sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Bolsonaro barra Folha e outros jornais em primeira entrevista coletiva como presidente eleito, FSP

Luisa LeiteTalita Fernandes
RIO DE JANEIRO
Na primeira entrevista coletiva de Jair Bolsonaro (PSL) como presidente eleito, foram selecionados os veículos que poderiam participar. A Folha ficou de fora da lista de autorizados.
Bolsonaro recebeu a imprensa na tarde desta quinta-feira (1º) em sua casa, no condomínio Vivendas da Barra, zona Oeste do Rio.
Foram autorizados a entrar no local representantes de nove veículos: TV Globo, GloboNews, Band, Jovem Pan, Reuters, SBT, Record TV, UOL, Rede TV! e G1.
O presidente eleito, Jair Bolsonaro, durante entrevista coletiva com alguns veículos de imprensa, nesta quinta (1º) - Rodrigo Viga/Reuters
A reportagem da Folha, junto de outros veículos, como O Estado de S. Paulo, O Globo, Valor Econômico, CBN e EBC, não entrou. 
Na portaria, uma policial federal identificada apenas como Patrícia chamou os nomes que estavam numa lista previamente organizada.
Questionada pela reportagem, ela não soube dizer por que a Folha não constava na lista. "Autorização é de dentro para fora", limitou-se a dizer.
Ela afirmou que tentaria incluir o nome dos veículos que haviam sido barrados e, ao final, alegou limitação de espaço.
Bolsonaro recebeu um grupo de 21 jornalistas e, em alguns casos, um mesmo veículo estava representado por mais de um profissional. O UOL, empresa do Grupo Folha, tinha dois repórteres.
Uma foto mostrada à reportagem revela a existência de espaço livre no local onde a entrevista foi concedida.
Quando o capitão reformado ainda estava em campanha, a Folha presenciou a entrada de grupos grandes, como representantes da indústria, ruralistas e parlamentares da bancada da bala.
Ativo nas redes sociais, Bolsonaro não conta com uma assessoria de imprensa e, portanto, as entrevistas concedidas por ele são avisadas de última hora, muitas vezes por outros jornalistas.
Neste caso, a reportagem soube da possibilidade desta entrevista coletiva e fez o primeiro contato com Tércio Arnaud, assessor do gabinete do filho de Bolsonaro, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), e não obteve retorno.
Arnaud não atendeu as ligações nem respondeu aos pedidos para inclusão na lista de autorizados.
A primeira tentativa de credenciamento ocorreu por volta das 14h. Após ligações não terem sido atendidas, foram registradas mensagens via WhatsApp.
Após a entrevista, o assessor respondeu. Alegou que a restrição foi necessária por causa do espaço físico do local. "Tem a questão de a segurança PF não dar conta de revistar e fazer a segurança exata com tantos repórteres", disse.
Durante a entrevista, ao ser questionado sobre a restrição da entrada de alguns repórteres, Bolsonaro declarou: "A imprensa está muito diversificada, eu cheguei aqui graças às mídias sociais. Quem vai fazer a seleção de qual imprensa vai sobreviver ou não é a própria população".
"A imprensa que não entrega a verdade vai ficar para trás", disse. "Eu tenho a maior consideração por vocês, eu não mandei restringir ninguém não", afirmou. 
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'Nãos' à obra!, Leão Serva, FSP

Leão Serva
Terminadas as campanhas eleitorais, a relação de promessas no país inteiro talvez contenha mais obras para os próximos quatro anos do que todas as realizadas ao longo da história do Brasil, desde que Cabral mandou erigir o altar da primeira missa. Políticos brasileiros prometem obras. Nem sempre honram promessas, mas mesmo a pequena fração que será cumprida provocará grande estrago.

Faz cem anos que Washington Luís (1869-1957), um político fluminense estabelecido em São Paulo, adotou o lema "governar é construir estradas". O legado desse presidente da República é terrível: desde então, quase todo político brasileiro defende que governar é construir rodovias, prédios públicos, hospitais, escolas, creches, pontes, hidrelétricas, ruas, conjuntos habitacionais, torres, enfim, obras, obras, obras.

O exemplo recente mais aberrante desse distúrbio é a Cidade Administrativa de Minas Gerais, obra de quase R$ 2 bilhões, que substituiu toda a estrutura da administração estadual e concentrou os servidores em uma mesma sede faraônica, na periferia de Belo Horizonte. Desde a inauguração, milhares de funcionários públicos se concentram em longos congestionamentos para idas e vindas ao templo do desperdício.

Esses exemplos abundam no Brasil. Museus importantes queimam por falta de manutenção enquanto outros novos brotam por todo canto. Estradas esburacadas cobrem o território nacional e, ainda assim, novas rodovias estão em construção.

