sábado, 21 de dezembro de 2019

A proposta de extinguir municípios com menos de 5.000 habitantes é adequada? SIM e NÃO

Anexação a cidades maiores levaria a ganhos de eficiência

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Entre as principais amarras para a geração de riqueza no país e a consequente retomada do crescimento estão o peso e o custo do Estado brasileiro. As medidas que resultem em redução do aparato burocrático do governo e tragam diminuição dos seus gastos são muito bem-vindas. 
O partido Novo tem adotado essa postura nas suas ações no Executivo e no Legislativo. O corte de privilégios e mordomias, a redução de secretarias, de assessores e a não utilização de recursos públicos para campanhas eleitorais são diferenciais da nossa atuação.
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O presidente do partido Novo, João Amoêdo, candidato à Presidência da República em 2018 - Gabriel Cabral - 22.mai.19/Folhapress
O cidadão brasileiro tem avançado no entendimento de que um Estado inchado e intervencionista serve apenas aos interesses dos que desejam se perpetuar no poder. A existência e a criação de estatais, o enorme número de assessores, a proliferação de cargos comissionados, a demanda contínua e crescente de recursos públicos para partidos políticos e a abertura de novos ministérios, autarquias, secretarias e municípios são alguns exemplos do modelo seguido. 
As justificativas são sempre genéricas, como a importância estratégica, o custo da democracia, um melhor atendimento ao cidadão etc. Mas os resultados são conhecidos: elevada carga tributária, serviços essenciais de péssima qualidade e desequilíbrio das contas públicas.
Trabalhamos hoje 153 dias por ano para pagar impostos e temos muito pouco retorno. 
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Nesse sentido, a proposta da equipe econômica do governo de anexar cidades com menos de 5.000 habitantes e que não conseguem se sustentar ainda precisa ser melhor detalhada, mas caminha na direção correta da reversão desse cenário. 
 
diagnóstico atual sobre os municípios com menos de 5.000 habitantes não deixa dúvidas: a receita própria equivale a apenas 7% da receita total, e o pagamento dos salários de prefeitos, vereadores e secretários consome 21% de todo o orçamento das cidades. Com a incorporação desses municípios, a economia anual com prefeituras e Câmaras de Vereadores seria de R$ 3,9 bilhões. Essa despesa hoje significa menos dinheiro para escolas, professores, hospitais, médicos, enfermeiros, guardas municipais e piores serviços básicos para o cidadão. 
Os argumentos de que esses municípios são dependentes de empregos públicos ignoram o fato de que “não existe almoço grátis”, e que quem produz riqueza para a sociedade é o cidadão, e não o Estado. Com menos dinheiro na mão das pessoas e mais gastos com as burocracias municipais, a capacidade dos cidadãos de empreenderem e gerarem renda de forma sustentável fica comprometida.
Outra desinformação resulta no seguinte questionamento: “Com o fim da minha cidade, onde irei morar?”. Na verdade, os municípios seriam anexados por cidades maiores e transformados em distritos. Haveria um ganho de eficiência na gestão. Em vez de duas secretarias de Educação, por exemplo, teríamos apenas uma, evitando duplicidade de funções, atendendo melhor o cidadão, reduzindo custos e, consequentemente, gastando com o que é prioritário. O corte de recursos para bancar estruturas desnecessárias resultaria em mais dinheiro para ser investido nas áreas essenciais ou para permanecer no bolso do cidadão. 
 
Sou a favor do principio da subsidiariedade e, portanto, de um novo pacto federativo, que distribua mais recursos e poder aos municípios. 
Porém, o caminho para avançarmos neste ponto não é com mais políticos, cargos comissionados, secretarias, prefeituras e câmaras, mas sim com mais eficiência na gestão pública, menos impostos e mais liberdade para o cidadão.
João Amoêdo
Engenheiro e administrador de empresas, é presidente do partido Novo; foi candidato à Presidência da República pela legenda em 2018

