quinta-feira, 2 de abril de 2020

Coronavírus chega a 1 milhão de casos e altera rotina mundial, OESP

Paulo Beraldo, O Estado de S.Paulo
02 de abril de 2020 | 16h54
A pandemia do novo coronavírus chegou nesta quinta-feira, 2, à marca de 1 milhão de pessoas infectadas e já tirou a vida de mais de 51 mil. O surto que começou na província chinesa de Hubei e foi declarado pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) após se disseminar para 181 países e regiões. Os mais impactados - Estados UnidosItáliaEspanhaChina e Alemanha - adotaram mudanças drásticas nos seus modos de vida - do trabalho à religiosidade
O presidente americano, Donald Trump, falou em possivelmente 100 mil mortes no país - mais que a soma das Guerras da Coreia e do Vietnã. A chanceler alemã, Angela Merkel, fez seu primeiro pronunciamento televisivo à nação em 14 anos de mandato, pedindo calma, solidariedade e união da maior potência econômica europeia frente ao "maior desafio desde a Segunda Guerra". 
Itália e Espanha têm, somadas, metade das mortes decorrentes do novo vírus. O prefeito do principal centro financeiro italiano, Milão, pediu desculpas por não ter entendido a gravidade da situação com antecedência. Mas da China vem um alento: a vida normal está sendo retomada aos poucos nas principais cidades do país mais populoso do planeta.  
A nova realidade, que se aproxima cada vez mais do Brasil, é de vazio: metrópoles geralmente abarrotadas agora com ruas sem pessoas, multas para quem desobedecer as medidas de restrição de circulação e de enfraquecimento da economia. A imagem da sempre lotada Times Square, em Nova York, a região mais populosa dos EUA e agora o centro da epidemia, não nega que os novos tempos chegaram. Até quando, não se sabe. 
ctv-tcv-afp 1qb2ce
Novo coronavírus alterou a rotina de bilhões de pessoas  Foto: Michal Cizek / AFP
Veja abaixo como o coronavírus mudou a vida em alguns países: 

Estados Unidos

Os EUA começaram a tratar o vírus com ceticismo. O presidente Trump desdenhava dos perigos do "vírus chinês", como tratou a ameaça por muito tempo. Mas, ao ver os números crescerem e o país se tornar o mais afetado pela covid-19, mudou. Estados aos poucos foram confinando suas populações e reuniões foram proibidas na cidade mais agitada do país, Nova York, com seus 8,6 milhões de habitantes. 
Trump exigiu, por meio da Lei de Proteção de Defesa, da época da Guerra da Coreia, que montadoras de veículos produzam respiradores pulmonares e os forneçam ao governo. Também promulgou um plano de US$ 2 trilhões para estimular a economia, naquela que foi a maior iniciativa federal de intervenção econômica da história americana.
enviou uma carta aos americanos pedindo que fiquem em casa. “Mesmo se você for jovem, ou saudável, você está em risco e suas atitudes podem aumentar o risco para outras pessoas. É importante que você faça sua parte para reduzir o espalhamento do coronavírus". 
ctv-b3n-xny-virus-3
Ruas de Nova York, uma das metrópoles mais movimentadas do mundo, estão praticamente vazias  Foto: Andrew Seng/The New York Times

Alemanha

Principal economia da Europa, a Alemanha viveu um momento histórico ao ver, na última semana, a chanceler Angela Merkel fazer um pronunciamento em televisão e rede pública à nação - o primeiro em 14 anos. Ela pediu união e destacou que todos os cidadãos terão um papel para conter o avanço do vírus. Escolas, lojas, restaurantes e teatros estão fechados no país. 
A Alemanha tem uma das taxas de mortalidades decorrentes do coronavírus mais baixas. Alguns motivos para essa taxa, inferior a 1%, são a elevada quantidade de testes, o tratamento dos infectados e o rastreamento de quem entrou em contato com uma pessoa que testou positivo. Esses também são isolados e colocados em quarentena. 
ctv-8nb-afp 1qc0kg
Pandemia do novo coronavírus já chegou a 180 países e territórios  Foto: Armend NIMANI / AFP

