sábado, 3 de novembro de 2018

Ao escolher Sergio Moro, Bolsonaro terceiriza uma de suas principais bandeiras eleitorais, FSP

Pedro Ladeira/Folhapress
Renato Sérgio de Lima
A escolha de Sergio Moro para a superpasta da Justiça e da Segurança Pública está sendo objeto de múltiplas discussões sobre a figura do ainda juiz federal responsável pela Operação Lava Jato. Porém, pouco foi dito sobre o fato de que, ao escolher Moro, um dos símbolos atuais do combate à corrupção no país, o presidente eleito terceirizou a segurança pública que, ao contrário da economia, sempre foi a área vendida como aquela na qual ele teria maior familiaridade e competência técnica e que ajudou a elegê-lo.
Na medida em que Sergio Moro terá “carta-branca” e concentrará poderes e atribuições do Executivo federal, Jair Bolsonaro cria um anteparo reputacional e afasta de si os eventuais impactos de uma agenda que só tem sido de problemas nas últimas décadas e que pouco pode ser solucionada pelas propostas feitas durante a Campanha.
As propostas do então candidato na segurança carecem de evidências sobre sua eficácia e eficiência na redução da violência e, agora, ele se desresponsabiliza por coloca-las em prática e cria o ambiente adequado para que a Presidência da República module politicamente a narrativa sem se preocupar com a efetividade da implementação das políticas públicas – Bolsonaro poderá inclusive dizer que colocou o xerife mais temido do país para cuidar da área.
E, mais do que isso, ao optar e priorizar politicamente o combate à corrupção e ao crime organizado em detrimento da coordenação federativa da segurança pública, do sistema prisional e da repressão qualificada à violência, o governo Bolsonaro não só terceiriza a área para Sérgio Moro, mas cumpre outra promessa de campanha e reforça um modelo federativo que delega a questão da criminalidade comum aos estados e Distrito Federal, confirmando a afirmação do General Augusto Heleno no Programa Roda Viva, de 31 de agosto, na TV Cultura, onde ele disse que polícia é problema dos governadores – agradando por tabela Paulo Guedes já que isso também significaria, em tese, menor pressão por recursos.
A escolha de Moro também significa um duro golpe nas pretensões da bancada da segurança pública, que muitos preferem chamar de “bancada da bala”. Vale lembrar que a opção por um superministério e a incerteza sobre o SUSP (Sistema Único de Segurança Pública) vão contra a ideia de um ministério específico para a segurança pública, defendida pelo Deputado Alberto Fraga, um dos até aqui mais próximos aliados do presidente eleito.
As pautas que devem avançar são aquelas de apelo populista mas que não ofereçam ruídos na base de sustentação do próximo governo. Assim, muitas das demandas históricas de reorganização do sistema de segurança pública são deslocadas do centro das expectativas dos grupos que ajudaram a eleger Jair Bolsonaro e caberá ao novo ministro dispor as peças do tabuleiro da disputa entre as várias corporações e segmentos profissionais.
A batata quente sai das mãos do presidente eleito. Em nome de um projeto de poder, Bolsonaro parece que abrirá mão da agenda imediata de seus aliados de primeira hora, deixando a dúvida central do que ele fará com as aposentadorias dos militares e dos policiais na reforma da previdência, que o mercado financeiro precifica como o maior de todos os desafios da gestão Bolsonaro.
Mas não para aqui: autonomia da Polícia Federal e/ou das Perícias Criminais; implementação do Ciclo Completo de Policiamento (uma única polícia assume um caso do começo ao fim); criação de carreiras únicas nas organizações policiais (a única polícia com carreira unificada é a Polícia Rodoviária Federal); piso salarial para os policiais; fixação de mandatos para os Chefes de Polícia ou Comandantes Gerais, são só alguns dos temas que os policiais que ajudaram na campanha de Bolsonaro tinham a expectativa de serem enfim apreciados e que agora vão ter que ser renegociadas as prioridades com Sérgio Moro.
Além disso, pouco se sabe sobre a capacidade de Sergio Moro em montar uma equipe qualificada em tantas áreas e, com certeza, ele terá que contar com sugestões e contribuições de vários setores. Isso não seria problema se não fosse o histórico de disputas corporativistas e de posições de poder encasteladas na burocracia pública. Ao tentar acomodar múltiplas posições e interesses, o risco é o de paralisia decisória e de execução – o ministro mandará mas não terá tempo de monitorar o que foi solicitado e, com isso, o que e quando será executado dependerá dos micropoderes da opaca burocracia federal.
E, pela sua experiência como juiz federal, é mais provável que ele ouça mais os setores que lhe são mais próximos da Polícia Federal, reforçando a posição dos Delegados de Polícia Federal, que têm, em geral, uma pauta bastante oposta, por exemplo, aos demais policiais federais, que contam, por sua vez, com o apoio de Eduardo Bolsonaro, escrivão da PF licenciado.
Para evitar tais divididas, Bolsonaro joga no colo de Moro e dos Governadores o problema mas, como Presidente, poderá usufruir dos benefícios e bônus caso a violência seja reduzida. Ele jogou parado na campanha eleitoral e continuará jogando desta forma, posicionando-se apenas na hora do gol. À semelhança de Trump e da intelectualidade norte americana, o establishment brasileiro tropeçou na análise das reais capacidades de sobrevivência política de Jair Bolsonaro.
Para setores da mídia, da sociedade e dos partidos políticos que achavam que o presidente eleito era um parvo, ele deu mostras do porque está no parlamento faz quase três décadas. A escolha de Sergio Moro parece que será, ao que tudo indica, apenas um dos aperitivos do modo Bolsonaro de governar. Em Brasília, nada é somente aquilo que parece ser…

