Renato Sérgio de Lima
A escolha de Sergio Moro para a superpasta da Justiça e da Segurança Pública está sendo objeto de múltiplas discussões sobre a figura do ainda juiz federal responsável pela Operação Lava Jato. Porém, pouco foi dito sobre o fato de que, ao escolher Moro, um dos símbolos atuais do combate à corrupção no país, o presidente eleito terceirizou a segurança pública que, ao contrário da economia, sempre foi a área vendida como aquela na qual ele teria maior familiaridade e competência técnica e que ajudou a elegê-lo.
Na medida em que Sergio Moro terá “carta-branca” e concentrará poderes e atribuições do Executivo federal, Jair Bolsonaro cria um anteparo reputacional e afasta de si os eventuais impactos de uma agenda que só tem sido de problemas nas últimas décadas e que pouco pode ser solucionada pelas propostas feitas durante a Campanha.
As propostas do então candidato na segurança carecem de evidências sobre sua eficácia e eficiência na redução da violência e, agora, ele se desresponsabiliza por coloca-las em prática e cria o ambiente adequado para que a Presidência da República module politicamente a narrativa sem se preocupar com a efetividade da implementação das políticas públicas – Bolsonaro poderá inclusive dizer que colocou o xerife mais temido do país para cuidar da área.
E, mais do que isso, ao optar e priorizar politicamente o combate à corrupção e ao crime organizado em detrimento da coordenação federativa da segurança pública, do sistema prisional e da repressão qualificada à violência, o governo Bolsonaro não só terceiriza a área para Sérgio Moro, mas cumpre outra promessa de campanha e reforça um modelo federativo que delega a questão da criminalidade comum aos estados e Distrito Federal, confirmando a afirmação do General Augusto Heleno no Programa Roda Viva, de 31 de agosto, na TV Cultura, onde ele disse que polícia é problema dos governadores – agradando por tabela Paulo Guedes já que isso também significaria, em tese, menor pressão por recursos.
A escolha de Moro também significa um duro golpe nas pretensões da bancada da segurança pública, que muitos preferem chamar de “bancada da bala”. Vale lembrar que a opção por um superministério e a incerteza sobre o SUSP (Sistema Único de Segurança Pública) vão contra a ideia de um ministério específico para a segurança pública, defendida pelo Deputado Alberto Fraga, um dos até aqui mais próximos aliados do presidente eleito.
As pautas que devem avançar são aquelas de apelo populista mas que não ofereçam ruídos na base de sustentação do próximo governo. Assim, muitas das demandas históricas de reorganização do sistema de segurança pública são deslocadas do centro das expectativas dos grupos que ajudaram a eleger Jair Bolsonaro e caberá ao novo ministro dispor as peças do tabuleiro da disputa entre as várias corporações e segmentos profissionais.
A batata quente sai das mãos do presidente eleito. Em nome de um projeto de poder, Bolsonaro parece que abrirá mão da agenda imediata de seus aliados de primeira hora, deixando a dúvida central do que ele fará com as aposentadorias dos militares e dos policiais na reforma da previdência, que o mercado financeiro precifica como o maior de todos os desafios da gestão Bolsonaro.
Mas não para aqui: autonomia da Polícia Federal e/ou das Perícias Criminais; implementação do Ciclo Completo de Policiamento (uma única polícia assume um caso do começo ao fim); criação de carreiras únicas nas organizações policiais (a única polícia com carreira unificada é a Polícia Rodoviária Federal); piso salarial para os policiais; fixação de mandatos para os Chefes de Polícia ou Comandantes Gerais, são só alguns dos temas que os policiais que ajudaram na campanha de Bolsonaro tinham a expectativa de serem enfim apreciados e que agora vão ter que ser renegociadas as prioridades com Sérgio Moro.
Além disso, pouco se sabe sobre a capacidade de Sergio Moro em montar uma equipe qualificada em tantas áreas e, com certeza, ele terá que contar com sugestões e contribuições de vários setores. Isso não seria problema se não fosse o histórico de disputas corporativistas e de posições de poder encasteladas na burocracia pública. Ao tentar acomodar múltiplas posições e interesses, o risco é o de paralisia decisória e de execução – o ministro mandará mas não terá tempo de monitorar o que foi solicitado e, com isso, o que e quando será executado dependerá dos micropoderes da opaca burocracia federal.
E, pela sua experiência como juiz federal, é mais provável que ele ouça mais os setores que lhe são mais próximos da Polícia Federal, reforçando a posição dos Delegados de Polícia Federal, que têm, em geral, uma pauta bastante oposta, por exemplo, aos demais policiais federais, que contam, por sua vez, com o apoio de Eduardo Bolsonaro, escrivão da PF licenciado.
Para evitar tais divididas, Bolsonaro joga no colo de Moro e dos Governadores o problema mas, como Presidente, poderá usufruir dos benefícios e bônus caso a violência seja reduzida. Ele jogou parado na campanha eleitoral e continuará jogando desta forma, posicionando-se apenas na hora do gol. À semelhança de Trump e da intelectualidade norte americana, o establishment brasileiro tropeçou na análise das reais capacidades de sobrevivência política de Jair Bolsonaro.
Para setores da mídia, da sociedade e dos partidos políticos que achavam que o presidente eleito era um parvo, ele deu mostras do porque está no parlamento faz quase três décadas. A escolha de Sergio Moro parece que será, ao que tudo indica, apenas um dos aperitivos do modo Bolsonaro de governar. Em Brasília, nada é somente aquilo que parece ser…
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