sábado, 3 de novembro de 2018

Kassab decide colocar general na presidência dos Correios, FsP

Julio Wiziack
BRASÍLIA
Em uma tentativa de alinhamento com o presidente eleito JairBolsonaro (PSL), o ministro Gilberto Kassab (Comunicações) decidiu trocar o comando dos Correios e nomear na presidência da estatal o general Juarez Aparecido de Paula Cunha.
O atual presidente, Carlos Fortner, será remanejado para uma diretoria dos Correios, onde ficará até o fim deste ano. Depois, deixa a empresa.
A informação foi divulgada pelo jornal Estado de S. Paulo e confirmada à Folha por Kassab. Atualmente, o general já preside o conselho de administração dos Correios.
“Fiz a troca para facilitar a transição”, disse Kassab.
“O Juarez é um general da área de ciência e tecnologia que se aposentou, e eu já tinha convidado para presidir o conselho dos Correios. Ele conhece o pessoal do Bolsonaro e pensei que isso ajudaria na transição.”
O ministro nega ter feito a mudança mirando um posto no novo governo. Disse que não combinou com a equipe do militar reformado.
Nas eleições, o PSD de Kassab anunciou neutralidade no segundo turno, mas integrantes do partido apoiaram Bolsonaro.
Ministro Gilberto Kassab em evento em São Paulo
Ministro Gilberto Kassab em evento em São Paulo - Reinaldo Canato -6.set.2018/Folhapress

Desdesarmamento, Opinião FSP

Entre as principais bandeiras do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), está a revisão do Estatuto do Desarmamento —uma lei, aprovada em 2003, que limitou as situações em que os brasileiros podem comprar armas de fogo e obterem licenças de porte.
Compreende-se o apelo da proposta, cujo objetivo declarado no programa de governo é "garantir o direito do cidadão à legítima defesa". As taxas de criminalidade no Brasil, afinal, mostram-se alarmantes, com agravamento em grande parcela dos estados.
Entretanto nada leva a crer que essa possa ser uma política eficaz de segurança pública.
Poucas questões vêm tão carregadas de ideologia quanto a da posse de armas. Para o pensamento à direita, trata-se do direito sagrado à autoproteção; à esquerda, considera-se que estabelecer controles rígidos sobre armamentos é vital para o controle da violência.
Encontram-se no mercado, ademais, estudos de solidez variável destinados a sustentar os diferentes posicionamentos.
Tal exuberância se faz possível porque a violência constitui, de fato, um fenômeno complexo e sujeito à influência de fatores culturais, sociais e até ambientais. Debater o tema fica ainda mais difícil quando os termos e objetivos não são definidos com precisão.
Pode-se afirmar, por exemplo, que com mais armas em circulação aumentam as ocorrências em que supostos criminosos têm sua ação frustrada por um civil.
Por outro lado, a restrição legal à posse de revólveres e assemelhados previne mortes evitáveis, seja em conflitos interpessoais, seja em acidentes. Este se afigura um propósito mais sensato.
Uma análise dos dados de mortes por armas de fogo nos EUA em 2012 mostrou que, para cada homicídio justificável (pelos critérios do FBI), ocorreram 34 assassinatos, 78 suicídios e 2 óbitos acidentais.
Outros trabalhos confirmam que possuir uma arma em casa aumenta significativamente a probabilidade de suicídio ou homicídio. Ainda que se trate de estudos americanos, suas conclusões essenciais podem ser aplicadas a outras sociedades, mesmo consideradas diferenças culturais relevantes.
Não é necessário encarar o Estatuto do Desarmamento como um dogma religioso. A lei, inclusive, já sofreu uma série de alterações nos últimos anos, todas no sentido da flexibilização. Mas seria um grave equívoco suprimi-la ou torná-la, na prática, irrelevante.
Numa política coerente e racional de segurança pública, cabe à polícia, não ao cidadão, usar a força para frustrar ações criminosas —e, convém lembrar neste momento, mesmo a repressão policial deve obedecer a regras e limites.

