sexta-feira, 3 de abril de 2020

Bagaço da cana limpa efluentes, EM

postado em 27/04/2013 00:12 / atualizado em 27/04/2013 08:09

(foto: Paulinho Miranda / DA Press)
(foto: Paulinho Miranda / DA Press)

São muitas as formas de se usar o bagaço de cana-de-açúcar. Pensando em dar novo reaproveitamento ao resíduo, o grupo de pesquisadores em química orgânica e ambiental do Departamento de Química da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) desenvolveu uma pesquisa usando o bagaço da cana, dando origem a um filtro de metais pesados gerados na indústria. Um dos focos do estudo era testar a fórmula e para isso os pesquisadores usaram o bagaço para tratar o efluente gerado por uma indústria de galvanoplastia (revestimento de um metal por outro mais nobre, como uma zincagem). O resíduo gerado nesse tipo de processo é rico em metais, principalmente o zinco.

“Para devolver esse efluente líquido à natureza é preciso tratá-lo, até que esteja dentro dos limites estabelecidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente”, explica o pesquisador Leandro Vinícius Alves Gurgel, membro do Grupo de Química Orgânica e Ambiental da Ufop. Para filtrar esse e outros elementos, Leandro e os pesquisadores Tânia Márcia Sacramento Melo e Laurent Frédéric Gil desenvolveram um material capaz de reter os metais em um suporte sólido, no caso o bagaço de cana quimicamente modificado, usando o princípio das cargas opostas que se atraem.
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 No laboratório, o bagaço de cana-de-açúcar foi lavado para retirar impurezas (como algum açúcar residual) e secado. Depois, ele foi triturado até virar um pó. Esse pó, por sua vez, foi quimicamente modificado, ganhando carga positiva ou negativa, de acordo com o material que se desejava reter. Dessa forma, o bagaço se transformou em um suporte sólido, indissolúvel em água e capaz de captar metais e outras substâncias presentes num efluente. Tânia Márcia explica que a experiência pode ser feita tanto em um recipiente sob agitação, o que exigiria uma filtragem para separá-los posteriormente, quanto em uma coluna recheada com o bagaço modificado, por onde o fluxo do efluente líquido passaria continuamente.

VANTAGENS
(foto: Paulinho Miranda / DA Press)
(foto: Paulinho Miranda / DA Press)
Em relação aos métodos convencionais, o custo do bagaço da cana é maior, porém ele soma vantagens que compensam sua utilização. A possibilidade de fazer uma dessorção, processo em que o poluente é removido do bagaço, permite que a indústria recupere e reaproveite o material filtrado. Isso permite também que o bagaço modificado quimicamente seja reutilizado no processo de descontaminação várias vezes. “A grande vantagem é essa possibilidade de recuperar tanto o material filtrado seletivamente, quanto o bagaço, que poderá ser reutilizado diversas vezes”, conta Leandro.

Depois da experiência de aplicar o tratamento do efluente de uma indústria de galvanoplastia, a mesma ideia vem sendo usada em outros ramos que geram descartes nocivos ao meio ambiente. É o caso da indústria têxtil, considerada altamente poluente. O bagaço de cana processado quimicamente é capaz de reter o corante presente no efluente da produção de tecidos. O processo também foi usado na mineração, no tratamento do efluente da drenagem ácida, quando a água da chuva se junta aos resíduos de mineração e carreia os metais oriundos do processo em um fluxo ácido. Esse efluente, se não tratado, acaba contaminando as águas de uma lagoa ou um lençol freático. Essa tecnologia pode ser aplicada também na indústria de produção de cachaças artesanais, visando reduzir a quantidade de cobre presente na bebida (presente devido à utilização de alambiques de cobre).

