quinta-feira, 18 de junho de 2020

Fabrício Queiroz é preso em SP na casa de advogado de Bolsonaro e de seu filho Flávio, FSP

policial militar aposentado Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro e amigo do presidente Jair Bolsonaro, foi preso na manhã desta quinta-feira (18) em Atibaia, no interior de São Paulo. O mandado de prisão foi expedido pela Justiça do Rio de Janeiro —ele não era considerado foragido.

Queiroz estava em um imóvel do advogado Frederick Wassef, responsável pelas defesas de Flávio e do presidente Bolsonaro. Wassef é figura constante no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência, e em eventos no Palácio do Planalto.

A Operação Anjo é coordenada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, que indicou o paradeiro de Queiroz aos policiais de São Paulo. O ex-assessor de Flávio foi transferido para o Rio de Janeiro na manhã desta quinta-feira.

Ainda não houve denúncia, e a suspeita é de interferência de Queiroz nas investigações, por isso a prisão preventiva. A mulher de Queiroz, Márcia Aguiar, que foi assessora do hoje senador, também teve a prisão decretada —ela não foi encontrada em seu endereço e é considerada foragida.

Queiroz é investigado por participação em suposto esquema de "rachadinha" na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro. "Rachadinha" é quando funcionários são coagidos a devolver parte de seus salários. O filho de Bolsonaro foi deputado estadual de fevereiro de 2003 a janeiro de 2019.

Fabrício Queiroz, de boné, é levado por policiais civis de SP após ter sido preso em Atibaia (SP)
Fabrício Queiroz, de boné, é levado por policiais civis de SP após ter sido preso em Atibaia (SP) - Nelson Almeida/AFP

A operação que prendeu Queiroz em SP foi comandada pelo delegado Nico Gonçalves, chefe do Dope (Departamento de Operações Policiais Estratégicas) da Polícia Civil. Segundo ele disse à GloboNews, Queiroz estaria na casa do advogado há cerca de um ano.

O Dope foi criado pelo governador João Doria (PSDB-SP) em agosto do ano passado para coordenar ações em casos sensíveis, como extorsão mediante sequestro, agrupando policiais de diversas delegacias especializadas. Ela é vista dentro da polícia como a menina dos olhos do governador na área investigativa no estado.

Policiais civis e promotores também fazem busca e apreensão em outros endereços de investigações no Rio de Janeiro. Um deles é uma casa em Bento Ribeiro de propriedade do presidente da República.

Contra outros suspeitos de participação no esquema da "rachadinha", o MP-RJ obteve na Justiça a decretação de medidas cautelares que incluem busca e apreensão, afastamento da função pública, o comparecimento mensal em juízo e a proibição de contato com testemunhas.

São eles o servidor da Asssembleia Matheus Azeredo Coutinho, os ex-funcionários Luiza Paes Souza e Alessandra Esteves Martins e o advogado Luis Gustavo Botto Maia. Alessandra é atualmente assessora de Flávio no Senado.

Flávio é investigado desde janeiro de 2018 sob a suspeita de recolher parte do salário de seus subordinados na Assembleia do Rio de 2007 a 2018. Os crimes em apuração são peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa.

A apuração relacionada ao senador começou após relatório do antigo Coaf, hoje ligado ao Banco Central, indicar movimentação financeira atípica de Fabrício Queiroz, seu ex-assessor e amigo do presidente Jair Bolsonaro.

Além do volume movimentado, de R$ 1,2 milhão em um ano, chamou a atenção a forma com que as operações se davam: depósitos e saques em dinheiro vivo em datas próximas do pagamento de servidores da Assembleia.

Queiroz afirmou que recebia parte dos valores dos salários dos colegas de gabinete. Ele diz que usava esse dinheiro para remunerar assessores informais de Flávio, sem conhecimento do então deputado estadual. A sua defesa, contudo, nunca apontou os beneficiários finais dos valores.

O advogado Frederick Wassef, ligado à família Bolsonaro
O advogado Frederick Wassef, ligado à família Bolsonaro - Bruno Santos - 23.jul.2019/Folhapress

Em abril do ano passado, a Justiça autorizou as quebras de sigilo bancário de Flávio, sua mulher, Queiroz e outras 101 pessoas físicas e jurídicas. Os alvos eram ex-funcionários e pessoas que compraram ou venderam imóveis para o senador nos últimos anos.

Em dezembro, o magistrado autorizou o cumprimento de mandados de busca e apreensão em 24 locais, incluindo a franquia da Kopenhagen em que o senador é um dos sócios.

A Promotoria suspeita que a empresa era usada para lavar dinheiro obtido na “rachadinha”. Outro meio de lavagem, avaliam promotores, é a compra de venda de imóveis. De acordo com o MP-RJ, Flávio lavou R$ 2,3 milhões cuja origem é a "rachadinha" operada por Queiroz.

O senador nega desde o fim de 2018 que tenha praticado "rachadinha" em seu gabinete. Afirma que não é responsável pela movimentação financeira de seu ex-assessor.

QUESTÕES AINDA SEM RESPOSTA NO CASO QUEIROZ

  • Quem eram os assessores informais que Queiroz afirma ter remunerado com o salário de outros funcionários do gabinete de Flávio?

  • Por que o único assessor que prestou depoimento ao Ministério Público do Rio de Janeiro não confirmou a versão de Queiroz?

  • Como Flávio desconhecia as atividades de um dos seus principais assessores por dez anos?

  • Por qual motivo Jair Bolsonaro emprestou dinheiro a alguém que costumava movimentar centenas de milhares de reais?

  • De que forma foi feito esse empréstimo pelo presidente e onde está o comprovante da transação?

  • Onde estão os comprovantes da venda e compra de carros alegadas por Queiroz?