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Leonardo Boff diz que entende excesso de Ciro Gomes por seu caráter iracundo, FSP

Géssica Brandino
SÃO PAULO
O teólogo, filósofo e escritor, Leornardo Boff, 88, respondeu às declarações do ex-candidato à Presidência Ciro Gomes, que em entrevista à Folha o chamou de "um bosta" e "bajulador", além de insinuar que ele não havia criticado o mensalão e o petrolão. 
"Minha posição é dos filósofos, dentre os quais me conto: nem rir nem chorar, procurar entender. Entendo seu excesso a partir de seu caráter iracundo, embora na entrevista afirma que 'tem sobriedade e modéstia'", disse.

Frei Leonardo Boff visita acampamento montado no entorno da Polícia Federal, em Curitiba, para apoiar Lula - Theo Marques - 19.abr.2018/Folhapress
Apesar da fala de Ciro, Boff defendeu a participação do político numa "espécie de colégio de líderes, vindos das várias partes de nosso país continental, para que as resistências e oposições tenham sua base em vários estados e não apenas naqueles econômica e politicamente mais relevantes”.
Um dos iniciadores da teologia da libertação, Boff falou com a Folhapor email e fez uma análise sobre o papel da esquerda após a eleição de Jair Bolsonaro.
“Creio que agora a situação é tão dramática que precisamos de uma Arca de Noé onde todos nós possamos nos abrigar, abstraindo das diferentes extrações ideológicas, para não sermos tragados pelo dilúvio da irracionalidade”, afirmou.
Boff também disse a situação requer uma autocrítica. “Penso que todos os partidos têm que se reinventar sobre bases éticas e morais mais sustentáveis. Toda crise acrisola, nos faz pensar e crescer”. 
O teólogo, que fez uma declaração de voto em Fernando Haddad no dia 24 de outubro, a quatro dias do segundo turno, afirmou seramigo-irmão de Lula e criticou a decisão judicial que barrou a candidatura do ex-presidente, o que teria demonstrado, segundo ele, que o petista é “um prisioneiro político vivendo numa solitária”.
Como o senhor responde às declarações do ex-candidato à Presidência Ciro Gomes durante entrevista à Folha? Considero Ciro Gomes uma das maiores e imprescindíveis lideranças do Brasil. Ele é importante para a manutenção da democracia e dos direitos sociais. Ele ajuda a alargar os horizontes dos problemas que enfrentamos com o seu olhar próprio. O que faz e diz é dito e feito com paixão. Entretanto, a paixão necessária nem sempre é um bom conselheiro. Creio que foi o caso de sua crítica a mim chamando-me com um qualificativo que não o honra. Minha posição é dos filósofos, dentre os quais me conto: nem rir nem chorar, procurar entender. Entendo seu excesso a partir de seu caráter iracundo, embora na entrevista afirma que “tem sobriedade e modéstia”. Sigo a sentença dos mestres espirituais: "se não entender o que alguém diz a seu respeito tenha pelo menos misericórdia", virtude central do cristianismo assumida, decididamente, pelo Papa Francisco. Procuro viver essa virtude.
[Ciro questionou sua opinião sobre o mensalão e o petrolão]
Sobre o “mensalão” e o “petrolão” sempre fui crítico. Mostrei-o em meus artigos publicados no Jornal do Brasil online, onde escrevi, semanalmente, durante 18 anos. Todos eles estão no meu blog onde pode conferir (www.leonardoboff.wordpress.com). Aconselho ao ex-ministro que leia o livro que publiquei a partir da atual crise brasileira: “Brasil: concluir a refundação ou prolongar a dependência”, com 265 páginas, editado pela Editora Vozes neste ano. Leia, por favor, o capítulo “Os equívocos e erros do PT e o sonho de Lula", das páginas 89-96 e em outras passagens. Um intelectual, ciente de sua missão, não pode deixar de criticar malfeitos, venham de onde vierem. Assim o fiz em todo o tempo.
[Na entrevista Ciro o chama de bajulador]
Não me incluo entre os eventuais bajuladores de Lula. Nunca fui filiado ao PT por convicção, pois, o ofício do pensar filosófico e teológico não pode se restringir à parte, donde vem partido, mas deve procurar pensar o todo e a parte dentro do todo. Somos eu e Frei Betto (também não filiado ao PT) amigos de Lula de longa data, desde o tempo em que organizava as greves e a resistência à ditadura militar. Portanto, bem antes de ser político e Presidente. Todas as vezes que o encontrávamos em Brasília, eu e minha companheira Márcia, fazíamos-lhe críticas, por vezes tão duras por parte de Márcia que tinha que dar chutes em sua perna, por debaixo da mesa, para se moderar. Tanto ele como nós fazíamos as críticas como amigos sinceros fazem entre si. Os amigos se criticam olhos nos olhos para construir, os adversários o fazem pelas costas para destruir. E assim o entendia Lula. Somos amigos-irmãos que têm os mesmos sonhos e os mesmos propósitos fundamentais., Frei Betto era igualmente duro na crítica, não obstante a grande amizade que os unia e une. 
Após a eleição de Jair Bolsonaro, Fernando Haddad e Ciro Gomes têm disputado o protagonismo na liderança da oposição ao futuro governo. Ciro tem o direito de reivindicar esse papel?
 
