quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Metade entre empreendedores brasileiros, mulheres ainda são minoria em startups, FSP

 Luiza Pastor

SÃO PAULO

Mulheres estão à frente hoje de 50% de novos empreendimentos no país, segundo o Sebrae. No entanto, ainda estão restritas a segmentos tradicionais, de pouca inovação e baixo potencial de retorno financeiro. Elas também captam menos recursos para impulsionar seus negócios.

O problema dessas cifras começa pelo motivo que as leva a empreender, explica Renata Malheiros, coordenadora de Empreendedorismo Feminino do Sebrae. Segundo ela, enquanto a maior parte dos homens começa um negócio para explorar a oportunidade de pôr em prática uma boa ideia, mulheres o fazem muitas vezes por necessidade.

Não à toa, segmentos campeões do investimento feminino fazem parte do cotidiano tradicional do gênero: beleza, moda e alimentos e bebidas.

Renata Malheiros, coordenadora de Empreendedorismo Feminino do Sebrae
Renata Malheiros, coordenadora de Empreendedorismo Feminino do Sebrae - Divulgação

“Não há nada de errado nisso, mas se você olhar de perto, verá que os investimentos delas têm baixo valor agregado e pouca inovação”, explica a coordenadora. “Se a mulher abre uma empresa para vender um cosmético de última geração, provavelmente o cientista que desenvolveu esse cosmético é um homem, então é ele que vai ficar com o maior valor.”

A diferença entre tipo de setor e motivação para investir se reflete em uma baixa presença de mulheres trabalhando ou liderando startups. De acordo com dados da base estatística da ABStartups, a participação delas é de apenas 16% em média nessas empresas. Além disso, quatro de cada 10 startups não têm nenhuma mulher em seus quadros.

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“O ecossistema das startups no país é predominantemente composto por homens brancos de classe média, eles são 85% do total”, reconhece Amure Pinho, presidente da ABStartups.

Ele conta que a entidade tem procurado mudar essa realidade, buscando assegurar presença feminina nas suas iniciativas, “mas muitas vezes percebemos, só depois que o evento começa, que estamos participando de um encontro em que nenhum dos palestrantes ou especialistas é mulher”. A Abstartup mantém um Comitê de Diversidade para estudar meios de incentivar uma maior participação feminina.

Restrições culturais são causas relevantes para que, no Brasil, segundo o Sebrae, startups fundadas por mulheres tenham recebido apenas 2,2% dos recursos de venture capital globais nos últimos dois anos, mesmo tendo entregado o dobro de retorno a seus investidores.

“Mulheres crescem ouvindo que engenharia e matemática não são para meninas, que nós não nos damos com números, que não somos tão assertivas quanto os homens, enfim, temos uma série de crenças limitantes que atrapalham o trabalho”, diz Malheiros, do Sebrae.

Na tentativa de reverter esse quadro, ela também coordena o programa WE (Women Entrepeneurship), primeiro fundo da América Latina 100% dedicado a mulheres em tecnologia. A premissa é investir em startups nas quais elas detenham pelo menos 20% do capital social.

O WE nasceu de uma parceria com a Microsoft e soma R$ 50 milhões, cujos principais aportadores são a Belvedere Investimentos e a Berta Capital. O programa teve 900 inscrições em sua primeira edição, no ano passado, e tem 18 startups aceleradas nas mais diversas atividades.

A diferença entre homens e mulheres não é exclusividade do Brasil e já foi tema de estudos acadêmicos de algumas das principais instituições de ensino do mundo.

Um relatório publicado pela Harvard Business Review, em 2017, aponta que a principal dificuldade para que mulheres consigam financiamento começa nas perguntas feitas a elas pelos investidores.

“Esse estudo feito em Harvard mostra que há uma percepção de que mulheres são mais avessas ao risco, são mais conservadoras”, explica Mônica Saggioro, sócia de Lara Lemann na Maya Capital, fundo de venture capital que tem em seu portfólio 40% de startups fundadas ou cofundadas por mulheres e conta com US$ 41 milhões em caixa para investimentos em seed, ou seja, iniciais.

Mônica Saggioro e Lara Lemann, sócias da Maya Capital
Mônica Saggioro e Lara Lemann, sócias da Maya Capital, fundo de venture capital que busca apoiar empreendedoras - Divulgação

“Aos homens, era perguntado como pensavam crescer, qual era seu sonho, onde queriam chegar, como esperavam dominar o mundo, enfim, coisas que os faziam falar de temas muito mais encorajadores, enquanto para as mulheres eles perguntavam como poderiam se proteger da concorrência, como buscariam uma margem saudável, tudo mais voltado para o risco”, acrescenta Saggioro.

“As mulheres, naturalmente, acabavam dando respostas muito mais conservadoras do que os homens.”

Monitorar as entrevistas de modo a evitar que esse estereótipo se repita é uma das missões da Maya, que nasceu justamente de suas conversas com Lemann sobre a estranheza de ser a única mulher nas reuniões e equipes das grandes empresas em que trabalhou.

