Em menos de dois anos, Joice Hasselmann (PSL) partiu de segunda deputada federal mais votada em SP (só perdeu para Eduardo Bolsonaro) e favorita do governador João Doria (PSDB) na disputa pela prefeitura para se tornar uma candidata nanica na eleição municipal.
Embora sua campanha tenha recebido a segunda maior parcela do fundo eleitoral entre os candidatos da capital, atrás apenas do favorito Bruno Covas (PSDB, com 37%), Joice amarga 3% de intenção de voto na última pesquisa Datafolha.
Entre sua eleição para deputada federal, em 2018, e para a Prefeitura de São Paulo, em 2020, Joice foi de um extremo a outro. Foi líder do governo Jair Bolsonaro no Congresso Nacional e rompeu com o presidente; foi alvo de ataques orquestrados e também acusada de propagar fake news; foi cotada para vice de Covas e se candidatou contra o prefeito; e chegou a ser temida por adversários na disputa municipal, mas termina a campanha com alta rejeição (33%, só perde para os 50% de Celso Russomanno).
A deputada minimiza as pesquisas e diz que o eleitor, preocupado com saúde e crise econômica, não se deu conta do pleito neste domingo (15).
“Depois de enfrentar o Palácio do Planalto, uma ala de dentro do meu partido que tentou puxar meu tapete e a guerra para ter uma legenda, eu saio com meu couro de aço. Foi uma campanha que mostrou o que é o PSL de verdade e que vai dar os rumos do PSL”, diz Joice à Folha.
Joice nega um encolhimento político e faz planos. “Meu futuro é de reposicionar a direita no Brasil, a direita que Bolsonaro primeiro juntou em torno do projeto de tirar o PT do poder e depois ele explodiu. Eu não sou de se matar com a unha, então o céu é o limite.”
Eleita deputada em 2018 prometendo ser uma “Bolsonaro de saias”, ela teve 1.078.666 votos (289 mil na capital paulista). Mal havia assumido o mandato quando começaram as especulações de que sairia candidata em 2020 e seria das mais fortes. Doria, próximo da deputada que articulou o "Bolsodoria", afirmava nos bastidores que via em Joice um nome mais competitivo do que seu afilhado Covas.
Uma das responsáveis por articular a reforma da Previdência, Joice logo foi alvo da máquina de moer do governo. Seu partido rachou entre apoiadores do presidente e outra ala que discordava, por exemplo, de suas ações para proteger o filho Flávio Bolsonaro, hoje denunciado.
Rompida com o bolsonarismo, foi alvo de uma campanha de difamação e gordofobia (comparada à personagem de desenho animado Peppa Pig) e passou a acusar o governo na CPMI das fake news, detalhando o funcionamento do chamada gabinete do ódio —neste ano, foi ela a acusada de propagar notícias falsas contra bolsonaristas.
Enquanto isso, Covas descobriu um câncer que o tornou mais conhecido, e Doria moderou as críticas ao apadrinhado. Em público, o governador negou que apoiaria Joice na prefeitura. Nos bastidores, defendia uma chapa com os dois nomes.
A aproximação chegou a acontecer. A deputada visitou Covas na prefeitura em novembro do ano passado e lhe deu de presente uma pulseira de ouro com a palavra “força” para motivá-lo a enfrentar a doença.
Sua postura no debate da TV Cultura, na última quinta-feira (12), foi bem diferente. Como vem fazendo na campanha, ela atacou o que chamou de abandono da cidade e cantou uma música que havia sido obrigada pela Justiça a retirar de seu programa na TV: “Para de aumentar o IPTU. Ei, prefeito, vai tomar vergonha”.
Pego de surpresa, Covas ficou em choque —o episódio virou meme na internet.
A campanha de Joice começou à meia-noite de 27 de setembro —o primeiro dia permitido pela lei eleitoral— com uma aglomeração de 1.600 pessoas numa casa de eventos na Mooca, contrariando a prevenção ao coronavírus.
