. “Meu futuro é de reposicionar a direita no Brasil, a direita que Bolsonaro primeiro juntou em torno do projeto de tirar o PT do poder e depois ele explodiu. Eu não sou de se matar com a unha, então o céu é o limite.”

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Eleita deputada em 2018 prometendo ser uma “Bolsonaro de saias”, ela teve 1.078.666 votos (289 mil na capital paulista). Mal havia assumido o mandato quando começaram as especulações de que sairia candidata em 2020 e seria das mais fortes. Doria, próximo da deputada que articulou o "Bolsodoria", afirmava nos bastidores que via em Joice um nome mais competitivo do que seu afilhado Covas.

Uma das responsáveis por articular a reforma da Previdência, Joice logo foi alvo da máquina de moer do governo. Seu partido rachou entre apoiadores do presidente e outra ala que discordava, por exemplo, de suas ações para proteger o filho Flávio Bolsonaro, hoje denunciado.

Rompida com o bolsonarismo, foi alvo de uma campanha de difamação e gordofobia (comparada à personagem de desenho animado Peppa Pig) e passou a acusar o governo na CPMI das fake news, detalhando o funcionamento do chamada gabinete do ódio —neste ano, foi ela a acusada de propagar notícias falsas contra bolsonaristas.

Enquanto isso, Covas descobriu um câncer que o tornou mais conhecido, e Doria moderou as críticas ao apadrinhado. Em público, o governador negou que apoiaria Joice na prefeitura. Nos bastidores, defendia uma chapa com os dois nomes.

A aproximação chegou a acontecer. A deputada visitou Covas na prefeitura em novembro do ano passado e lhe deu de presente uma pulseira de ouro com a palavra “força” para motivá-lo a enfrentar a doença.

Sua postura no debate da TV Cultura, na última quinta-feira (12), foi bem diferente. Como vem fazendo na campanha, ela atacou o que chamou de abandono da cidade e cantou uma música que havia sido obrigada pela Justiça a retirar de seu programa na TV: “Para de aumentar o IPTU. Ei, prefeito, vai tomar vergonha”.

Pego de surpresa, Covas ficou em choque —o episódio virou meme na internet.

A campanha de Joice começou à meia-noite de 27 de setembro —o primeiro dia permitido pela lei eleitoral— com uma aglomeração de 1.600 pessoas numa casa de eventos na Mooca, contrariando a prevenção ao coronavírus.

De lá para cá, Joice visitou a periferia e exibiu montagens com Peppa Pig, Kill Bill e Penélope Charmosa no horário eleitoral.

Foi das poucas candidatas a se ancorar na Lava Jato. Amiga de Sergio Moro, Joice não explorou a imagem do ex-juiz de forma explícita, o que impede que sua candidatura sirva como um termômetro mais preciso para as pretensões do ex-ministro em 2022.

Com uma equipe de plano de governo coordenada pelo ex-secretário da Receita Federal Marcos Cintra e com o empresário milionário Ivan Leão Sayeg (PSL) como vice, Joice, que é do Paraná, trabalhou para estreitar sua identificação com São Paulo.

Sua boa atuação em debates foi o ponto alto de uma candidatura que também serviu para resgatar sua autoestima e revidar o machismo sofrido. Vinte e quatro quilos mais magra, Joice inaugurou um canal de bem-estar nas redes sociais durante a campanha.

Joice tinha a seu favor o partido com a segunda maior fatia do fundo eleitoral --R$199 milhões. Ela ficou com R$ 5,9 milhões. Mas abandonada pela base bolsonarista e sem conquistar o eleitor de direita não radical, ficou sem votos.

Para o marqueteiro Daniel Braga, a candidata pode perder nas urnas, mas sua comunicação foi vitoriosa “Conseguiu provar que ela é direita raiz e direita racional, com excelentes propostas, e respondeu as dúvidas em relação ao afastamento do Planalto”, afirma.

Para o entorno de Joice, o eleitorado de direita, apesar de desaprovar Bolsonaro (em SP, o índice de rejeição chega a 50%), ainda representa boa parcela da população, mas se desencontrou da candidata neste pleito.

A avaliação é de que os votos da direita lavajatista e não bolsonarista se pulverizaram entre Joice, Arthur do Val (Patriota, que tem 6%) e Covas, favorecido por estar no cargo, pela condução não negacionista da pandemia e pelo maior tempo de TV.

Enquanto isso, Joice sofreu uma série de reveses. Sua pré-campanha foi marcada por tentativas da ala bolsonarista do PSL de derrubar sua candidatura para ceder espaço a algum aliado do presidente.

Presidente do PSL em São Paulo, o deputado federal Júnior Bozzella, contrário ao retorno de Bolsonaro, tem trabalhado para que o partido seja a principal alternativa de direita no estado –lançou quase 300 candidaturas majoritárias e cerca de cinco mil candidatos a vereador.

“Esse reposicionamento do PSL em São Paulo foi decisivo, e Joice cumpriu com maestria essa tarefa. Ela é um quadro importante no cenário político nacional”, completa Bozzella, falando em candidatura a governadora, por exemplo.

“O eleitor de direita, lavajatista, está buscando um encaixe. É um resultado para colher ao longo do tempo.”

A leitura de que a direita está em fase de maturação se parece com a do professor da USP Glauco Peres da Silva, para quem o eleitor desse campo, descoberto em 2018, está em disputa por grandes partidos e figuras em São Paulo –como o PSDB de Doria.

“O voto da direita está aberto, há um vácuo. Fazia sentido ela se lançar, mas não teve fôlego”, diz o cientista político, que vê um futuro mais certo para Joice em cargos legislativos.

A campanha de Russomanno tentou suspender a divulgação da pesquisa deste sábado (14), mas teve seu pedido negado na sexta (13) pelo juiz Marco Antonio Martin Vargas, que autorizou a publicação e determinou a inclusão de informações relacionadas à amostragem.

Os entrevistados pelo Datafolha foram estratificados conforme variáveis de gênero e faixa etária do eleitorado, em tamanho proporcional a esses segmentos e às regiões da cidade. O nível econômico reflete o que os pesquisadores encontraram na amostra. Em relação ao grau de instrução, a amostra contemplou a seguinte divisão: até nível fundamental e médio (67%) e nível superior (33%).