domingo, 5 de abril de 2020

As regras do contágio, FSP


A essa altura, muitos leitores já não devem aguentar mais ouvir falar em curvas de contágio, R (número de reprodução), imunidade de rebanho e outros termos da epidemiologia. Ainda assim, ouso recomendar "The Rules of Contagion" (as regras do contágio), de Adam Kucharski, ao qual já fiz alusão aqui.

O livro foi finalizado antes da pandemia de Covid-19, então não trata da ameaça que enfrentamos. Mas Kucharski, que é matemático por formação, conta a história da epidemiologia, que surgiu com o teorema do mosquito de Donald Ross no início do século 20, e consegue explicar com didatismo e sabor literário os princípios sobre os quais ela se assenta.

O resultado é uma fascinante combinação de matemática com biologia, psicologia e várias outras ciências. Até arquitetura entra, quando se avaliam condições de moradia que podem fazer muita diferença numa epidemia.
O mais interessante, porém, é que Kucharski não se limita a tratar de doenças. Ele vai bem além e mostra como os princípios da epidemiologia ajudam a entender fenômenos tão diversos como crises financeiras, violência, fake news e até o marketing.

O autor não esconde as limitações de seu ramo de saber. Diz que, como a epidemiologia se calca muito mais em análises observacionais do que em experimentos —é quase sempre antiético contaminar pessoas com um patógeno para ver o que acontece—, já se sugeriu que ela está mais próxima do jornalismo que da ciência: descreve os acontecimentos enquanto eles se desenrolam, em vez de tirar conclusões de situações controladas.

Pode ser, mas não devemos ignorar os enormes ganhos que estudos observacionais já nos proporcionaram. Foi graças a eles que descobrimos que cigarros causam câncer e que não era uma boa ideia usar raios-X em lojas de sapatos para ver como o pé ficava dentro do calçado, entre vários outros achados que tornaram nossas vidas mais longas e seguras.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

sábado, 4 de abril de 2020

ARTHUR KAUFMAN Íntegro, Luiz Flávio Gomes levantou a bandeira contra a corrupção no Brasil, FSP


Jurista, professor e deputado federal, além da carreira brilhante no direito, fundou a primeira rede de ensino telepresencial da América Latina




O que dizer de alguém brilhante e que nos deixa tão precocemente? Vida ceifada, se não na flor da idade, mas na flor da produtividade.
Começou a fazer parte das nossas vidas em 2016. Não o víamos desde setembro de 2019, quando inesperadamente, aos 61 anos, foi diagnosticado com leucemia mieloide aguda.
Inacreditável: em julho, seu check-up revelou que tudo estava às mil maravilhas. Um caroço no pescoço foi o primeiro sinal da tragédia que se abateria sobre ele, sobre sua grande família em Sud Menucci e em Rio Preto; sobre sua família em São Paulo e sobre seus amigos e correligionários.
Chegou a se submeter ao transplante de medula. Um dos filhos foi o doador. O transplante "pegou". Tudo indicava, de novo, um happy end. Em dois dias, entretanto, a leucemia voltou avassaladora sobre uma pessoa de muita vulnerabilidade física. A infecção generalizada instalou-se de forma galopante.

O professor, jurista e deputado federal, Luiz Flávio Gomes
O professor, jurista e deputado federal, Luiz Flávio Gomes - Bruno Poletti - 08.dez.2016/Folhapress
Começou bem pobre sua vida no interior. Depois, formou-se em direito, tornou-se juiz e desembargador. Fundou a Rede LFG, primeira de ensino telepresencial da América Latina. Tornou-se famoso e requisitado.
Participou por longo tempo do Jornal da TV Cultura. Para coroar a meteórica e vitoriosa carreira, fez campanha intensa e incansável e elegeu-se deputado federal por São Paulo, em 2018. Um verdadeiro espécime de "político do bem".
Em Brasília, dispensou o salário de deputado: alegou já receber provimentos da aposentadoria como juiz.
Declinou do auxílio moradia, assumindo os custos da residência. Sua bandeira era a luta contra a corrupção, aliás tema de seu último livro publicado, "O Jogo Sujo da Corrupção".
A publicação também contribuiu para, logo, ser incluído na Comissão de Constituição e de Justiça e de Cidadania (CCJ), do Legislativo. Um futuro muito promissor, na política; uma grande promessa neste país de, lamentavelmente, poucos parlamentares honestos e competentes.
Além do lado profissional e político, cumpre falar sobre a grande figura que sempre foi. Grande orador, grande professor, um verdadeiro gentleman nos seus modos: elegante no vestuário e no tratamento que dispensava às pessoas, por mais humilde que fossem.
Com um jeito de falar muito característico, quase um "sotaque próprio", inconfundível para os que o conheceram e usufruíram de sua vasta cultura e alegria de viver. Características demonstradas pelo seu amor à música (tocava cajon) e aos prazeres da mesa, conhecedor de pratos requintados e dos melhores vinhos.
Luiz Flávio deixa os filhos Luis Felipe e Paulo Otávio. Paulo é meu genro, casado com minha filha Mirella. Eles têm dois filhos, Martina, de dois anos e Lucas, de seis meses.
O avô conseguiu conhecer seu neto caçula, mas infelizmente não pôde usufruir da sua companhia.
Durante sua recuperação pós-transplante, ele dizia que ainda iria dançar com a neta. Que pena! Seus netos saberão quem foi o homem incrível de quem eles descendem. E haverão de se orgulhar e amar para sempre o vovô "Flávlio".
Não o veremos mais presencialmente, nem nós, nem seus filhos, nora e netos, nem Thaís, a mãe de seus filhos, nem Alice, sua esposa. Nem o povo brasileiro. Na falta de algo mais original para dizer... ele continuará a viver dentro de nós. Como dizia ele: “Avante!"