quinta-feira, 4 de junho de 2020

‘As pessoas estão repensando suas casas’, diz presidente do QuintoAndar, Link OESP

startup de aluguel e compra de residências QuintoAndar passa, a partir desta quinta-feira, 4, a fazer parte de um grupo cada vez maior: o de empresas que vão liberar que seus funcionários trabalhem de casa indefinidamente. A decisão, segundo o presidente executivo Gabriel Braga, vai considerar as peculiaridades de cada time, mas pode transformar a forma como a empresa funciona e até mesmo contrata novos funcionários.

 “É um movimento que acontece no mundo inteiro. Sempre cogitamos trabalhar mais remotamente e um dos efeitos dessa crise é que tivemos esse experimento forçado”, afirma o executivo, em entrevista exclusiva ao Estadão. “O que a gente vislumbra é um sistema parcial: vamos manter o escritório, porque há benefícios disso, mas também vamos deixar uma boa parte do time de forma remota, em busca de mais qualidade de vida.” 

Além da decisão para o futuro, Braga também anunciou na última quarta-feira, 3, aos mil funcionários do QuintoAndar que a empresa vai funcionar em regime de home office até dezembro, mesmo se a quarentena for flexibilizada ou encerrada pelas autoridades. 

Novo normal no QuintoAndar, liderado por Braga, agora pode incluir home office por prazo indefinido para os funcionários

Novo normal no QuintoAndar, liderado por Braga, agora pode incluir home office por prazo indefinido para os funcionários

A mudança na forma de organizar as equipes pode mudar radicalmente a política do QuintoAndar para contratações – afinal, será possível arregimentar funcionários que não estão necessariamente em São Paulo, um mercado em que há escassez de programadores e desenvolvedores. 

E caso esse tipo de política seja adotado por mais empresas, pode até mudar a maneira como as cidades se organizam – se não é preciso morar perto do trabalho, preços de habitação mudam (e o próprio negócio do QuintoAndar pode ser afetado). Os dois assuntos também foram abordados por Braga na conversa com o Estadão. A seguir, os principais trechos. 

Como muitas startups, o QuintoAndar já tinha uma política de trabalho remoto em alguns dias. Por que liberar isso para o futuro? 

Vemos um movimento no mundo todo. Sempre cogitamos trabalhar de forma mais remota e flexível, mas era difícil coordenar. Um dos efeitos da crise é que a gente teve o experimento de forma forçada. Tivemos de decidir rapidamente, em março, e em menos de 48 horas 100% da empresa estava trabalhando remotamente. É compreensível que algumas coisas não funcionam bem e a situação não é ideal, mas estamos trabalhando bem atualmente. Olhando mais para a frente, esperamos que tudo volte ao normal. E aí vislumbramos um sistema parcial. Vamos manter o escritório, porque há benefícios disso, com troca de experiências, resolução de problemas, mas também vamos deixar uma boa parte do time de forma remota, em busca de mais qualidade de vida. E isso pode nos ajudar a acessar um pool de talentos diferente. Chegamos a cogitar a abrir um escritório fora do Brasil porque isso era um problema. Agora, tanto faz se a pessoa está num bairro de São Paulo, no Recife, no Acre ou em outras partes do mundo. Abre muitas portas. 

Como vai ser a coordenação desse sistema parcial? Se cada time puder definir que dias vai ao escritório, pode ficar uma bagunça… 

Vamos tratar os times com as peculiaridades que cada tipo de trabalho tem. Estamos aprendendo, todas as empresas vão precisar aprender. Haverá times que vão poder trabalhar um ou dois dias de casa e vão ter times que poderão ficar remotos. Poderemos ter engenheiros espalhados pelo Brasil ou pelo mundo, mas que venham para o escritório ocasionalmente. 

Uma queixa comum das startups no cenário pré-pandemia é que faltavam talentos no mercado de tecnologia. Permitir o trabalho remoto resolve esse problema? 

Adoraria saber a resposta. Creio que há uma oportunidade e um desafio. A oportunidade é que poderemos achar gente competente em outras partes do Brasil. Em São Paulo, é um mercado super concorrido e é difícil achar os talentos que a gente precisa – porque eles são muito disputados ou porque nem existem. Poderemos agora contratar brasileiros em outras partes do mundo, até mesmo quem deseja viver um tempo fora do País. É algo factível. Por outro lado, o desafio é que o mundo vai ficar mais aberto. Empresas de todo o mundo vão começar a acessar o mercado globalmente – e isso pode aumentar nossa competição. O mundo vai ficar mais dinâmico. 

Se muitas empresas adotarem esse regime, a dinâmica das cidades vai mudar. As pessoas podem parar de morar em grandes centros urbanos só por causa do trabalho. E isso muda o negócio do QuintoAndar, que é sobre alugar e comprar residências. Como o sr. vê esse aspecto do futuro? 

As pessoas estão repensando suas casas. Antes, a maioria das pessoas só passava um tempo dormindo nelas. Agora, as pessoas estão vivendo suas casas. E isso aumenta a reflexão sobre qual estilo de vida você quer ter ou que tipo de moradia vai servir melhor. Tem alguns movimentos de busca óbvios pelo subúrbio ou pelo interior já acontecendo agora. Isso pode intensificar. Para nós, isso vai gerar um movimento no mercado e espero que a gente seja uma ferramenta útil para essas pessoas. E estamos atentos: se vermos que algumas cidades estão sendo ímãs de novos moradores nos próximos meses, podemos levar isso em consideração na expansão para mais cidades. 

