sábado, 4 de abril de 2020

Rodrigo Zeidan Armadilha da liquidez, FSP

BNDES deveria assumir os riscos para emprestar a pequenas e médias empresas

  • 7
O Banco Central soltou mais de R$ 1 trilhão para o sistema financeiro, mas quase nada chegou às empresas. O crédito está bem paradinho nos bancos. A razão para isso é simples: o risco de pequenas e médias empresas (PMEs) disparou, já que é difícil saber que firmas vão estar em pé ao fim desta crise.
Assim, os bancos, para não contaminar seus balanços com créditos ruins, simplesmente sentam em cima dessa montanha de dinheiro. Os critérios de concessão de crédito ficaram mais restritivos. Até para hospitais isso acontece, com exigências de contratos com governos de 140% do financiamento.
O fenômeno de o sistema financeiro travar quando mais se precisa de crédito se chama armadilha da liquidez. Estamos presos dentro dela. Para sairmos, alguém tem que assumir os riscos de emprestar para PMEs —para fazer a ponte entre o período pré e pós-crise.
Banco Central soltou mais de R$ 1 trilhão para o sistema financeiro
Banco Central soltou mais de R$ 1 trilhão para o sistema financeiro - Charles Sholl - 21.nov.2019/Folhapress
Há três soluções possíveis: criar novas regulações para punir bancos privados que segurem crédito, mandar algum banco público assumir mais riscos (BB, Caixa ou BNDES) ou dar mais poderes ao Banco Central.
Dessas opções, a melhor seria o BNDES, com garantia do Tesouro, assumir esses riscos, já que tem relacionamento com os bancos públicos e privados para isso.
O BNDES poderia assumir mais de 50% dos riscos dos empréstimos para PMEs, por exemplo, dadas algumas condições. Por exemplo, entre as condições para cobrir grande percentual dos custos correntes das empresas, estaria o de manter empregos. Informação sobre os custos das empresas os gerentes de contas dos bancos possuem. Embora um BNDES parrudo não fosse necessário em 2013, seria fundamental hoje.
O governo está indo por outro caminho e de forma muito lenta. O Banco Central lançou a ideia de uma proposta de emenda à Constituição que lhe daria poderes para comprar diretamente crédito do mercado, alterando o artigo 164, que define o papel da autoridade monetária.
A ideia é que os bancos privados poderiam emprestar para empresas, empacotariam esse crédito novo em títulos e o Banco Central os adquiriria, trazendo para si a ameaça de inadimplência. Mas com grandes poderes vêm grandes responsabilidades, como escreveu Stan Lee.
Essa maior autonomia deveria ser usada somente em épocas de grandes crises, quando o sistema financeiro está preso na armadilha da liquidez. Caso contrário, poderíamos cair em um risco maior ainda: o de ter um desgoverno usando o Banco Central para aumentar ainda mais o direcionamento de crédito na economia brasileira.
Não é para sair nada perfeito, mas uma solução para o empoçamento de crédito tem que vir logo. O cenário de incerteza é mortal, com o presidente dizendo uma coisa e seus ministros falando outra, enquanto alguns governadores mantêm uma quarentena mais forte e outros não.
O presidente do Banco do Brasil anunciou R$ 100 bilhões em novos empréstimos, mas disse que não ia aceitar nenhuma alteração no perfil de crédito da sua carteira.
Ou seja, esses R$ 100 bilhões são ilusão. Como o são os mais de R$ 1 trilhão “liberados” pelo Banco Central. E, pior, nem teremos dados sobre o mercado de trabalho para saber o tamanho da crise. Os dados do cadastro de empregados (Caged) não estão sendo publicados.
Ao anunciar, em 2012, que faria “tudo o que fosse necessário” para impedir que a zona do euro se esfacelasse, Mario Draghi salvou a economia europeia. Tudo o que for necessário para salvar empregos, grita a sociedade brasileira.
Rodrigo Zeidan
Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