História da Revolução Paulista de 1924 emerge no rio Paraná, FSP

Airton Donizete
MARINGÁ (PR)
Ismael Alves Esmanhoto, 51, pequeno empresário em Santa Isabel do Ivaí, no noroeste do Paraná, comprou um barco que um pescador retirara do rio Paraná. Apaixonado por história, começou a pesquisar a origem da embarcação e descobriu que pertencera à Revolução de 1924.
O advogado e professor de história Getúlio Braz Anzilieiro, 71, de Nova Londrina, a 65 quilômetros de Santa Isabel do Ivaí, confirmou a origem do barco, retirado em 2009. Ele disse que poderia haver outros do mesmo porte naufragados no local em que o encontraram nas proximidades da divisa de São Paulo com Mato Grosso do Sul, a 40 quilômetros de Porto Rico.
Com equipamentos de mergulho e ajudantes, Esmanhoto foi ao local e achou mais um barco, idêntico ao primeiro. De estruturas metálicas, apelidados de chatas, ambos têm 16 m de comprimento e 4 m de largura. No momento da retirada, estavam a cerca de 7 m de profundidade. Ele disse acreditar que haja mais barcos no local.
Anzilieiro disse que os revoltosos da Revolução Paulista de 1924, na descida do rio Paraná, se confrontaram com soldados legalistas e jagunços comandados por um bandoleiro chamado Quincas Nogueira.
Camuflados nas margens do rio, eles dispararam contra os rebeldes, que vinham de São Paulo. “Não há fontes seguras, mas [estima-se que] centenas de pessoas morreram nesse trecho de rio”, afirmou.
Juarez Távora, um dos comandantes dos revoltosos, conta em suas memórias “Uma vida e Muitas Lutas” que “uma força governista de cerca de 200 homens, comandada pelo capitão Dilermando Cândido de Assis, estava entrincheirada no porto São José, na margem paranaense, logo abaixo da foz do Paranapanema [que desemboca no Paraná]”.
Ele afirma que os rebeldes, na descida do rio, se dividiram: parte seguiu por terra, a pé, margeando o leito do rio, e parte em barcos. Távora descreve que a tropa governista se entrincheirou na outra margem do Porto São José, enquanto a artilharia afundaria, com tiros diretos, barcos ancorados no porto.
Para Anziliero, não há dúvida de que os barcos pertenceram à Revolução Paulista. A hipótese mais aceita é de que os rebeldes desceram o Paraná para se juntar a Luiz Carlos Prestes em Foz do Iguaçu, dando origem à Coluna Prestes. “Infelizmente, é um assunto pouco estudado”, disse, ressaltando o apelido da Revolução de 1924, chamada de “Revolução Esquecida”.
Balas encontradas em embarcação afundada no rio Paraná (Ismael Esmanhoto)
O professor critica a maneira como os barcos foram retirados do rio, sem acompanhamento de especialistas em resgates de objetos históricos submersos. “Infelizmente, perdeu-se muita coisa que ficou presa na areia no fundo do rio.”