De lá para cá, Joice visitou a periferia e exibiu montagens com Peppa Pig, Kill Bill e Penélope Charmosa no horário eleitoral.
Foi das poucas candidatas a se ancorar na Lava Jato. Amiga de Sergio Moro, Joice não explorou a imagem do ex-juiz de forma explícita, o que impede que sua candidatura sirva como um termômetro mais preciso para as pretensões do ex-ministro em 2022.
Com uma equipe de plano de governo coordenada pelo ex-secretário da Receita Federal Marcos Cintra e com o empresário milionário Ivan Leão Sayeg (PSL) como vice, Joice, que é do Paraná, trabalhou para estreitar sua identificação com São Paulo.
Sua boa atuação em debates foi o ponto alto de uma candidatura que também serviu para resgatar sua autoestima e revidar o machismo sofrido. Vinte e quatro quilos mais magra, Joice inaugurou um canal de bem-estar nas redes sociais durante a campanha.
Joice tinha a seu favor o partido com a segunda maior fatia do fundo eleitoral --R$199 milhões. Ela ficou com R$ 5,9 milhões. Mas abandonada pela base bolsonarista e sem conquistar o eleitor de direita não radical, ficou sem votos.
Para o marqueteiro Daniel Braga, a candidata pode perder nas urnas, mas sua comunicação foi vitoriosa “Conseguiu provar que ela é direita raiz e direita racional, com excelentes propostas, e respondeu as dúvidas em relação ao afastamento do Planalto”, afirma.
Para o entorno de Joice, o eleitorado de direita, apesar de desaprovar Bolsonaro (em SP, o índice de rejeição chega a 50%), ainda representa boa parcela da população, mas se desencontrou da candidata neste pleito.
A avaliação é de que os votos da direita lavajatista e não bolsonarista se pulverizaram entre Joice, Arthur do Val (Patriota, que tem 6%) e Covas, favorecido por estar no cargo, pela condução não negacionista da pandemia e pelo maior tempo de TV.
Enquanto isso, Joice sofreu uma série de reveses. Sua pré-campanha foi marcada por tentativas da ala bolsonarista do PSL de derrubar sua candidatura para ceder espaço a algum aliado do presidente.
Presidente do PSL em São Paulo, o deputado federal Júnior Bozzella, contrário ao retorno de Bolsonaro, tem trabalhado para que o partido seja a principal alternativa de direita no estado –lançou quase 300 candidaturas majoritárias e cerca de cinco mil candidatos a vereador.
“Esse reposicionamento do PSL em São Paulo foi decisivo, e Joice cumpriu com maestria essa tarefa. Ela é um quadro importante no cenário político nacional”, completa Bozzella, falando em candidatura a governadora, por exemplo.
“O eleitor de direita, lavajatista, está buscando um encaixe. É um resultado para colher ao longo do tempo.”
A leitura de que a direita está em fase de maturação se parece com a do professor da USP Glauco Peres da Silva, para quem o eleitor desse campo, descoberto em 2018, está em disputa por grandes partidos e figuras em São Paulo –como o PSDB de Doria.
“O voto da direita está aberto, há um vácuo. Fazia sentido ela se lançar, mas não teve fôlego”, diz o cientista político, que vê um futuro mais certo para Joice em cargos legislativos.
A campanha de Russomanno tentou suspender a divulgação da pesquisa deste sábado (14), mas teve seu pedido negado na sexta (13) pelo juiz Marco Antonio Martin Vargas, que autorizou a publicação e determinou a inclusão de informações relacionadas à amostragem.
Os entrevistados pelo Datafolha foram estratificados conforme variáveis de gênero e faixa etária do eleitorado, em tamanho proporcional a esses segmentos e às regiões da cidade. O nível econômico reflete o que os pesquisadores encontraram na amostra. Em relação ao grau de instrução, a amostra contemplou a seguinte divisão: até nível fundamental e médio (67%) e nível superior (33%).
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