OUTROS MATERIAIS
Além do bagaço de cana-de-açúcar, os pesquisadores da Ufop usaram a celulose e a serragem de madeira quimicamente modificadas para as mesmas aplicações. A principal diferença entre os materiais é o custo. “Enquanto a tonelada do bagaço de cana custa cerca de R$ 100, a tonelada da celulose pura custa cerca de US$ 700 (R$ 1,4 mil). Uma opção um pouco mais barata é usar a celulose sem branqueamento, que pode custar até 30% menos”, avalia Leandro Gurgel. Porém, além do preço, cada um desses materiais tem uma capacidade diferente de absorver impurezas. Naturalmente a celulose pura, depois de tratada, é capaz de filtrar uma maior quantidade de poluente. “O bagaço de cana pode filtrar de 50% a 80% do que a celulose filtra, porém a diferença abismal entre seus preços, aliado ao fato do reuso de um material que poderia ser descartado, torna o bagaço um material ainda mais interessante”, informa o pesquisador, que, mesmo com essa diferença nos preços, avalia que a celulose não é considerada um material caro.

O bagaço de cana tem ainda um apelo ecológico, já que o material pode substituir vários outros destinados ao mesmo fim que são derivados do petróleo. O processo desenvolvido na Federal de Ouro Preto está sendo patenteado, e não há problemas em ser reproduzido em larga escala. Caso haja interesse de setores industriais, o material pode ter a sua tecnologia transferida para a iniciativa privada para uma futura comercialização, já que existe uma vasta gama de aplicações.


palavra de especialista
Euclides Honório de Araújo
engenheiro químico, professor titular na Universidade Federal de Uberlândia

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“O bagaço de cana tem sido usado para diferentes aplicações, inclusive após o tratamento térmico e enzimático na fermentação alcoólica, mas a principal aplicação tem sido na produção de energia, seja na queima nas fornalhas ou na geração de energia elétrica, ambas para suprir as próprias usinas ou, como no segundo caso, vendendo o excedente. A iniciativa dos professores da Ufop vem ao encontro da valorização desse subproduto da fabricação do etanol, assim como da diminuição dos investimentos despendidos pelas indústrias, que trabalham com metais e assemelhados, para o tratamento das suas águas residuárias. Do ponto de vista da engenharia química, começo a imaginar a ideia sendo aplicada na indústria, levando em conta suas dimensões, e a forma de processamento. Como exemplo, penso no efluente sendo filtrado em estruturas fixas, como pallets, recheados de pó de bagaço de cana quimicamente tratados. Após a filtragem, um contrafluxo poderia fazer a retirada dos poluentes absorvidos na filtragem.”

