A startup de aluguel e compra de residências QuintoAndar passa, a partir desta quinta-feira, 4, a fazer parte de um grupo cada vez maior: o de empresas que vão liberar que seus funcionários trabalhem de casa indefinidamente. A decisão, segundo o presidente executivo Gabriel Braga, vai considerar as peculiaridades de cada time, mas pode transformar a forma como a empresa funciona e até mesmo contrata novos funcionários.
“É um movimento que acontece no mundo inteiro. Sempre cogitamos trabalhar mais remotamente e um dos efeitos dessa crise é que tivemos esse experimento forçado”, afirma o executivo, em entrevista exclusiva ao Estadão. “O que a gente vislumbra é um sistema parcial: vamos manter o escritório, porque há benefícios disso, mas também vamos deixar uma boa parte do time de forma remota, em busca de mais qualidade de vida.”
Além da decisão para o futuro, Braga também anunciou na última quarta-feira, 3, aos mil funcionários do QuintoAndar que a empresa vai funcionar em regime de home office até dezembro, mesmo se a quarentena for flexibilizada ou encerrada pelas autoridades.
Novo normal no QuintoAndar, liderado por Braga, agora pode incluir home office por prazo indefinido para os funcionários
A mudança na forma de organizar as equipes pode mudar radicalmente a política do QuintoAndar para contratações – afinal, será possível arregimentar funcionários que não estão necessariamente em São Paulo, um mercado em que há escassez de programadores e desenvolvedores.
E caso esse tipo de política seja adotado por mais empresas, pode até mudar a maneira como as cidades se organizam – se não é preciso morar perto do trabalho, preços de habitação mudam (e o próprio negócio do QuintoAndar pode ser afetado). Os dois assuntos também foram abordados por Braga na conversa com o Estadão. A seguir, os principais trechos.
Como muitas startups, o QuintoAndar já tinha uma política de trabalho remoto em alguns dias. Por que liberar isso para o futuro?
Vemos um movimento no mundo todo. Sempre cogitamos trabalhar de forma mais remota e flexível, mas era difícil coordenar. Um dos efeitos da crise é que a gente teve o experimento de forma forçada. Tivemos de decidir rapidamente, em março, e em menos de 48 horas 100% da empresa estava trabalhando remotamente. É compreensível que algumas coisas não funcionam bem e a situação não é ideal, mas estamos trabalhando bem atualmente. Olhando mais para a frente, esperamos que tudo volte ao normal. E aí vislumbramos um sistema parcial. Vamos manter o escritório, porque há benefícios disso, com troca de experiências, resolução de problemas, mas também vamos deixar uma boa parte do time de forma remota, em busca de mais qualidade de vida. E isso pode nos ajudar a acessar um pool de talentos diferente. Chegamos a cogitar a abrir um escritório fora do Brasil porque isso era um problema. Agora, tanto faz se a pessoa está num bairro de São Paulo, no Recife, no Acre ou em outras partes do mundo. Abre muitas portas.
Como vai ser a coordenação desse sistema parcial? Se cada time puder definir que dias vai ao escritório, pode ficar uma bagunça…
Vamos tratar os times com as peculiaridades que cada tipo de trabalho tem. Estamos aprendendo, todas as empresas vão precisar aprender. Haverá times que vão poder trabalhar um ou dois dias de casa e vão ter times que poderão ficar remotos. Poderemos ter engenheiros espalhados pelo Brasil ou pelo mundo, mas que venham para o escritório ocasionalmente.
Uma queixa comum das startups no cenário pré-pandemia é que faltavam talentos no mercado de tecnologia. Permitir o trabalho remoto resolve esse problema?
Adoraria saber a resposta. Creio que há uma oportunidade e um desafio. A oportunidade é que poderemos achar gente competente em outras partes do Brasil. Em São Paulo, é um mercado super concorrido e é difícil achar os talentos que a gente precisa – porque eles são muito disputados ou porque nem existem. Poderemos agora contratar brasileiros em outras partes do mundo, até mesmo quem deseja viver um tempo fora do País. É algo factível. Por outro lado, o desafio é que o mundo vai ficar mais aberto. Empresas de todo o mundo vão começar a acessar o mercado globalmente – e isso pode aumentar nossa competição. O mundo vai ficar mais dinâmico.
Se muitas empresas adotarem esse regime, a dinâmica das cidades vai mudar. As pessoas podem parar de morar em grandes centros urbanos só por causa do trabalho. E isso muda o negócio do QuintoAndar, que é sobre alugar e comprar residências. Como o sr. vê esse aspecto do futuro?
As pessoas estão repensando suas casas. Antes, a maioria das pessoas só passava um tempo dormindo nelas. Agora, as pessoas estão vivendo suas casas. E isso aumenta a reflexão sobre qual estilo de vida você quer ter ou que tipo de moradia vai servir melhor. Tem alguns movimentos de busca óbvios pelo subúrbio ou pelo interior já acontecendo agora. Isso pode intensificar. Para nós, isso vai gerar um movimento no mercado e espero que a gente seja uma ferramenta útil para essas pessoas. E estamos atentos: se vermos que algumas cidades estão sendo ímãs de novos moradores nos próximos meses, podemos levar isso em consideração na expansão para mais cidades.
Muitas startups que fizeram demissões nos últimos meses, por conta da pandemia, foram alvo de críticas – especialmente aquelas que levantaram aportes vultosos recentemente, como foi o caso de vocês. Como o sr. vê essas críticas?
Nós tentamos ser ambiciosos e ousados nas coisas que fazemos, mas com pé no chão. Quando vem uma crise dessas, que tem dimensões sem precedentes e características difíceis de se entender, há impacto no nosso negócio. Felizmente, o impacto está sendo menor do que imaginamos. Mas tivemos que fazer ajustes em torno dessa nova realidade. A gente tinha a expectativa de que 2020 seria de um jeito, mas na medida que o plano deixou de ser factível, fizemos os ajustes necessários naquele momento. Pensamos em ser responsáveis: precisamos continuar existindo para os nossos clientes, os proprietários e os funcionários, garantindo os empregos o máximo o possível e apoiando o ecossistema, como corretores, imobiliárias e fotógrafos.
O sr. falou que o impacto está sendo menor do que o previsto. É possível precisar?
Logo no começo da crise, sentimos uma freada muito forte. Desde meados de março, quando vimos uma queda brusca, estamos crescendo semana a semana. A recuperação nas últimas semanas tem sido bastante expressiva. É difícil fazer uma previsão assertiva, mas ao longo do segundo semestre esperamos uma boa recuperação.
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