Itália

Desde 21 de fevereiro, quando registrou a primeira morte pela covid-19, a Itália viu crescer assustadoramente o número de casos. Em 2 de abril, o número de mortos chegava a 13.155 e mais de 110 mil infectados. Na semana passada, o prefeito de Milão, cidade mais rica do país, pediu desculpas por ter demorado para fechar a cidade, que registrou mais de 4.400 mortes. "Naquele momento ninguém tinha compreendido a gravidade desse vírus", admitiu. 
Apenas farmácias e mercados de alimentos podem funcionar no comércio italiano. Todas as escolas e universidades no país paralisaram suas atividades. Manifestações culturais, eventos religiosos e festivos foram suspensos. Apesar das estatísticas desanimadoras, a taxa de crescimento de novos casos de covid-19 cai no país europeu. Outro alento é que o vírus está mais concentrado no norte da nação, com menos força nas regiões central e sul. 
ctv-twv-20809925
Catedral de Milão totalmente esvaziada após crescimento do coronavírus no país  Foto: EFE/ANDREA FASANI

Espanha

Os quase 47 milhões de espanhóis têm visto o coronavírus se alastrar pelo país a uma velocidade maior que outras nações. A população está fechada desde 14 de março. No início da semana, o país teve mais de mil mortes em um dia. Já são mais de 1.000 mortes decorrentes da covid-19 em território espanhol. 
As regiões de Madri e da Catalunha, as duas mais ricas e industrializadas, também são as mais afetadas. A Espanha superou os 110 mil casos, mas tem visto o avanço da pandemia desacelerar. 
Coronavirus Espanha Mortos
Funcionário do cemitério de Santa Margarida de Montbui, em Barcelona, trabalha com roupa de proteção. Foto: EFE/Susanna Sáez

China

Local onde a pandemia começou, a cidade de Wuhan, de mais de 10 milhões de habitantes, já vê as medidas de confinamento serem flexibilizadas. A China, inclusive, é o país com mais casos de pacientes que se recuperaram do coronavírus: 76 mil. O total de infectados é de 82 mil, mas há ceticismo nesses números. 
Nesta semana, a agência Bloomberg mostrou que autoridades de inteligência dos Estados Unidos concluíram que a China ocultou a extensão do surto, subnotificando o total de casos e as mortes causadas pela doença. O país está preocupado com a possibilidade de um segundo surto surgir no país de 1,3 bilhão de habitantes, com a volta da possibilidade de estrangeiros visitarem o país e de pessoas que moravam lá temporariamente e voltaram para suas nações. 

América Latina

Autoridades de países como Argentina, Bolívia, Colômbia, Chile, México, Paraguai, Peru e Venezuela têm apostado em medidas de restrição de circulação de pessoas para conter a disseminação do vírus. Enquanto nações como o Chile optam pela quarentena progressiva, que vai aumentando dia após dia, outros como Argentina, Colômbia, México e Bolívia decidiram pelo fechamento total.
Quem for para a rua pode ser multado se não der explicações razoáveis para estar 'furando' a quarentena. A Argentina fechou suas fronteiras e estabeleceu uma quarentena obrigatória em 20 de março até pelo menos 12 de abril, com possibilidade de prorrogação. 
ctv-ya6-afp 1qa1cu
Vista aérea da Avenida 9 de Julho, a maior e mais movimentada de Buenos Aires Foto: RONALDO SCHEMIDT / AFP

Organizações internacionais

"Nos próximos dias, haverá 1 milhão de casos confirmados e 50 mil mortes". Foi esse o alerta do diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, em sua entrevista na quarta-feira 1, lembrando que a pandemia está se acelerando rapidamente.
A OMS, personificada em Tedros Adhanom, virou um dos nomes mais repetidos nos cinco continentes com seus alertas diários e recomendações de distanciamento social, realização de testes e táticas para enfrentamento do coronavírus. 
Nesta semana, Tedros Adhanom e os líderes da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e da Organização Mundial do Comércio (OMC) alertaram para o risco de haver escassez de alimentos. O documento alerta que as incertezas "podem gerar uma onda de restrições à exportação" e "escassez no mercado mundial". 