Desde que foram retirados do rio Paraná, em 2009, os barcos da Revolução de 1924 permanecem num terreno da Prefeitura de Porto Rico cobertos por uma lona. O Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) impediu que Esmanhoto ficasse com eles.
O MPF (Ministério Público Federal) acionou o órgão exigindo restauração das embarcações e artefatos históricos e a construção de um espaço para abrigá-los.
Caso não cumpra as exigências, o MPF propõe multa diária de R$ 1.000 ao Iphan, que recorreu da ação. Balas, talheres, ferramentas e até pedaços de ossos humanos que estavam no interior dos barcos ficaram sob a guarda de Esmanhoto.
O Iphan os catalogou, e o MPF o nomeou fiel depositário dos achados. “Esperamos que essa questão jurídica se resolva porque não temos condições de abrigar e conservar as embarcações naquele local por tanto tempo”, disse o secretário de Turismo de Porto Rico, Christian Costa Begosso, 35.
A REVOLTA
A Revolução Paulista de 1924 foi a segunda maior revolta tenentista, que se estendeu de 5 a 28 de julho daquele ano. Os tenentes que dela participaram deram origem à Coluna Prestes, que marchou em torno de 25 mil quilômetros por várias partes do Brasil, chegando à Bolívia.
A crise econômica e a concentração de poder nas mãos de políticos de Minas Gerais e São Paulo desagradaram aos militares. Era uma luta contra o fim da República Velha, cujas principais reivindicações eram voto secreto, reformas no ensino público, poder político ao exército, fim da corrupção e destituição do presidente Artur Bernardes (1875-1955).
A revolta contou com a participação de mil militares e, para se proteger, pelo menos 300 mil pessoas se deslocaram de São Paulo durante o conflito. Os revoltosos, vencidos, marcharam rumo ao Sul do Brasil. Em Foz do Iguaçu, na tríplice fronteira fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai, se encontraram com oficiais gaúchos liderados por Prestes.

Uma virada à direita - FERNANDO GABEIRA, O Globo

O GLOBO - 29/10


Ganhar a eleição é difícil; derrotar forças poderosas, mais ainda. Mas dificuldades começam mesmo quando se chega ao governo



A roda rodou. Já vi muitos presidentes, subindo e descendo a rampa. Um deles descendo ao fundo da terra, Tancredo. Collor chegando e saindo de nariz erguido. Lula com tantas promessas.

Itamar, encontrei antes da posse, no Hotel Sheraton. Ele ainda não era o presidente, e eu tentava convencê-lo de que seria. Conheci Itamar desde a Rua Halfeld, a mesma onde Bolsonaro tomou a facada. Era um homem decente, tomava religiosamente uma sopinha ao entardecer. Ousou assinar o Plano Real.

Agora, sobe Jair Bolsonaro. Não foi uma rodada simples, dessas em que PT e PSDB se revezam. Foi mais ampla, como foi a de 64, só que agora sem Guerra Fria, num contexto democrático.