  • Por que há divergência entre as datas do sinal descrita na escritura de permuta de imóveis com o atleta Fábio Guerra e as de depósito em espécie fracionado na conta de Flávio?

INCONSISTÊNCIAS NO PEDIDO DO MP-RJ

Pessoas não nomeadas por Flávio Bolsonaro - Há três casos de pessoas sem vínculo político com Flávio que foram alvo de quebra de sigilo. Elas estavam nomeadas no gabinete da liderança do PSL na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro quando o senador assumiu o cargo e, em seguida, as demitiu

Remuneração de Queiroz - Ao comparar gastos com vencimentos de Fabrício Queiroz, o Ministério Público considera apenas salário da Assembleia e ignora remuneração que ele recebe da Polícia Militar

Saques - Há erro na indicação do volume de saques feitos por Queiroz em dois dos três períodos apontados

Laranja potencial - Promotoria atribui ao gabinete de Flávio servidora da TV Alerj que acumulava cargo com outro emprego externo

Patrimônio - Ao falar sobre um negócio que envolve 12 salas comerciais, os promotores do Ministério Público do Rio escreveram que Flávio adquiriu os imóveis por mais de R$ 2,6 milhões, quando, na verdade, ele deteve apenas os direitos sobre os imóveis, que ainda não estavam quitados e continuaram sendo pagos em prestações por outra empresa que assumiu a dívida

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Esper Kallás O estigma dos morcegos, FSP

Entender esses animais é fundamental para compreender epidemias

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Considerados sagrados por povos da África Ocidental, os morcegos são frequentemente envoltos em crenças místicas de natureza sombria. São também reservatórios de diversos micróbios, alguns dos quais potencialmente danosos ao homem. Recentemente, tornaram-se alvo de maior preocupação, quando um vírus migrou deles para a espécie humana, num salto que resultou na atual pandemias.

Esse fenômeno não é o primeiro da história. Suspeita-se que várias viroses surgiram a partir de morcegos, pois o material genético de mais de 400 mil diferentes tipos de vírus foi identificado em morcegos.

Pesquisadores buscam morcegos no campo para estudar vírus nesses hospedeiros em floresta próximo à Araçatuba, interior de São Paulo.
Pesquisadores buscam morcegos no campo para estudar vírus nesses hospedeiros em floresta próximo à Araçatuba, interior de São Paulo. - Cristiano de Carvalho/Divulgação

A raiva é exemplo clássico. Uma das doenças infecciosas mais mortais, pode ser transmitida por vários mamíferos silvestres, inclusive morcegos.

O vírus Hendra, nomeado a partir da cidade australiana em que os primeiros casos foram descritos, pode causar doença em equinos e mortes em humanos que têm contato direto com os cavalos doentes.

Após um surto em porcos em 1998, na Malásia, mais de uma centena de pessoas morreu por infecção cerebral, dentre quase 300 casos de doença causada pelo vírus Nipah. Esse mesmo vírus causou vários outros surtos na Ásia e Oceania.

A febre Marburg pode causar doença hemorrágica e morte. Muito perigoso, o vírus foi isolado na Alemanha, na década de 60, e continua causando surtos da doença, principalmente na África. Chegou, inclusive, a ser explorado como arma biológica durante a guerra fria entre EUA e União Soviética.

O Ebola, por sua vez, ganhou notoriedade em 2014, quando causou epidemia no leste da África, com pelo menos 28 mil casos e mais de 11 mil mortes. Desde sua identificação em 1976, já causou mais de 30 surtos, incluindo o atual, na República Democrática do Congo.

Ao menos três doenças causadas por coronavírus, recentemente transmitidas para humanos, têm sua origem em vírus ancestrais e que habitam morcegos. A Sars, que ocorreu na Ásia em 2002, infectou cerca de 10 mil pessoas e causou mil mortes. A Mers, no Oriente Médio, causou cerca de 2.500 casos, com 35% de mortes, desde 2012. Identificado em 2019, o novo coronavírus é o responsável pela pandemia de Covid-19.

Inúmeros outros vírus são encontrados em morcegos, que os mantêm em equilíbrio graças a um sistema de defesa que desperta curiosidade de imunologistas do mundo todo. Elucidar como são capazes de comportar tamanha quantidade de germes pode nos fazer entender melhor como é possível ampliar a nossa própria imunidade, aprimorando nosso arsenal de proteção contra novas ameaças biológicas.

Tronco de árvore oco com morcegos da espécie Desmodus rotundus.
Tronco de árvore oco com morcegos da espécie Desmodus rotundus, próximo de Araçatuba, interior de São Paulo. - Cristiano de Carvalho/Divulgação

Caso ocorra ao leitor que o extermínio dos morcegos seja uma medida razoável para o controle dessas infecções, saiba que o impacto seria devastador, com consequências graves para todo o ecossistema.

Apesar do estigma, somente três espécies de morcego se alimentam de sangue, encontradas na América do Sul e em parte da América Central. Desempenham funções essenciais à manutenção do meio ambiente. São grandes responsáveis por controlar populações de insetos e participam ativamente na dispersão das sementes e na polinização de plantas.

Morcegos são muito mais do que seres ameaçadores. São animais fascinantes pela sua natureza única e sua capacidade de adaptação. Com mais de 1.300 espécies, representam quase 22% de toda a diversidade de mamíferos que habitam a Terra, ausentes somente na Antártida. São longevos, característica que motivou inúmeros estudos sobre envelhecimento e prevenção de câncer.

Estudá-los é a melhor forma de preservar a natureza e nos proteger de futuras pandemias.

Esper Kallás

Médico infectologista, é professor titular do departamento de moléstias infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador na mesma universidade.