“Percebemos que havia um fosso muito grande de investimentos para startups em estágio inicial de negócios na América Latina, um volume grande de talentos crescendo em empreendedorismo mas sem que o total de fundos crescesse na mesma velocidade", conta.

O objetivo da MAYA é liderar as primeiras rodadas de venture capital de startups early stage na América Latina. Depois disso, o fundo acompanha os empreendedores de perto para ajudá-los em rodadas posteriores de captação. “Metade de nosso fundo se destina a investir em rodadas subsequentes, pois assim conseguimos fôlego para acompanhar a trajetória daquela empresa.”

Com a fundação da venture capital nasceu paralelamente uma iniciativa chamada Female Force Latam, não por coincidência no Dia da Mulher, em março de 2019.

Trata-se de uma plataforma de mentoria para mulheres, que está sendo reestruturada com o apoio de voluntárias especialistas para ir além. “Hoje é isso, mas vamos ser muito mais”, garante Lemann.

Fernando Schüler - É possível melhorar a qualidade do debate público e da democracia?, FSP

 “Os cidadãos são racionais em sua visão das instituições políticas, atualizando sua avaliação em resposta ao que observam”, diz relatório recém-lançado da Universidade de Cambridge sobre a percepção da democracia.

A confiança nas instituições declina porque os governos falharam em coisas como “a coordenação econômica na zona do euro” e na resposta mais efetiva à “mudança climática global”.

Fiquei em dúvida se os autores listavam alguns itens de suas próprias predileções políticas ou de fato imaginam que sejam estas as preocupações das pessoas e causa de sua crescente insatisfação com a política. Mas este não é o ponto. O ponto é que suas conclusões expressam bem o que os professores Christopher Achen e Larry Bartels chamam de teoria “folk” da democracia.

Achen e Bartels discutem o tema em seu livro “Democracia para Realistas”. Seu alvo são as visões ingênuas que teimam em tratar a democracia como expressão dos “interesses” dos eleitores que talvez tenha florescido à sombra da famosa frase de Lincoln em Gettysburg.​

A partir daí sua crítica é devastadora. Eleitores, em primeiro lugar, detém muito pouca informação relevante sobre temas políticos. Isso acontece por que o custo da informação é alto. Muita gente imaginou que a internet resolveria isso, com informação barata e abundante, mas tudo parece ter piorado pela raiva, pelo excesso, pelo tribalismo e essas coisas que todos sabemos.

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O livro traz exemplos saborosos sobre como os eleitores de fato agem nas democracias. Um deles mostra como pequenas alterações nas palavras, ou na maneira como uma pergunta é feita, podem produzir uma enorme mudança na opinião das pessoas.

Exemplos: uma pesquisa mostrou que perto de metade dos americanos achavam OK “não permitir” que um comunista pudesse discursar por aí, mas apenas 1/4 concordava em “proibir” ele de falar. Outra mostrou 2/3 dos eleitores, às vésperas da Guerra do Golfo, favoráveis ao uso da “força militar”, mas apenas 30% a favor de “ir à guerra”.

Traço comum é o que Keith Stanovich chama de “myside bias”. Ao invés de ajustar opiniões diante da realidade, ajusta-se a realidade a opiniões. E regra do grupo ou “lado” político. É o feijão com arroz de nossas democracias.

Exemplo disso tivemos no debate sobre a suposta privatização do SUS, na última semana. Bastava um clique na internet para saber que já há milhares de unidades de saúde gerenciadas pelo setor privado. Inclusive PPPs, desde o primeiro e bem sucedido contrato feito pelo ex-governador Jaques Wagner na Bahia.

Mesmo com informação e uma penca de bons estudos acadêmicos disponíveis, as pessoas prosseguiam “ajustando” sua narrativa. Promover estudos sobre as parcerias seria “inconstitucional” (!); tem a “pandemia” (!); tem coisa “por trás” (!) O que mesmo os estudos indicam? Isso pode melhorar a qualidade do atendimento? Sei lá, mas a gritaria está grande, na internet.

É um tipo de negacionismo democrático, hoje banal e possivelmente sem cura. Ainda que todos pudessem ganhar com um debate público qualificado, não há incentivos para que cada um aja de acordo, isto é, pense com algum distanciamento e julgue programas públicos com responsabilidade.

O professor James Fishkin, da Universidade Stanford, desenvolveu um modelo de democracia deliberativa para lidar com isso. Ele faz uma amostra da população e expõe as pessoas a um ambiente reflexivo, com argumentos a favor e contra, e incentivos para que todos ajam de modo sereno e responsável.

Há alguns anos assisti a um de seus experimentos. De metade a 2/3 das pessoas tendem a mudar sua visão ao longo do processo. Sua mudança (esta é a tese) reflete o que aconteceria com a grande sociedade, caso algo similar fosse possível. Obviamente não é.

O que nos leva a uma indagação perturbadora: nossas melhores esperanças democráticas funcionariam apenas em condições de laboratório? De certo modo, é a resposta de Fishkin. De minha parte, não tenho resposta. Sei apenas que daqui de fora, da selva, deveríamos pensar a respeito.

Fernando Schüler

Professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.

