sábado, 30 de setembro de 2017

Partilha ou concessão?, Suely Caldas, OESP

Suely Caldas*, O Estado de S.Paulo
30 Setembro 2017 | 05h00
No momento em que o leilão desta semana parece sinalizar o fim da apatia e a retomada do interesse de grandes empresas pelo petróleo brasileiro, vale refletir sobre duas datas marcantes da nossa história recente: em agosto, a lei que acabou com o monopólio da Petrobrás completou 20 anos e, em dezembro, 7 anos a lei que instituiu o regime de partilha na exploração de óleo nas promissoras áreas do pré-sal.
Que a Petrobrás não dava mais conta de explorar sozinha ficou evidente, desde a década de 1970, com as descobertas gigantes em águas profundas da Bacia de Campos. Tudo era grande demais para uma única empresa, mas só em 1997, no governo FHC, houve o reconhecimento em lei. Então dezenas de empresas se instalaram no País, gerando um boom de novos investimentos, empregos, renda e riqueza com a multiplicação de projetos de exploração. Foi quando a produção de óleo e gás saltou de 900 mil barris/dia, em 1997, para 2,5 milhões na média deste ano, e os empregos no setor triplicaram.
Que existia óleo abaixo da camada da rocha de sal, em águas ainda mais profundas, já se sabia desde os anos 1980, mas só em 2007 foi possível dimensionar potencial e área e dispor de tecnologia para extrair o óleo. Depois de muita incerteza, finalmente o ex-presidente Lula sancionou a lei que instituiu o regime de partilha nas áreas do pré-sal, pelo qual o petróleo extraído é dividido entre a União (75%) e o consórcio investidor (25%), obrigou a Petrobrás a ser a única operadora dos poços e a participar com um mínimo de 30% do investimento.
Deu tudo errado, e frustrou-se a tentativa de devolver o monopólio à Petrobrás - que, aliás, não o queria de volta. Estrangulada pelo congelamento do preço dos combustíveis, assaltada pelos políticos, usada a torto e a direito pelos governos do PT e contraindo dívidas impagáveis, a estatal perdeu fôlego financeiro para investir no pré-sal e ainda ser a única operadora. Com isso, um único leilão foi efetuado, em 2013, no Campo de Libra, sem disputa e arrematado por um único consórcio formado pela Petrobrás, a Total francesa, a Shell holandesa e duas chinesas. E foi só. Pararam os leilões e a economia brasileira mergulhou na recessão.
Com o País e sua presidente desacreditados e a Petrobrás desmoralizada com a Operação Lava Jato, os investidores fugiram do Brasil e o petróleo do pré-sal continuou sepultado no fundo do mar, impedindo os brasileiros de usufruírem de sua riqueza. Em novembro de 2016 a lei mudou, a Petrobrás ficou livre das amarras, os leilões foram retomados (há mais oito rodadas marcadas até 2019) e os investidores voltaram, entre eles a Exxon, maior petrolífera do mundo, que havia desistido do Brasil. A lei mudou, mas o regime de partilha no pré-sal não, desencadeando uma polêmica que tem tudo para prosperar neste momento de retomada.
O fim da partilha e sua substituição pelo regime de concessão (a União, detentora do monopólio, é indenizada com carga tributária elevada) ganharam um defensor em Décio Oddone, diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Na partilha, a União se apropria de 75% do óleo extraído e a empresa ou o consórcio ficam com 25%. Antes desse rateio, porém, são deduzidos todos os custos de exploração e produção declarados pela empresa. É aí, argumenta Oddone, que a indústria busca vantagens ao inflar as despesas com penduricalhos supérfluos e dispensáveis.
“O regime de partilha foi o maior erro que cometemos no Brasil. Nele o investidor agrega despesas sem nenhum critério, só para elevar o custo e entregar um volume menor de petróleo à União. Não é à toa que partiu da indústria a preferência pela partilha em países da África”, denuncia Oddone.
Ele reconhece que a área do pré-sal requer tratamento diferenciado porque o risco de não encontrar petróleo é mínimo. Mas argumenta que a União vai faturar “bem mais” com a elevação da alíquota do tributo Participação Especial. “É muito mais transparente, eficiente, reduz o custo e aumenta a produtividade.”
Por enquanto, a partilha vigora, mas Oddone se diz disposto a lançar e sustentar o debate.
*JORNALISTA