Lições de 1918: as cidades que se anteciparam no distanciamento social cresceram mais após a pandemia, El Pais

Em tempos insólitos e “inexperimentados” ―termo cunhado pelo brilhante filósofo espanhol Emilio Lledó para se referir a estes meses viróticos― convém mais que nunca olhar para trás, até um dos poucos precedentes em que podemos encontrar alguma luz sobre os efeitos econômicos de uma pandemia: a mal chamada gripe espanhola de 1918. Todas as precauções são poucas: o mundo e a economia mudaram, e muito, desde então. Mas a epidemia de gripe no início do século passado, segundo estimativas dos pesquisadores Sergio Correia, Stephan Luck e Emil Verner, também deixa algumas lições válidas para se enfrentar o choque econômico do coronavírus. Entre elas, que as cidades que se anteciparam na adoção de medidas de distanciamento social e foram mais agressivas em sua aplicação “não só não tiveram um desempenho pior, mas cresceram mais rápido quando a pandemia passou”. E que “intervenções não farmacológicas [entre elas, o fechamento de escolas, teatros e igrejas; a proibição de reuniões públicas e funerais; a colocação em quarentena dos casos suspeitos e a restrição nos horários de abertura dos negócios] não apenas reduziram a mortalidade, mas também mitigaram as consequências econômicas adversas da pandemia", concluíram os pesquisadores, os dois primeiros do Federal Reserve dos EUA e do Federal Reserve de Nova York e o terceiro, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
“Intervenções não farmacológicas podem ter retornos econômicos, para além da redução da mortalidade”, concluem os três pesquisadores no estudo, publicado na última quinta-feira e divulgado pela Bloomberg. A experiência “sugere” que as cidades que adotaram maiores medidas de distanciamento social “também cresceram mais no médio prazo”, o que os leva a concluir que a pandemia “deprimiu a economia, mas as intervenções de saúde pública, não”. Contudo, o estudo destaca as diferenças na hora de traçar paralelos entre aquele episódio de gripe e o coronavírus: o ambiente econômico estava marcado pelo final da Primeira Guerra Mundial e aquela doença foi muito mais letal do que a Covid-19, especialmente para os trabalhadores jovens, o que leva a pensar em um choque econômico maior naquela ocasião do que hoje. Por outro lado, hoje a economia está infinitamente mais interconectada, com cadeias de suprimentos transnacionais e um peso muito maior do setor de serviços e das tecnologias da informação, “fatores que não podem ser capturados na análise”, como reconhecem os autores.
A pandemia de gripe do início do século XX, que se prolongou de janeiro de 1918 a dezembro de 1920 e se espalhou por meio mundo, infectando 500 milhões de pessoas (um terço da população mundial na época) e matando 50 milhões, provocou uma redução média de 18% na produção industrial em escala estatal. As regiões mais expostas também registraram um maior volume de falências de empresas e famílias. “Esse padrão”, enfatiza o estudo ―intitulado, de forma contundente Pandemics depress the economy, public health interventions do not: evidence from the 1918 flu (Pandemias deprimem a economia, intervenções de saúde pública, não: evidências da gripe de 1918)―, “é consistente com a ideia de que as pandemias deprimem a atividade econômica por meio de reduções tanto na oferta como na distribuição de demanda. E, importante, as quedas na produção são persistentes: as áreas mais afetadas permaneceram deprimidas em relação às menos expostas até 1923”.
Por que medidas restritivas estão associadas a uma melhor saída da economia do buraco? É verdade, afirmam Correia, Luck e Verner, que estas "restringem a atividade econômica". “Mas, em uma pandemia, a atividade econômica também se reduz sem elas, já que as famílias diminuem o consumo e a oferta de trabalho para evitar serem infectadas. Portanto, essas medidas podem resolver problemas de coordenação associados ao combate à transmissão da doença e mitigar a ruptura econômica vinculada à pandemia", acrescentam. Segundo suas cifras, uma reação 10 dias antes da chegada da gripe aumentou o emprego na indústria em cerca de 5% no período posterior à doença. E a ampliação das medidas de distanciamento social por mais 50 dias elevou essa taxa de emprego industrial em 6,5%.

