sábado, 4 de abril de 2020

Alvaro Costa e Silva No pódio dos negacionistas, FSP

Bolsonaro queria ser Viktor Orbán, que se aproveitou da pandemia para governar por decreto

  • 10
É briga de cachorro grande, mas Bolsonaro sempre dá seu jeito. No momento, ele está disputando cabeça a cabeça com outros folclóricos e autoritários líderes mundiais para saber quem assume o lugar mais alto no pódio dos negacionistas.
Em matéria de desprezar a gravidade da pandemia, o ditador do Turcomenistão, Gurbanguly Berdymukhamedov, por enquanto está na frente: proibiu o uso da palavra coronavírus —atitude bem mais eficiente, convenhamos, do que se referir a ele como gripezinha ou resfriadinho. No páreo, seguem o chefe de Estado da Belarus, Aleksandr Lukashenko, que indicou beber vodca como hábito eficaz no combate à doença, e o ex-guerrilheiro Daniel Ortega, da Nicarágua, que convocou a população para participar da marcha "Amor nos Tempos da Covid-19".
No fundo, Bolsonaro queria ser Viktor Orbán. Beneficiando-se da crise, o premiê da Hungria conseguiu aprovar uma lei que lhe dá o direito de governar por decretos por tempo ilimitado e impor mordaças à mídia e à oposição.
Por aqui, sentindo-se isolado politicamente, em guerra particular com o ministro da Saúde, paralisado pela ineficiência da sua equipe econômica, freado pelos dois outros Poderes e enquadrado por Twitter, Facebook e Instagram, o Capitão Corona dialoga com pastores. Por sugestão deles, pediu um dia de jejum e oração contra a pandemia. Ao mesmo tempo, faz corpo mole para entregar o auxílio aos informais. E, até agora, nenhuma palavra de solidariedade aos familiares de vítimas.
Uma visita a Campo Grande, bairro mais populoso do Rio, evidencia o poder dos mercadores da fé. Lá, não há isolamento: o louvor arrebenta a caixa de som de tão alto, camelôs esgoelam-se, jovens e idosos espremem-se nas ruas, as biroscas servem cerveja e churrasquinho de gato. A vida normal tem a proteção de Deus, é orar que nada acontecerá, garantem os fiéis.
Alvaro Costa e Silva
Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".

Bolsonaro virou o bobo da corte, FSP

A piada em que Bolsonaro se transformou poderá custar vidas

  • 44
Jair Messias Bolsonaro tornou-se um bobo da corte, com uma diferença importante: bobos da corte costumavam dizer verdades.
Os sinais de que o presidente da República deixou de ser levado a sério são numerosos e inequívocos. Prefeitos e governadores, alguns dos quais eleitos na mesma onda conservadora que impulsionou Bolsonaro, fazem exatamente o contrário do que ele recomenda —e não hesitam em explicitar isso.
Até ministros de Estado, que foram por ele escolhidos e são demissíveis "ad nutum", se articulam para fazer o by-pass do chefe. Além de Mandetta, Moro e Guedes já disseram, ainda que tentando esboçar alguma diplomacia, que apoiam as medidas de isolamento social que Bolsonaro renega. Há notícias de que o núcleo militar tenta enquadrá-lo, mas a persuasão, quando surte efeito, é transitória. Só dura até a próxima declaração ou postagem, quase sempre uma combinação de mentiras com delírios.
É bastante sintomático que empresas de mídia social como Twitter e Instagram tenham decidido censurar manifestações de Bolsonaro, por julgar que se tratam de falsidades que colocam pessoas em risco.
No Congresso o clima não é muito diferente. Parlamentares já desistiram de esperar que Bolsonaro exerça a liderança que caberia ao presidente num momento como este e estão cuidando de elaborar por conta própria medidas para atenuar a crise. Se o Legislativo estivesse operando em condições de normalidade, estaríamos possivelmente iniciando procedimentos de impeachment.
O isolamento de Bolsonaro é internacional. Se, até uma ou duas semanas atrás, ainda havia líderes populistas apostando no negacionismo, como o mexicano Andrés Manuel López Obrador e o próprio Donald Trump, eles vislumbraram o tamanho da encrenca e adotaram uma posição mais responsável. Bolsonaro ficou praticamente sozinho.
Só não dá para rir da piada que Bolsonaro se tornou porque ela poderá custar vidas.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".