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Por Ladislau Dowbor
Primeiro, a coisa óbvia: nosso problema não é falta de dinheiro. Com um PIB de 6,8 trilhões de reais e uma população de 210 milhões, o que produzimos hoje representa 11 mil reais por mês por família de quatro pessoas. Com o que produzimos hoje, mesmo sem procurar uma igualdade opressiva, apenas uma desigualdade menos obscena, dá para todos viverem de maneira digna e confortável. Nosso problema não é pobreza, e sim desgoverno. Ou, para dizê-lo de maneira hoje atualizada, é falta de governança, de fazer o conjunto funcionar.
Na minha modesta aritmética econômica – sou avesso à econometria – faço as contas, follow the money por assim dizer, apresentando o fluxo financeiro integrado. Calculando o quanto se tira da capacidade de compra das famílias por meio do absurdo nível de juros sobre o cheque especial, do rotativo do cartão, dos crediários e do empréstimo bancário, somando os juros sobre os créditos concedidos às empresas, chegamos a 1 trilhão de reais. Dado que coincide com os cálculos das financeiras, apreesentados na manchete dominical do Estadão de 18 de dezembro de 2016: “Crise de crédito tira R$1 tri da economia e piora recessão”. São 15% do PIB esterilizados, transformados em lucros financeiros. Acrescentem a isso os R$ 300 a R$ 400 bilhões transferidos para os que aplicam as suas fortunas em títulos da dívida pública, e chegamos a 20% do PIB, alimentando fortunas. A taxa Selic baixou, realmente, mas é cobrada sobre um estoque da dívida muito maior. Em 2018 o Estado foi desfalcado em R$ 320 bilhões. São lucros e dividendos que, uma vez distribuídos, desde 1995 sequer pagam impostos. É um dreno poderoso.
Thomas Piketty abriu a caixa do capitalismo moderno para constatar que no século XXI rende mais fazer aplicações financeiras do que investir na produção. E o dinheiro segue naturalmente para onde rende mais. O capitalismo do século passado, que tanto criticávamos por explorar os trabalhadores, pelo menos investia, produzia bens e serviços de razoável utilidade, gerava empregos e pagava impostos. O do século XXI não investe, não produz e sequer paga impostos. David Harvey diz corretamente que não se trata de “capital no século XXI” e sim de patrimônio, porque não retorna ao processo produtivo senão marginalmente.
Sem entrar em excessivos detalhes, lembremos que a tributação no Brasil não só não corrige os desequilíbrios, como os agrava, pela estrutura regressiva na cobrança dos impostos e favorecimento dos mais ricos na alocação. E também que, segundo o Tax Justice Network, o Brasil tem cerca de 520 bilhões de dólares em paraísos fiscais, mais de 2 trilhões de reais que nem produzem nem pagam impostos. Acrescentem o vazamento que representam as seguradoras, as pensões complementares e os planos de saúde – fundos que “aplicam” em vez de investir, e temos aqui mais uma obviedade: a nossa economia está vazando por todos os lados. Apresentamos esses dados, com detalhes e fontes, no nosso A Era do Capital Improdutivo, em texto impresso, online, em vídeos e em plataformas de discussão. É aritmética, só não vê quem não quer. Aliás, a capacidade de não ver pode ser impressionante.
Os americanos nos ajudam a ver. A revista Forbes, em edição especial de 2019, traz em detalhe quem são os 206 bilionários brasileiros. A importância deste levantamento é óbvia. Primeiro, porque é confiável, a revista é americana e entende de bilionário, a imprensa brasileira não faz levantamentos deste tipo. Segundo, é um artigo em que os donos das fortunas, felizes em aparecer na Forbes, em vez de se esconder e de esconder como chegam às fortunas, aparecem sorridentes e orgulhosos. Afinal, é uma a revista que já explicita para quem é escrita: acima das manchetes, recomenda-se aderir à “Forbeslife – carros, jatos e iates: chegou a hora de escolher o seu”. Sim, caro leitor, o artigo que aqui analiso não foi escrito para você, foi escrito para eles mesmos, os bilionários. A nós interessa muito, pois este grupinho de bilionários constitui o lastro do poder real, o deep power do país. E representa um poder impressionante de sucção dos recursos financeiros.
Tomemos o número 2 da lista, Joseph Safra. Hoje, Joseph “tem um império bancário que leva seu nome: é dono do Banco Safra (Brasil), do J.Safra Sarasin (Suíça) e do Safra National Bank (EUA). É dono, ao lado do bilionário José Cutrale, da gigante Chiquita Brands, maior produtora de bananas do mundo”. Ter um pé na Suíça é ótimo para um banco, todos eles hoje têm pés em paraísos fiscais. Outro pé nos Estados Unidos ajuda, faz parte da articulação com a nossa economia. E Chiquita é o nome simpático hoje adotado pela antiga United Fruit, que de tantos crimes, golpes e mortes – é a empresa de bananas que aparece em Cem Anos de Solidão – decidiu mudar de nome. Mas o essencial para nós é que o patrimônio do Joseph Safra é de R$ 95,04 bilhões, e que nos meses entre março de 2018 e março de 2019 aumentou em R$ 19,31 bilhões. Sem precisar produzir nada, apenas amealhando dividendos. É o que Marjorie Kelly (e tantos outros) hoje chamam de “capitalismo extrativo”. São 19 bilhões, dois terços do Bolsa Família, em 12 meses, para uma pessoa.