Difícil saída em V da crise

"A lógica econômica em tempos de pandemia, hoje e na época, simplesmente difere da lógica econômica em tempos normais", esclarece Verner por telefone. "Uma pandemia é economicamente tão destrutiva em si mesma que medidas restritivas, se bem projetadas, ajudam a reduzir o golpe". Pode-se aprender alguma coisa com a pandemia de 1918 com relação ao tempo que levará para a recuperação da atividade? "Não é fácil tirar conclusões contundentes e é preciso que sejamos prudentes, mas, se a experiência da época sugere alguma coisa, é que a saída em V [queda rápida, recuperação rápida] será difícil: o impacto provavelmente será mais duradouro e a saída mais provável, em forma de U ou W”, acrescenta o professor do MIT.
A “evidência dos relatos”, destaca a pesquisa, sugere alguns paralelos entre os resultados obtidos no estudo da epidemia da gripe e o da pandemia de coronavírus registrada neste período inicial de 2020: países que aplicaram medidas de distanciamento social em um estágio inicial da pandemia, como Taiwan e Cingapura, “não só limitaram o crescimento da infecção: também parecem ter mitigado a pior disrupção econômica causada pela pandemia”. As lições hoje vêm do Oriente.

Roberto Dias Nem teleprompter salva Bolsonaro da confusão, FSP


Em um mês, Jair Bolsonaro convocou quatro cadeias nacionais de TV para falar sobre o coronavírus. A única mensagem em comum entre elas foi o pedido final de bênção ao Brasil, mas até para Deus as palavras foram diferentes a cada aparição presidencial.
Se deve estar difícil para Ele, imagine para os brasileiros. Bolsonaro descobriu o teleprompter, mas a população ainda não sabe o que ele quer.
No primeiro discurso, ele disse que "seguir rigorosamente as recomendações dos especialistas é a melhor medida de prevenção". O segundo teve como foco os atos de rua pró-governo. No terceiro, o mais agressivo, os alvos foram os governadores, a mídia e o fechamento de escolas. Já o quarto, nesta semana, levou à tela alguém muito parecido com Bolsonaro, mas que falava coisas bem diferentes das dele; pacto para salvar vidas foi a mensagem central.
Família assiste a pronunciamento da chanceler alemã, Angela Merkel, durante avanço do coronavírus - Fabrizio Bensch-18.mar.20/Reuters

Em todos, o cálculo político prevaleceu sobre a orientação às pessoas. Somados os outros canais de comunicação, a confusão se agrava.
Ao discurso usado para pedir que as pessoas não se aglomerassem se seguiu a ida do presidente aos protestos. Horas depois da fala que pediu união, fez post atacando governadores, depois apagado. A instalação de Carlos Bolsonaro dentro do Planalto decerto não vai aumentar a clareza.
Esta crise oferece um ótimo campo para comparar os líderes mundiais. Bolsonaro se destaca do lado negativo, e não é fácil conseguir isso.
Na outra ponta, talvez ninguém figure tão bem como a alemã Angela Merkel. Seu histórico na TV é oposto ao de Bolsonaro —a crise a obrigou a fazer seu primeiro discurso em 14 anos como chanceler. A mensagem saiu límpida. Disse que é o maior desafio desde a Segunda Guerra e a população precisa ajudar. Ela explicou a franqueza. "Estou falando a vocês dessa forma incomum porque quero contar o que me guia neste momento como chanceler. Isso é parte de uma democracia aberta:"‚que nós expliquemos nossas decisões políticas e as deixemos transparentes."
Roberto Dias
Secretário de Redação da Folha.