sábado, 3 de novembro de 2018

Desdesarmamento, Opinião FSP

Entre as principais bandeiras do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), está a revisão do Estatuto do Desarmamento —uma lei, aprovada em 2003, que limitou as situações em que os brasileiros podem comprar armas de fogo e obterem licenças de porte.
Compreende-se o apelo da proposta, cujo objetivo declarado no programa de governo é "garantir o direito do cidadão à legítima defesa". As taxas de criminalidade no Brasil, afinal, mostram-se alarmantes, com agravamento em grande parcela dos estados.
Entretanto nada leva a crer que essa possa ser uma política eficaz de segurança pública.
Poucas questões vêm tão carregadas de ideologia quanto a da posse de armas. Para o pensamento à direita, trata-se do direito sagrado à autoproteção; à esquerda, considera-se que estabelecer controles rígidos sobre armamentos é vital para o controle da violência.
Encontram-se no mercado, ademais, estudos de solidez variável destinados a sustentar os diferentes posicionamentos.
Tal exuberância se faz possível porque a violência constitui, de fato, um fenômeno complexo e sujeito à influência de fatores culturais, sociais e até ambientais. Debater o tema fica ainda mais difícil quando os termos e objetivos não são definidos com precisão.
Pode-se afirmar, por exemplo, que com mais armas em circulação aumentam as ocorrências em que supostos criminosos têm sua ação frustrada por um civil.
Por outro lado, a restrição legal à posse de revólveres e assemelhados previne mortes evitáveis, seja em conflitos interpessoais, seja em acidentes. Este se afigura um propósito mais sensato.
Uma análise dos dados de mortes por armas de fogo nos EUA em 2012 mostrou que, para cada homicídio justificável (pelos critérios do FBI), ocorreram 34 assassinatos, 78 suicídios e 2 óbitos acidentais.
Outros trabalhos confirmam que possuir uma arma em casa aumenta significativamente a probabilidade de suicídio ou homicídio. Ainda que se trate de estudos americanos, suas conclusões essenciais podem ser aplicadas a outras sociedades, mesmo consideradas diferenças culturais relevantes.
Não é necessário encarar o Estatuto do Desarmamento como um dogma religioso. A lei, inclusive, já sofreu uma série de alterações nos últimos anos, todas no sentido da flexibilização. Mas seria um grave equívoco suprimi-la ou torná-la, na prática, irrelevante.
Numa política coerente e racional de segurança pública, cabe à polícia, não ao cidadão, usar a força para frustrar ações criminosas —e, convém lembrar neste momento, mesmo a repressão policial deve obedecer a regras e limites.

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