Muitas startups que fizeram demissões nos últimos meses, por conta da pandemia, foram alvo de críticas – especialmente aquelas que levantaram aportes vultosos recentemente, como foi o caso de vocês. Como o sr. vê essas críticas? 

Nós tentamos ser ambiciosos e ousados nas coisas que fazemos, mas com pé no chão. Quando vem uma crise dessas, que tem dimensões sem precedentes e características difíceis de se entender, há impacto no nosso negócio. Felizmente, o impacto está sendo menor do que imaginamos. Mas tivemos que fazer ajustes em torno dessa nova realidade. A gente tinha a expectativa de que 2020 seria de um jeito, mas na medida que o plano deixou de ser factível, fizemos os ajustes necessários naquele momento. Pensamos em ser responsáveis: precisamos continuar existindo para os nossos clientes, os proprietários e os funcionários, garantindo os empregos o máximo o possível e apoiando o ecossistema, como corretores, imobiliárias e fotógrafos. 

O sr. falou que o impacto está sendo menor do que o previsto. É possível precisar? 

Logo no começo da crise, sentimos uma freada muito forte. Desde meados de março, quando vimos uma queda brusca, estamos crescendo semana a semana. A recuperação nas últimas semanas tem sido bastante expressiva. É difícil fazer uma previsão assertiva,  mas ao longo do segundo semestre esperamos uma boa recuperação. 

Fernando Schüler O que desejamos punir na internet?, FSP

Falta de clareza sobre o que é crime e o que é liberdade de expressão pode nos levar a fragilizar direitos que não deveríamos relativizar

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Fake news não é crime, no Brasil. Me surpreendi com a quantidade de pessoas escrevendo, em relação ao inquérito conduzido pelo Supremo, coisas do tipo “então pode sair mentindo por aí?”. De um ministro do Supremo escutei que era preciso separar fatos de opiniões.

A preocupação das pessoas em relação a essas coisas é perfeitamente legítima. O mesmo vale para o discurso de ódio.

Não foram poucas as pessoas que li dizendo coisas do tipo “então vale ofender, atacar instituições, dizer qualquer coisa?”. É crime um deputado dizer, como consta do despacho do ministro Alexandre de Moraes, que o Supremo tem “atacado o Estado de Direito e a vontade popular”?

Seria crime, na mesma linha, associar o governo ao “nazismo” e dizer que o grupo que está no poder deseja implantar uma “abjeta ditadura militar”?

Essas perguntas incomodam porque mexem com a paixão política, um tipo de mal contra o qual, depois de um bom tempo lendo sobre política, desconheço remédio eficaz.

No caso da acusação feita pelo decano do Supremo, sugeri um exercício filosófico bastante simples: imaginar a mesma frase em sentido invertido. O presidente dizendo uma coisa dessas sobre a Suprema Corte ou algum de seus ministros. Como as pessoas reagiriam?

O exercício é um tipo de “véu da ignorância”, em que se define a regra do jogo sem saber a posição que cada um ocupa no próprio jogo. Ele é filosoficamente interessante, mas em geral inútil no mundo da política, onde a graça é brincar de ser o dono da verdade.

São essas coisas que incomodam no projeto que tramita no Congresso, disciplinando o tema das fake news. E que talvez tenham levado ao recuo na votação que ocorreria no Senado nesta semana. O projeto define “desinformação” como algo “inequivocamente falso” ou posto “fora de contexto”.

Quando li isto me pus a fazer perguntas. “A Previdência é deficitária?”, perguntei a dois interlocutores. Um deles riu e disse que era um fato evidente. O outro lembrou que uma comissão do Senado havia chegado a conclusão oposta.

A lei sugere que situações como esta nos levariam a recorrer às “agências verificadoras de fatos independentes”. E completa: “com ênfase nos fatos”. Seriam quase como ministros do Supremo definindo o que é ou não uma ofensa. Elas nos diriam o que é ou não um fato.

Li que seria preciso evitar a escolha de agentes incapazes ou maliciosos como verificadores. De fato seria preciso ser exigente se o que desejamos é sair da caverna e suas sombras para a luz do dia.

O que mais me chamou a atenção foi a ideia da informação “fora de contexto”. A internet é como Ireneo Funes, o personagem de Borges que nada esquecia. Uma massa caótica de frases e imagens que sempre que se põe a mão já se deslocou e se encontra, irremediavelmente, fora de seu contexto.

De minha parte, acharia sensacional ter à mão um punhado de maquininhas da verdade para acionar e colocar um carimbo de falso ou fora de contexto em cada bobagem que se diz nas redes sociais.

Não duvido que as pessoas que desejam essas coisas o façam na melhor das intenções. Mas desconfio que a malícia não esteja nesta ou naquela agência, mas no espírito dos homens. E mais: que a paixão política terminará por arrastar tudo outra vez, definindo a quem cada um prestará atenção.

O ponto é que ainda não conseguimos definir exatamente o que é crime e o que queremos punir na internet. Fake news em escala industrial? Uso de contas anônimas? Impulsionamento massivo com o uso de robôs?

Ou nada disso, no fundo, é muito relevante, visto que as redes são empresas privadas, cada um pode escolher cair fora e todos podemos aprender, com o tempo e por conta própria, a separar o joio do trigo?

Não tenho esta resposta, mas intuo que a falta de clareza sobre o que é crime e o que é direito à expressão pode nos conduzir, seja neste inquérito, seja na formulação apressada de leis no Congresso, facilmente a fragilizar direitos que não deveríamos relativizar.

Fernando Schüler

Professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.