O artigo apresenta a imagem de conjunto: em 2012, tínhamos no Brasil 74 bilionários, que dispunham de uma fortuna total de 346 bilhões de reais. Em 2019, são 206 bilionários, com uma fortuna total de R$ 1.205,8 bilhões (17,7% do PIB brasileiro). Como se acelerou de maneira tão dramática o enriquecimento dos bilionários no Brasil? Implicaria, imaginamos, um crescimento dinâmico da economia? Sabemos, na realidade, que desde 2013, que é quando, com manifestações e boicote, começa o ataque generalizado ao modelo distributivo, o PIB do Brasil não só não cresceu como, depois de dois anos de recessão em 2015 e 2016, continua paralisado.
Estão, para dizê-lo claramente, se entupindo de dinheiro. Não ver a relação entre o enriquecimento dos mais ricos e a paralisia da economia sugere analfabetismo econômico. O dinheiro não pode simultaneamente alimentar ganhos especulativos e evasão fiscal e financiar investimentos produtivos. Entre março 2018 e março 2019, os bilionários brasileiros aumentaram a sua fortuna em R$ 230,2 bilhões, 8 vezes o Bolsa Família. A economia brasileira cresce menos de 1%, sequer acompanha a progressão demográfica, implicando uma queda do PIB per capita do país. Há seis anos disseram que estariam “consertando” a economia. Na realidade, estão drenando.
Analisando um por um os bilionários, é impressionante a dificuldade de se encontrar alguém que produza algo. Seguindo as classificações do próprio artigo, basicamente, trata se de donos de bancos, de holdings financeiras, de acionistas e controladores acionários, de fundos de investimento (no sentido virtual de “investimento”, naturalmente), de donos de cotas acionárias, de holdings familiares, de “investidores”, e aparece até um “proprietário de terras cultivadas” (fortuna 118). Naturalmente não se trata de Jorge Luiz Silva Logemann, dono desta fortuna de R$ 2,68 bilhões, efetivamente se aproximar das terras cultivadas…
Já vimos acima como em 12 meses Joseph Safra aumentou a sua fortuna em R$ 19 bilhões. Mas a instituição de Roberto Balls Sallouti, a BTG Pactual Holding, “só no segundo trimestre de 2019, anunciou um salto de 56% no lucro líquido, para R$ 971 milhões. Sallouti é membro do conselho de administração do Mercado Livre” (fortuna 116). Associar este pequeno clube de magnatas financeiros que drenam as capacidades produtivas do país ao conceito de “mercado livre” é de causar arrepios a quem já leu Adam Smith. Aliás, vários bilionários aumentaram as suas fortunas na esfera do BTG Pactual. É bom lembrar que o banco tem 38 filiais em paraísos fiscais, e tem como atividade principal gestão de fortunas, tecnicamente asset management.
A análise detalhada das 206 fichas que este dossiê da Forbes apresenta é muito produtiva, pois constatamos que não só se trata de gigantes de intermediação, na realidade atravessadores das atividades produtivas, como estão intensamente interligados. Vamos encontrar, no imenso dreno econômico que representa o Itaú, pelo menos 13 das grandes fortunas apresentadas no relatório. No conjunto, são poucas famílias, muito interligadas, e constituindo um poderoso cluster de poder financeiro e político. Drenam as capacidades econômicas da população, das empresas produtivas e do próprio Estado. A leitura deixa claro por que este país com tantos ricos está paralisado.
Frente ao dreno geral deste capital improdutivo, atribuir os nossos problemas aos velhinhos que envelhecem demais e criariam problemas no orçamento é francamente um insulto à inteligência elementar. Lembrando que temos apenas 33 milhões de pessoas formalmente empregadas no país, para uma força de trabalho de 105 milhões – ou seja, só 31% do total. E temos 37 milhões em atividades informais, o que somado aos 13 milhões de desempregados, significa que 50 milhões de trabalhadores estão fora do sistema. A solução não está no apertar o cinto, austeridade para os que já estão na austeridade, mas cobrar os impostos devidos dos que ganham sem produzir, pois talvez, ao ver as suas fortunas tributadas, se interessem por fazer algo de útil. No essencial, o que precisamos é produzir. O empresário efetivamente produtor não precisa de discurso ideológico ou de “confiança”: precisa de famílias com poder de compra, para ter para quem vender, e de juros baixos para poder investir. Neste Brasil de grandes parasitas, ele não tem nem uma coisa nem outra.