Projeto ignora realidades locais e impacto na vida dos cidadãos

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Quando se coloca em risco a autonomia de um terço dos municípios brasileiros com base em uma proposta que ignora a realidade local e os impactos aos cidadãos, é possível chamá-la de um novo pacto federativo? Isso é o que faz trecho da PEC 188/2019, o qual determina que serão incorporados a municípios limítrofes aqueles com menos de 5.000 habitantes que não atingirem, até 2023, o mínimo de 10% dos impostos municipais sobre a receita total.
Esse critério fiscal ignora indicadores como prestação de serviço à população e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Além disso, há um grande equívoco no que chamam de receita própria. É um erro considerar apenas ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis), IPTU e ISS como receita própria municipal. Outros tributos, arrecadados pela União e pelos estados, são fruto do que acontece em cada município do Brasil, como o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), o IR e o ICMS. Por pertencerem aos munícipes, são distribuídos aos entes locais por cota-parte —seguindo modelo instituído na Constituição de 1988.
O presidente da CNM (Confederação Nacional dos Municípios), Glademir Aroldi - Pedro Ladeira - 9.abr.19/Folhapress
Em termos socioeconômicos, destaca-se que os municípios que podem ser extintos possuem semelhante renda per capita aos demais, IDH maior, menor proporção de pobres e domicílios em situação de pobreza, maior participação nos pleitos eleitorais e maior geração de empregos formais e estabelecimentos empresariais.
Hoje, 1.217 municípios seriam extintos conforme os critérios da PEC. O impacto, no entanto, alcançaria 1.820 cidades, que teriam perdas de mais de R$ 7 bilhões ao ano no Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Isso porque, mesmo recebendo a população vizinha, não ocorre mudança de coeficiente. Ressalta-se ainda que, se a proposta considerasse todos os 5.568 municípios, 82% deles não cumpririam a exigência tributária da PEC, o que mostra como o critério estabelecido não considera a realidade municipal e não será a solução para os problemas enfrentados pelo país. 
O próprio governo federal, por meio do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, reconheceu em entrevistas à imprensa que a proposta é “incompatível do ponto de vista real”.
Com dimensão continental, o Brasil adotou um modelo federativo que deveria priorizar a gestão local para a execução da política pública, assim como fazem países da Europa. A Alemanha, por exemplo, com território que corresponde ao estado de Mato Grosso do Sul, possui mais de 11 mil municípios e um modelo descentralizado, onde o poder local é tido como o caminho para o desenvolvimento nacional. 
 
Aqui, no entanto, desde que foi promulgada a Constituição, os municípios aguardam a regulamentação do chamado pacto federativo. Nesse período, foram repassadas cada vez mais atribuições para os entes locais sem a devida contrapartida financeira e de corresponsabilidade. Com a desigualdade de distribuição da arrecadação, os municípios ficam com apenas 19% do bolo tributário, enquanto estados partilham 31%, e União, 50%.
A PEC tem pontos positivos, e o movimento municipalista os reconhece, mas falha gravemente ao propor que mais de 33 milhões de habitantes de 1.820 municípios brasileiros sejam diretamente prejudicados com a extinção e a incorporação dessas localidades.
 
Os prejuízos, caso a matéria seja aprovada da forma que foi apresentada, serão enormes, e vão além do aspecto econômico, envolvendo pessoas físicas e jurídicas. Precisamos, urgentemente, de um pacto federativo real. Essa é a luta permanente do movimento municipalista.
Glademir Aroldi
Presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), é graduado em gestão pública e ex-prefeito de Saldanha Marinho (RS) por três mandatos (1993-96 e 2001-

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

Desigualdade, Fernando Haddad, FSP

"Não olhe para nós procurando o fim da desigualdade social". A recomendação desnecessária feita pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, não poderia ser mais oportuna.
Um ano atrás, em entrevista ao Nexo Jornal ("Novo governo pode unir estabilidade e desigualdade"), afirmei que, nos quatro anos seguintes, a economia brasileira, até por inércia, cresceria em média 2,5% ao ano, comportamento que viria acompanhado de um aumento da desigualdade, em virtude das medidas econômicas que o governo tomaria.
Segundo estudo feito pelo Ipea, a faixa de renda dos brasileiros mais pobres, correspondente a 51,8% da população (provento mensal inferior a R$ 1.643,78), foi a única que perdeu renda (-1,67% em média) nos nove primeiros meses do governo Bolsonaro.
As razões apontadas são várias: não valorização do salário mínimo, inflação medida por faixa de remuneração maior para os mais pobres e precarização do mercado de trabalho. O apoio a Bolsonaro, em grande medida, é diretamente proporcional à renda.
Convém lembrar que parte do apoio a Bolsonaro entre os mais pobres se dá por razões não econômicas. Como apontei na mesma entrevista, num país como o nosso, um dos mais desiguais do mundo, políticas neoliberais exigem um substrato espiritual para se consolidarem, e a teologia da prosperidade serve como uma luva a esse propósito.
Ainda que um ou outro charlatão opere o milagre da transubstanciação do dízimo em dividendos, a base neopentecostal, que em breve sobrepujará a católica, deve ser respeitada como interlocutora permanente no sentido da valorização dos ideais republicanos que devem pautar a relação entre Estado laico e religião, prevenindo a manipulação politica da fé.
Mais do que isso. Esse diálogo não pode prescindir do debate das medidas econômicas que vêm sendo anunciadas. Algumas foram abandonadas ou postergadas, como o regime previdenciário de capitalização e a tributação do seguro-desemprego. Outras estão em curso ou em discussão, como a política de congelamento do salário mínimo e a reoneração dos produtos da cesta básica.
Este governo não tem nenhum compromisso em enfrentar o maior de todos os nossos problemas. A elite econômica deste país tampouco. Todos os presidentes que tentaram combater a desigualdade foram tachados de populistas e defenestrados da vida pública, e os ajustes sempre se fizeram sobre os que menos têm, preservando os privilégios de uns poucos.
Esses privilégios, nem os governos progressistas conseguiram reverter até agora.
Nada é tão permanente entre nós do que a desigualdade, um pesadelo que vale a pena encarar.
Fernando Haddad
Professor universitário, ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e ex-prefeito de São Paulo.