Profissionais dão guinada na carreira para trabalhar com tecnologia, OESP

  

Antes da internet, era impossível pensar na importância de um analista de mídias sociais ou de um redator especializado na experiência do usuário durante a navegação de um site. Hoje, essas e outras frentes digitais vêm absorvendo uma mão de obra que não é graduada especificamente na área, mas que se adaptou para ocupar postos de trabalho criados pela internet.

A guinada na carreira – ou “pivotagem”, como é chamada no jargão corporativo – pode até ser considerada uma estratégia de sobrevivência, já que, para especialistas, quem não se adaptar vai acabar sendo preterido no mercado de trabalho.

Por isso, vai ser cada vez mais comum encontrar gente como Egnalda Côrtes, que largou a carreira em vendas para assessorar criadores de conteúdo negros. Ou como Daniel Laurentino, que mal pegou o diploma em Design e foi programar aplicativos. Ou também Camila Gaidarji, que durante o antigo emprego percebeu um nicho de mercado se abrindo e foi estudar por conta própria sobre UX (user experience) para participar da novidade. Tem também Jéssica Souza, que descobriu a área de tecnologia durante a faculdade de Engenharia Elétrica e Eletrônica e hoje atua como cientista de dados.

Egnalda Côrtes
Egnalda Côrtes largou a carreira em vendas para assessorar criadores de conteúdo negros Foto: Felipe Rau/ Estadão

Para entender a dinâmica da criação de carreiras no mundo digital, é necessário voltar à década de 1980. Foi durante a “década perdida” que aumentou a demanda por profissionais da área de computação, explica Tania Casado, professora titular da Universidade de São Paulo (USP) e diretora do Escritório de Carreiras (ECar). A principal tarefa deles, conta, era automatizar funções para auxiliar empresas a reduzir o quadro de funcionários.

As tecnologias foram ficando sofisticadas e fizeram muitas carreiras desaparecerem nos últimos 30 anos. Por outro lado, inúmeras frentes de trabalho em diferentes áreas foram criadas graças às inovações. 

“Não é só o profissional que desenvolve o aplicativo que tem emprego, o que faz uso também tem”, fala Tania. A pandemia pode ter acelerado a necessidade de estar nas redes sociais e oferecer serviços online, um movimento que parece não ter volta.

Segundo o ranking dos dez profissionais mais procurados pelas empresas, feito pelo LinkedIn entre junho e julho, nove estão diretamente ligados à área de tecnologia. No começo do ano, a rede social profissional também havia divulgado uma lista com as 15 profissões emergentes no Brasil, das quais nove estavam diretamente relacionadas à tecnologia da informação (TI)

Uma das principais áreas beneficiadas por essa tendência é a de desenvolvimento de novas tecnologias. Além da criação de softwares, a expansão do mercado exige profissionais que lidem com cibersegurança, infraestrutura e análise de dados.

Entre 2007 e 2019, a quantidade de empregos em TI no País saltou de 241 mil para 472 mil. Os dados são de um estudo feito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) com a Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação do Paraná (Assespro-PR). 

Adriano Krzyuy, presidente do Assespro-PR, afirma que a TI segue crescendo porque é um vetor de desenvolvimento para os demais setores. “Você aplica a TI na medicina com a telemedicina, no varejo com o delivery, na diretrização na indústria com a Indústria 4.0”, cita.

Nessa transformação digital, o conceito de interdisciplinaridade fica mais forte. A Ciência de Dados, exemplifica Krzyuy, demanda um conhecimento em estatística profundo. “Engenheiros, por exemplo, têm um domínio fortíssimo em matemática, física e estatística. Eles teriam uma pré-disposição para migrar”, explica.

Geração redes sociais

No ano passado, os brasileiros gastaram uma média de 3h40 por dia no smartphone, segundo uma pesquisa da consultoria App Annie. O mesmo estudo revela que o tempo gasto em aplicativos de compras cresceu 30% entre 2018 e 2019 no País. Com tanta gente online, criar uma carreira na internet ou usá-la para vender mais pode ser uma solução acertada.

Tania, da USP, ressalta que o consumidor não quer mais perder tempo no trânsito para ter acesso a algum serviço. Por isso, oferecer soluções online pode abrir novas oportunidades de negócio. Para construir uma boa rede de trabalho e se apropriar do espaço oportunizado pela mídias sociais, ela diz que o profissional precisa ter agilidade, ser capaz de executar várias tarefas simultaneamente e se articular bem. “Na internet, você está mais aberto a novas conexões que exigem respostas rápidas.” 

Além disso, a habilidade de interpretar as emoções e as mensagens na internet fica ainda mais importante, segundo o diretor de marketing Vinícius Taddone, pois, por mais que os chatbots tenham vindo para otimizar os serviços, ninguém gosta de ser atendido por um robô. 

“É preciso ter a habilidade de fazer a leitura dos comentários nas redes sociais. Quando uma pessoa comenta com um emoji de palminha, será que ela está batendo palmas porque gostou ou está sendo sarcástica?” E essa interpretação os robôs ainda não fazem. 

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