Já há várias décadas, estudo britânico concluiu que novas estradas produzem engarrafamentos que não existiriam sem elas. Levado ao governo, foi responsável pela suspensão do plano de rodovias de Margaret Thatcher (1979-1990). Não é por outra razão que as décadas passam e o sistema viário britânico tem tão poucas alterações.

Agora mesmo, o governo paulista, em fim de mandato, quer implementar um "Macroanel Rodoviário", com traçado três vezes maior que o Rodoanel Mario Covas, ainda inconcluso, mas já congestionado. O custo total ainda não foi definido, mas seu resultado os engenheiros de tráfego já sabem: ficará engarrafado cerca de dois anos após a inauguração.

Uma pessoa ingênua poderia achar que tudo é coincidência. Não é! As empreiteiras de obras públicas brasileiras se incluem entre as maiores do mundo. A investigação policial que as envolveu, a Lava Jato, é "o maior escândalo de corrupção do planeta". Obras públicas, na quantidade em que se realizam no Brasil, são uma jabuticaba determinada pela voracidade das empreiteiras em simbiose secular com governantes.

E, entre todas as obras, nada supera uma hidrelétrica em volume de recursos investidos. Por isso, a grande excitação por novas e mais longínquas hidrelétricas, apesar de as análises do fim do regime militar terem concluído que nosso parque hídrico já não compensa mais barragens.

O Tribunal de Contas da União já apontou mais de uma vez que a oferta de energia elétrica poderia ser ampliada com investimentos nos equipamentos já instalados. Novas turbinas e melhor aproveitamento dos reservatórios podem ampliar em 23% a produção de usinas com mais de 20 anos. Redução de perdas na distribuição pode gerar ganhos de 19,5%. Essas medidas, somadas, poderiam gerar oferta adicional correspondente a 2,5 vezes a produção de Belo Monte. Mas são providências cujos contratos não envolveriam as construtoras brasileiras, que não têm essa expertise. Será por isso que não ocorrem?

O Brasil só reduzirá a corrupção quando a gestão pública construir menos e administrar e usar melhor o que já está construído. E isso só ocorrerá quando a opinião pública finalmente disser "nãos" a obras!
Leão Serva
Jornalista, ex-secretário de Redação da Folha; administrador, com mestrado em administração pública, e doutor em comunicação e semiótica pela PUC-SP

    20 anos o Enem, FSP

    Prova apresenta uma configuração melhor do que o tradicional vestibular

    Inicia-se, neste domingo, mais uma edição do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que completa, em 2018, 20 anos de existência. Criado inicialmente para avaliar a qualidade desse nível de escolaridade, passou, a partir de 2009, a ser usado para entrada no ensino superior, com importante papel na democratização do acesso a instituições públicas e privadas de ensino terciário.
    Para tanto, mecanismos complementares foram criados, como o Prouni, que oferece bolsas para alunos de baixa renda, desde que obtenham certa pontuação no exame ou o Sisu (Sistema de Seleção Unificada), que permite às instituições públicas de todo o país oferecerem vagas a candidatos participantes do Enem.
    Assim, não há necessidade de se prestar um exame de entrada para cada universidade ou escola em que se deseja matricular, com as complicações práticas como custos de passagens ou coincidência de datas dos certames. 
    Aula na Etec Bom Retiro, em São Paulo - Marcelo Justo - 28.jun.2017/Folhapress
    A prova apresenta, além disso, uma configuração melhor do que o tradicional vestibular, por ser mais focada (embora ainda mantenha certo “enciclopedismo”) em competências básicas necessárias para a vida universitária. Aumentou, também, muito o número de instituições que aceitam o Enem como parte do processo de admissão para todos ou para alguns dos alunos.
    A reforma do ensino médio, aprovada em 2017, ainda demanda, para maior clareza de suas características, da homologação da Base Nacional Comum Curricular, atualmente em discussão no Conselho Nacional de Educação. Assim, ainda não sabemos que tipo de mudança será necessário no Enem para adequá-la aos diferentes itinerários formativos ali previstos.
    O SAT, prova educacional padronizada aplicada, nos EUA, a estudantes do ensino médio, como critério de admissão em universidades no país, já prevê provas diferentes de acordo com o interesse do aluno ou exigências da escola que se pretende cursar. Isso faria muito sentido no nosso caso. 
    Mas devemos também considerar o quanto que um exame como o Enem influencia o que se ensina. O aumento das questões e dos temas demandados na matriz do exame leva a uma abordagem fragmentada, em sala de aula de escolas de ensino médio, que não deixa espaço para aprofundamento dos saberes ensinados. 
    Desta forma, resta pouco tempo para se ensinar a pensar, algo vital para o desenvolvimento das competências necessárias para o século 21, utilizando o ferramental de cada domínio de conhecimento. Afinal, é bom lembrar o Brasil tem apresentado um desempenho pífio em testes internacionais em raciocínio matemático, pensamento científico e resolução criativa de problemas.
    Claudia Costin
    Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial.