quarta-feira, 10 de junho de 2020

Jorge Abrahão O que pensam os paulistanos sobre a pandemia, FSP

Há deterioração do apoio aos políticos e a consciência da importância de reduzir as desigualdades

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No momento em que a tragédia provocada pelo novo coronavírus dá sinais de arrefecimento na Europa e nos Estados Unidos e o foco se desloca para a América Latina, o Brasil assume, desnecessariamente, o triste posto de centro da pandemia global. Nesse contexto, entender o que pensa a população de São Paulo, a cidade mais rica da América Latina, foi o objetivo da pesquisa lançada ontem pela Rede Nossa São Paulo e o Ibope, o que pode contribuir para ações de curto prazo e o aprimoramento e construção de políticas públicas.

Na medida em que a crise se agrava observa-se a deterioração do apoio aos políticos (especialmente ao presidente e ministros), a consciência da importância de reduzir as desigualdades, a preocupação com o desemprego e a falta que as pessoas sentem do afeto de familiares e amigos, e de frequentar parques e praças. Estes são alguns dos achados da pesquisa:

POLÍTICOS SERÃO RESPONSABILIZADOS PELO AGRAVAMENTO DA CRISE E NÚMERO MORTES

O agravamento da pandemia provoca o aumento na insatisfação da população com os políticos. Todos os políticos —do Executivo e do Legislativo— perderam apoio da população no último mês.

PRESIDENTE PERDE APOIO E ESMAGADORA MAIORIA NÃO CONCORDA COM SUA ATUAÇÃO NA PANDEMIA

Aproximadamente sete em cada dez paulistanos acham inadequadas as medidas tomadas na crise pelo presidente Jair Bolsonaro.

AUMENTA A DESAPROVAÇÃO AO MINISTRO DA ECONOMIA

Com o agravamento da crise econômica, cai de 45% para 36% os que consideram adequadas as medidas adotadas por Paulo Guedes.

EM UM MÊS, DOBRA A INSATISFAÇÃO COM O MINISTRO DA SAÚDE

As constantes mudanças de ministro da Saúde fizeram com que a insatisfação com a atuação da pasta dobrasse. Há 30 dias era o ministério com menor insatisfação. Além disso, 78% pensam que a troca de ministros da saúde prejudica o combate à Covid-19.

GOVERNADOR JOÃO DORIA E PREFEITO BRUNO COVAS PERDEM 25% DE APOIO EM UM MÊS

O aumento da crise e aumento do número de mortes na capital fez com que o apoio a ambos passasse de 68% para 51%.

A SAÚDE DOS FAMILIARES É A PRINCIPAL PREOCUPAÇÃO DAS PESSOAS

Entre os entrevistados, 51% relatam que a saúde dos familiares é sua maior preocupação. Em seguida, o medo é do desemprego, com 16%, que, somado aos 9% que apontam o receio de diminuir a renda, colocam a insegurança com a sobrevivência como a segunda grande preocupação.

AUMENTO DA DESIGUALDADE SOCIAL É A TERCEIRA MAIOR PREOCUPAÇÃO

A desigualdade social ficou ainda mais evidente na pandemia que atinge com maior gravidade a população mais vulnerável. Como preocupação, só perde para os temas de saúde e economia, respectivamente.

MAIORIA DAS PESSOAS (78%) DIZ ESTAR EVITANDO SAIR DE CASA

Logo a seguir, 47% dos entrevistados dizem que estão rezando como forma de contribuir para reduzir os impactos. Ao mesmo tempo, 24% dizem que já está na hora de relaxar o isolamento social pois o pior da pandemia já passou.

VALORIZAÇÃO DOS PRODUTOS LOCAIS E DOS PEQUENOS PRODUTORES

Quase um terço da população, 31%, diz estar adquirindo produtos de pequenos produtores ou locais.

GARANTIR EMPREGO É A MELHOR MANEIRA DE AUMENTAR ISOLAMENTO

A medida é vinculada por quase a metade da população (46%) ao aumento do isolamento.

OFERECER INTERNET É CAMINHO PARA AS PESSOAS NÃO SAÍREM DE CASA

Um quarto da população (26%) relaciona melhor estrutura de acesso à internet em casa à viabilização do isolamento social.

PAULISTANOS SENTEM FALTA DAS RELAÇÕES COM AS PESSOAS

Contato físico com pessoas próximas (44%) e encontrar pessoas sem restrições (43%) são os aspectos que os entrevistados disseram sentir mais falta durante a quarentena.

AUMENTA A VONTADE DE USAR ESPAÇOS PÚBLICOS

Passou de 21% para 28% a vontade de frequentar praças e parques, com ressalva para o desejo de circular pelas ruas da cidade (23%).

VIZINHANÇA BARULHENTA É O QUE MAIS ATRAPALHA AS PESSOAS

As principais dificuldades que os entrevistados têm enfrentado na rotina de casa são a vizinhança barulhenta (26%), seguida de solidão (20%) e conciliar trabalho com atividades domésticas (19%).

PARTE DAS PESSOAS SE ADAPTAM À ROTINA DE CASA

Entre os entrevistados, 25% dizem que não encontram dificuldades por estar em casa na pandemia.

METADE DAS PESSOAS TIVERAM ATENDIMENTO MÉDICO ADIADO

Entre os entrevistados, 49% tiveram o atendimento adiado, cancelado ou recusado durante a pandemia.

PREOCUPAÇÕES: CONVIVÊNCIA COM FAMILIARES E TRATAMENTO MÉDICO

Não conviver com familiares e amigos e não conseguir cuidados médicos aparecem com 44% e 41%, respectivamente, seguidos de perder emprego (34%) e não conseguir emprego (28%).

40% DISPENSOU E PAGA SALÁRIO MENOR PARA EMPREGADA(O) DOMÉSTICA(O)

Já alguns dispensaram e estão pagando o mesmo valor (32%) e 18% dispensaram e não estão pagando. Há um grupo que, mesmo na pandemia, não dispensou (11%).

ESCOLAS, EMPRÉSTIMOS E IMÓVEL

Quase uma em cada cinco pessoas deixou de pagar escola particular, empréstimos e financiamento de imóvel. E quase a metade das pessoas deixou de pagar (24%) ou cancelaram academias ou aulas de atividade física.

POUPAR DINHEIRO É HÁBITO ADQUIRIDO

Poupar mais é o hábito adquirido por mais da metade das pessoas (51%) na pandemia, seguido de hábitos de higienização de produtos adquiridos (47%).

VALORIZAR O COMÉRCIO E PRESTADORES DE SERVIÇOS LOCAIS

É a principal mudança causada pela pandemia em relação ao bairro. Logo a seguir surge a maior atenção aos serviços públicos (30%) disponíveis ou que faltam no bairro. E 15% disseram que ficaram mais interessados em participar das decisões políticas sobre seu bairro.

ANDAR A PÉ E DE BICICLETA

São os meios que que as pessoas pretendem usar mais para se deslocar. Com 38% e 20%, respectivamente, são os que ganharão mais adeptos com a pandemia. Além disso, 70% acham que, após a pandemia, a cidade deve investir mais em sistema de transporte que priorize os deslocamentos de bicicleta e a pé.

DESIGUALDADES

Entre os entrevistados, 87% dizem que a pandemia deixou claro que a cidade precisa investir na redução das desigualdades.

UTIS PARTICULARES

Dos entrevistados, 83% dizem que os leitos de UTI particulares deveriam ser disponibilizados para a população em geral.

POLÍTICA

Entre os que participaram da pesquisa, 81% acham que a polarização política está prejudicando o combate à pandemia.


Lamentavelmente, ainda não chegamos ao pico da pandemia em São Paulo e no Brasil e, mesmo assim, boa parte das cidades insistem em sair do isolamento antes do momento adequado. Assim, não é difícil prever que dias piores virão. Tudo indica que o acúmulo de decisões equivocadas, sobretudo do governo federal, em um país que desdenha de uma desigualdade estruturante, fará do Brasil a nação com o maior número de mortes que poderiam ter sido evitadas no mundo.

A desconsideração pelas vidas perdidas e o sofrimento individual e coletivo vão cobrar um preço elevado dos políticos. Uma só vida perdida de forma brutal nos EUA, a de George Floyd, está provocando uma reação justa e impensável, por lá e no mundo. As vidas perdidas na pandemia e que poderiam ter sido evitadas irão cobrar a responsabilidade dos políticos.

Se não temos no Brasil um vídeo que gerou indignação e mobilização como nos EUA, temos o acúmulo de mortes que evidenciam o descaso do governo com a pandemia e com os mais vulneráveis. E isso fará a diferença.

A nota alentadora da pesquisa —se é que podemos falar dessa maneira em um momento como esse— é que a maioria das respostas dá a sensação de uma tomada de consciência e amadurecimento das pessoas em relação à vida privada e à coletiva, o que pode apontar para mudanças positivas no futuro próximo.

Jorge Abrahão

Coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis, organização realizadora da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis.

Até quando? Sergio Cimerman*, O Estado de S.Paulo


10 de junho de 2020 | 05h00

Todos os dias recebo inúmeras ligações, mensagens por WhatsApp e pedidos em redes sociais me arguindo: quando retornaremos ao convívio social e atividades diárias? Na verdade, não temos respostas para essas inquietudes. Estamos aprendendo a cada dia com o novo coronavírus

Em alguns países, pensávamos estar controlada a situação, novos casos surgiram e novas medidas de contenção têm sido realizadas, com fechamento de estabelecimentos comerciais e escolas. Por aqui, o novo epicentro da doença, com quase 700 mil pessoas contaminadas, estamos iniciando a flexibilização em decorrência da situação epidemiológica de cada Estado e município. Em determinadas regiões a reabertura da economia se mostra já em ação e tantas outras estão por vir. 

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A questão primordial seria termos, neste momento, um Ministério da Saúde atuante oferecendo diretrizes aos Estados e municípios, para que não fossem tomadas ações isoladas. Mas, como não provemos disso neste momento, temos de encarar o trabalho técnico e a seriedade de cada governante. Temos obrigação de trazer à luz das pessoas conhecimentos médicos. Ainda mais com a omissão de novos casos confirmados e óbitos de modo total, o que não demonstra transparência e confiabilidade.

Muito se comenta sobre fazer mais testes para, assim, isolar casos positivos mais precocemente e, consequentemente, diminuir a transmissão. Isso seria o mundo ideal. Para isso, temos de ter elo entre serviços de saúde para realizar busca ativa de contactantes. Como fazer isso em um país de área territorial imensa e com população que supera 200 milhões de pessoas? 

Os estatísticos e epidemiologistas não conseguem nos dar respostas porque é difícil mesmo. Os testes apresentam sensibilidade duvidosa, com resultado falso negativo e que geram mais dúvidas, atrapalhando condutas a serem seguidas. É sabido que vamos melhorar a sensibilidade dos testes, que serão feitos em larga escala e serão mais rápidos ainda. Mas, neste momento, engatinhamos. Aqui não é culpa do Brasil e, sim, do mundo todo, que foi pego de surpresa com a pandemia.

Em São Paulo, sofremos com o maior número de casos e mortes do País, e já estamos entrando na fase de abertura da economia. É uma tentativa justa e aceitável. Claro que para isso ser efetivo terá de existir queda do número de casos, menor número de internações em UTI e enfermarias, menor número de óbitos para que não tenhamos de regredir. A compra de novos respiradores no Estado de São Paulo poderá ser um divisor de águas levando à sustentação do sistema de saúde, sem colapsar, e gerando tranquilidade para os profissionais da saúde poderem gerir os casos que chegarão. A necessidade de recursos humanos se faz imperante e já se nota contratação de profissionais em caráter emergencial. Os governantes têm de ter em mente que a qualquer sinal negativo deve-se cancelar e propor nova atitude. A abertura do comércio, sobretudo, deve ser feita mediante protocolos rígidos de distanciamento social e medidas não farmacológicas já muito bem conhecidas pela população. O uso de máscaras, álcool em gel em 70%, escala rotativa de funcionários, dentre outras medidas a fim de se buscar sucesso. A rotina das pessoas deve voltar, porém, com as ressalvas para evitar situações desagradáveis. Outra situação que merece destaque: o retorno das aulas. Projeções são feitas, mas efetivamente como manter distanciamento em salas de aula? Usar algum anteparo? Dividir as turmas pela metade? Teremos de escutar os educadores para compreender as melhores opções. É fato que o aprendizado será extremamente prejudicado devendo ser reparado no ano vindouro com reforços em todas as matérias.

Além de retorno dos vários setores da economia, devemos pensar em retomar as consultas médicas de rotina, os procedimentos cirúrgicos (já existe nota técnica da Anvisa de 29 de maio), manter os tratamentos oncológicos e de diálises, dentre outros. Vamos voltando ao normal, mas os grandes eventos sociais só devem ser incorporados ao cotidiano bem mais à frente. Nós, como cidadãos, devemos nos policiar em relação a essas atitudes. Regras para os esportes coletivos estão sendo encorajadas para que, por exemplo, o futebol possa retornar aos campeonatos estaduais sem a presença de torcedores. O esquema de concentração mais prolongado e realização de exames da covid-19 previamente às partidas podem ser incorporados para segurança dos atletas. 

Até quando? Se flexibilizamos incorremos na possibilidade de nova onda do vírus levando a mais internações e mortes. Se fazemos o lockdown, destruímos a economia, geramos pobreza, as pessoas não terão o que comer, suicídios e violência podem ser inevitáveis. Atentem para a dificuldade de decisões. Temos de aprender mais ainda com a covid-19. Reinfecção, que é uma possibilidade não descartada, e vacina, que ainda está em horizonte longínquo, nos fazem ficar atentos e seguir medidas preventivas já conhecidas.

* EX-PRESIDENTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE INFECTOLOGIA