Como não milito em nenhum partido, mas apoio a causa daqueles que pensam nos pobres e marginalizados, nos direitos das minorias políticas, e organizam políticas sociais de inclusão na sociedade. Estou convencido de que é essencial que haja uma grande frente política plural que se comprometa com os direitos citados acima. E que, tão imprescindível como essa, se constitua uma frente de valores ético-sociais utilizando ferramentas que eles não podem usar, como fraternidade, solidariedade, o direito de cada um ter um pedacinho de terra já que essa é a casa comum na qual todos devem caber, ter um teto, a renúncia a toda violência real ou simbólica, o direito de ser feliz numa sociedade na qual não seja tão difícil o amor. Sou a favor de uma espécie de colégio de líderes, vindos das várias partes de nosso país continental, para que as resistências e oposições tenham sua base em vários estados e não apenas naqueles econômica e politicamente mais relevantes.
Diante dessa disputa de protagonismo, como evitar a fragmentação da esquerda nesse cenário?
Infelizmente a fragmentação é uma característica das esquerdas, o que levou ao enfraquecimento das oposições. Creio que agora a situação é tão dramática que precisamos de uma Arca de Noé onde todos nós possamos nos abrigar, abstraindo das diferentes extrações ideológicas, para não sermos tragados pelo dilúvio da irracionalidade e das violências que poderão irromper a partir de uma liderança que tem como ídolo um torturador como Brilhante Ustra e que admira Hitler, o criador dos campos de extermínio em massa de milhões de pessoas. 
O partido dos trabalhadores errou ao insistir na candidatura de Lula para a Presidência? 
Não me cabe dizer se errou ou não. O PT tinha esperança de que se fizesse justiça a Lula e o Judiciário obedecesse a declaração da ONU de que a  Lula teria garantido o direito de ser candidato. Mas o arbítrio imperante não obedeceu a uma regra de tão alta instância. Vetou sua candidatura e quanto o saiba, até lhe sequestrou o direito de votar. O que demonstra ser de fato um prisioneiro político vivendo numa solitária.
Quais estratégias da esquerda precisarão ser revistas após o resultado das eleições?
Entramos numa fase, a meu juízo, de grandes desafios e tribulações, especialmente por parte da população mais vulnerável, dos homoafetivos e de outras minorias políticas, que, na verdade, são maiorias numéricas, como os negros e negras. E seguramente muitos intelectuais e artistas sofrerão perseguições e injúrias como já estão já ocorrendo. Temo uma onda de extermínio, vinda de cima, de grupos metidos com a droga e com violência organizada nas periferias de nossas cidades. Mas a situação modificada para pior, nos obrigará a todos a fazermos uma autocrítica e superar a perplexidade com a qual fomos tomados: por que chegamos a tal ponto de extremismo e de atitudes fascistas? Por que não fomos vigilantes? Onde erramos? Penso que todos os partidos têm que se reinventar sobre bases éticas e morais mais sustentáveis. Toda crise acrisola, nos faz pensar e crescer. Não deixemos que o caos seja somente caótico, mas como no universo, o caos pode ser gerador de formas mais complexas, no nosso caso, de formas mais altas de democracia e de consciência coletiva de nosso lugar no processo inevitável de planetização. Temos tudo para sermos uma grande nação nos trópicos, não imperial, mas aberta a todas as culturas, tolerante, jovial, hospitaleira, alegre. Com nossa riqueza ecológica somos destinados a ser  a mesa posta para as fomes do mundo inteiro.