Durante a crise sanitária, os servidores públicos deveriam ter jornada e salário reduzidos? SIM FSP

Descrição de chapéu
 
 ANDRÉ LUIZ MARQUES


Oposição à redução de gastos não pode se esconder sob a capa da legalidade

  • 15
André Luiz Marques
O momento é de olhar para o próximo. Mesmo com a preocupação justa em relação aos impactos econômicos provocados pela pandemia, vidas preservadas estão acima de qualquer outra prioridade.
Não existe uma certeza sobre quanto tempo será necessário para lidarmos com as consequências da Covid-19. Mas, na condução desse processo, os agentes públicos têm papel indispensável. As políticas públicas coordenadas por governos centrais e locais nos mostrarão como se dará a passagem por este período. Assim como parte do setor privado, esses entes públicos enfrentam o desafio da redução de receitas. Porém, ao mesmo tempo, veem uma relevante expansão de despesas.
André Luiz Marques - Economista, é coordenador do Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper
O economista André Luiz Marques, coordenador do Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper - Divulgação
A arrecadação do setor público é da mesma forma impactada com o fechamento de negócios e perdas de emprego. Projeções de mercado já apontam a redução de 0,48% do PIB para 2020. Do lado da despesa, o aumento provém não só da pressão crescente sobre o sistema de saúde, mas da necessidade de levar proteção social a milhões que terão empregos e rendas comprometidos.
Como se não bastasse tudo isso, todas as esferas, da federal à municipal, já se encontravam em situação fiscal alarmante.
De onde, então, buscar recursos para fazer frente aos desafios?
Os negócios privados estão à procura de alternativas para não fechar em definitivo. Mesmo assim, o impacto em seus trabalhadores já é percebido. Em fevereiro, antes do agravamento da crise, o desemprego já havia voltado a acelerar, chegando a 12,3 milhões de trabalhadores. A eles se juntavam mais 38 milhões de informais. Pesquisas mais recentes mostram que, entre formais e informais, 31% conhecem alguém que já perdeu o emprego, 26% sofreram reduções salariais médias de 44% e 20% ainda não tiveram redução, mas acreditam que vão ter.
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A alternativa de reduções salariais seria relevante também no setor público?
No país, há 11,4 milhões de servidores públicos ativos em todas as esferas. O montante gasto para mantê-los é de R$ 570 bilhões por ano. Isso significa que, no fim de 2018, a mediana de gastos com pessoal em relação às receitas correntes liquidas ficou entre 56% e 60% nos estados e municípios.
Essa não é a única saída para contenção, já que 40% dos gastos não são com pessoal. No entanto, qualquer esforço de restrição que não se debruce sobre as despesas com pessoal (não só salários) gerará impactos limitados, comprometendo a geração de recursos para a preservação e suporte da vida.
Temos que estar atentos, entretanto, pois parte dessa força de trabalho está ligada às áreas de saúde, educação e segurança, indo de 40% a 60% dos servidores em estados e municípios. Já uma outra parte atua em atividades de suporte, não menos importante, mas que em momento de atividade reduzida não precisa estar a “pleno vapor”.
Então por que não adotar medidas semelhantes às já adotadas na iniciativa privada?
Essa alternativa enfrenta, além de desafios legais, uma declarada e ampla resistência de órgãos de classe. É claro que não pode ser dada uma carta branca a empregadores para que alterem cláusulas indiscriminadamente. Porém, as contra-argumentações não podem se esconder apenas sob a capa de recursos como irredutibilidade ou estabilidade. Estes não estão à disposição de milhões que estão perdendo sua condição de subsistência. Nesse momento, não lhes resta outra alternativa a não ser ter esperança sobre como sobreviverão. E essas mesmas vidas terão papel fundamental na fase de recuperação econômica do país.
André Luiz Marques
Economista, é coordenador do Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper
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