PEDRO DORIA O tuíte de Bolsonaro, OESP

Seria engraçado, se não fosse trágico. Na semana passada, uma penca de contas de Twitter publicaram um mesmo post. Contava, com as mesmas palavras e vírgulas, a história da família de um porteiro indignado porque ele teria morrido num acidente mas, na certidão de óbito, foi posto Covid-19. Quem lê o tuíte, muitas vezes, não percebe que se trata de um robô. O que vê é um testemunho pessoal. Sai com a impressão de que, talvez, exista algo de falso na estatística dos mortos pelo novo coronavírus. Uma conspiração tenta aumentar artificialmente o impacto da pandemia. A história, evidentemente, é falsa. Na verdade, por conta da falta de testes, o problema é justamente o contrário. Muita gente está morrendo da nova doença mas, sem a certeza, o registro só indica pneumonia. Robôs, assim como sua versão humana — as pessoas pagas para publicar em diversas contas falsas da rede social —, custam dinheiro. Está em curso uma campanha paga cujo objetivo é desinformar. Não surpreende, claro. Nos habituamos. Faz parte do cenário político corrente.
O primo do porteiro tbm, ele morreu pq o pneu estourou na cara dele. Vocês todos moram nesse mesmo prédio?
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Mas isso pode estar mudando. A decisão pelo Twitter, logo seguida por Facebook e Instagram, de apagar posts do presidente Jair Bolsonaro são marcos importantes. Já haviam feito antes, com Nicolás Maduro, da Venezuela. Só que ninguém presta muita atenção em Maduro. Trata-se de um ditador mambembe. Com Bolsonaro é diferente. Ele atua seguindo o modelo do presidente americano, Donald Trump. Até há pouco, as redes sociais adotavam por política não questionar o que publicam políticos importantes, incluindo chefes de Estado. Só que o coronavírus os forçou a rever esta decisão.
Há um dilema, claro. Afinal, se uma pessoa recebeu votos a ponto de ser elevada a um cargo público, o alcance de sua voz foi ampliado por decisão democrática. Quem tem o direito de calar esta voz? Dilema semelhante vivem os repórteres que, diariamente, cobrem à porta do Alvorada as coletivas informais de Jair Bolsonaro. Estão ali, em essência, para serem ofendidos e extrair pouca informação. Mas ele é o presidente da República e o trabalho de repórter é levar sua voz a leitores e espectadores. É direito dos brasileiros saberem o que fala seu presidente, independentemente do que ele fala.
Só que personagens como Bolsonaro e Trump dão uma invertida nas normas democráticas padrão. Porque sua estratégia é a de alimentar desinformação. É de confundir. Aproveitam-se das fraquezas estruturais das redes sociais para distorcer o debate público. Estas fraquezas são duas. A primeira é que os algoritmos lançam à frente para mais pessoas tudo aquilo que gera indignação. E uma boa história falsa, como a do tal porteiro, entra neste pacote. A segunda fraqueza é humana — a hesitação, por critérios honestos e defensáveis, de apagar o que publica um presidente, ou mesmo um deputado.
Como se defende uma democracia se um dos grupos fortes que disputam espaço nela atua para quebrar o debate público? Na falta da capacidade de argumentar em defesa do indefensável, inventa fatos, distorce a realidade. Como, por exemplo, ignorar a quarentena alegando que o vírus não oferece perigo real. É só mais uma gripe que talvez até mate alguns, mas isso ocorre todo ano.

Quando as redes tomam a decisão de apagar o que publicou um presidente por ser falso, um limiar importante foi cruzado. A decisão de defender a democracia de quem a sabota foi tomada. Agora é só discutir quais os critérios para decidir quando pode e quando não pode desinformar. Será que terão coragem de fazer o mesmo com Donald Trump? A ver. Se sim, o Vale do Silício terá atingido maturidade política. Terá compreendido que a responsabilidade é também de suas empresas.