Senti a ascensão de Jair Bolsonaro. Impossível ignorá-la correndo o Brasil, observando as redes sociais. Quando levou a facada em Juiz de Fora, pensei: facada e tiro, quando não matam, elegem.

Se nossa cultura produziu essa certeza, isso quer dizer que a condenação da violência política tende a ser consensual. O presidente eleito deveria encarnar e expressar essa condenação. Não é um conselho, apenas uma leitura do Brasil. Os últimos dias de campanha foram ameaçadores. Prisão, desterro, banir da face da terra. Alta tensão. As universidades podem ser invadidas por ideias, não pela polícia.

O novo governo tem uma agenda brava, e só me resta usar esses meses de transição para estudar melhor e criticá-la com fundamento.

Outro campo de estudo se abre. A frase de Mano Brown — é preciso encontrar o povo — foi endereçada ao PT. Mas não vale também para o sistema partidário, a academia, a mídia, os especialistas? Como reconciliá-los com o homem comum?

Minha atitude com Bolsonaro será a que sempre adotei nos anos de convivência: respeito ao argumentar nos pontos divergentes e estímulo aos seus movimentos positivos. Alguns leitores condenam essa visão, sob o argumento de que normaliza a barbárie.

Mas se era assim com o deputado, por que não seria com o presidente, cujas ações mexem com nosso destino e com a imagem externa do Brasil?

Na minha visão de mundo, é impensável ofender os eleitores que escolheram outro caminho. O pressuposto é apostar na boa-fé da maioria do povo brasileiro.

Farei uma oposição sem truques ou medo, das que não visam ao poder. Apenas um desejo de ver o país retomando democraticamente os trilhos, um pouco também por filhos e netos. A sensação de continuidade ao lado da poesia são os territórios em que desafiamos a morte.

Ganhar a eleição é difícil; derrotar forças poderosas, mais ainda. No entanto, as dificuldades começam mesmo quando se chega ao governo. As qualidades para ganhar a eleição são diferentes das que impulsionam o governo. Para vencer, é preciso falar a linguagem do povo.

O grande talento nesse campo nem sempre nos socorre, quando a necessidade impõe grande esforço intelectual para a tomada de decisões. Da mesma forma, o tom agressivo de campanha é o inverso da generosidade que se espera de um eleito.

Bolsonaro não é um raio em céu azul. O panorama político no Brasil mudou. Pensadores de direita surgiram no cenário. Jovens liberais, propagandistas religiosos ocuparam as redes.

As manifestações de 2013 colocaram na rua multidões com uma aspiração difusa de melhores serviços. As de 2015 afunilaram na denúncia da corrupção, impulsionaram a queda de Dilma.

Uma esquerda, sem élan para se reinventar ou base teórica para vislumbrar o horizonte, tornou-se uma presa fácil no debate de ideias.

Foi uma campanha da era digital. Hoje, todos falam, compartilham. Baixo nível? Talvez. Mais democrático? Sem dúvida. Foi também facada, fake news, acusações, brigas entre famílias, amigos, ansiedade, tentativas de suicídio — um psicodrama nacional.

Fiz tudo para manter a cabeça fria. É natural levar caneladas dos dois lados. Caneladas e balas perdidas são parte do jogo.

Outro dia, alguém escreveu sobre mim: se ficar como ele, peço aos amigos que me ajudem numa eutanásia. Não tenho por hábito contestar essas coisas da rede. Nesse caso, a resposta seria simples: obrigado por morrer em meu lugar. É uma gentileza nesses tempos sombrios.

É preciso viver um pouco mais para ver um país mais tranquilo, fraternal. Não sou ingênuo a ponto de imaginar esquerda e direita de mãos dadas. Não se trata de lirismo. As emoções da campanha ofuscaram um pouco a gravidade de nossos problemas.

Agora, voltamos à vida real.