Cortes na Ciência ameaçam o futuro do Brasil, dizem ganhadores do Nobel, O ESP



Carta enviada a Temer traz assinatura de 23 ganhadores do prêmio; mesmo argumento está em outro texto, enviado por 250 pesquisadores da área de Matemática






Herton Escobar, O Estado de S.Paulo
30 Setembro 2017 | 03h00
Os cortes orçamentários em Ciência e Tecnologia “comprometem seriamente o futuro do Brasil” e precisam ser revistos “antes que seja tarde demais”, segundo um grupo de 23 ganhadores do Prêmio Nobel, que enviou nesta sexta-feira, 29, uma carta ao presidente Michel Temer, recomendando mudanças na postura do governo com relação ao setor.

Cortes na Ciência ameaçam o futuro do Brasil, dizem ganhadores do Nobel
Marcha. Pesquisadores protestam contra corte de verbas  Foto: Felipe Rau/Estadão
O documento, enviado por e-mail ao gabinete da Presidência, faz referência ao corte de 44% no Orçamento deste ano do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), assim como à perspectiva de um novo corte em 2018 - que deverá ser da ordem de 15%, caso o Projeto de Lei Orçamentária Anual enviado pelo governo ao Congresso seja aprovado como está.
“Isso danificará o Brasil por muitos anos, com o desmantelamento de grupos de pesquisa internacionalmente reconhecidos e uma fuga de cérebros que afetará os melhores jovens cientistas” do País, escrevem os pesquisadores.
A carta, à qual o Estado teve acesso com exclusividade, é assinada pelo físico francês Claude Cohen-Tannoudji e outros 22 laureados com o Prêmio Nobel nas áreas de Física, Química e Medicina. “Sabemos que a situação econômica do Brasil é muito difícil, mas urgimos o senhor a reconsiderar sua decisão antes que seja tarde demais”, conclui a carta.

Repercussão

“É uma iniciativa que mostra a importância da ciência brasileira e a gravidade da situação”, disse o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich, que também recebeu uma cópia da carta. A Presidência da República foi procurada pela reportagem, mas não respondeu até as 21 horas.
“A situação é trágica, não há outra palavra para descrevê-la”, disse ao Estado o pesquisador David Gross, da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, vencedor do Nobel de Física em 2004 e também signatário da carta. Ele prevê que muitos jovens pesquisadores brasileiros vão desistir da carreira científica ou migrar para outros países, mais favoráveis à ciência. “Eles vão embora e não voltarão”, alertou. “É uma política estúpida, autodestrutiva”, completou Gross, referindo-se aos cortes horizontais aplicados pelo governo em todas as áreas, sem definição de prioridades. 
A ciência, de acordo com ele, é uma área que precisa de investimentos consistentes e de longo prazo para produzir resultados que são essenciais para qualquer sociedade moderna. “Não é algo que você liga e desliga sem ter consequências graves.”
A carta dos laureados reproduz argumentos que vem sendo usados exaustivamente pela comunidade científica brasileira nos últimos anos. Em uma carta enviada à Presidência da República no início da semana, mais de 250 pesquisadores da área de Matemática pedem também a Temer que reconsidere os cortes orçamentários do setor.
“À fria luz dos fatos e além de qualquer partidarismo, repudiamos os repetidos e substanciais cortes de verba que sabotam o potencial transformador da ciência brasileira”, diz o documento. Entre os signatários está o matemático Artur Avila, ganhador da Medalha Fields, considerada o Prêmio Nobel da Matemática.

Cortes

O orçamento deste ano do MCTIC é o menor de todos os tempos, com cerca de R$ 3,2 bilhões disponíveis (depois do contingenciamento de 44% no início do ano) para o financiamento de pesquisas e pagamentos de bolsas em todo o País. Isso equivale a um terço do que o ministério tinha quatro anos atrás (antes de ser unificado com a pasta de Comunicações), e a proposta inicial do governo para 2018 é reduzir esse valor ainda mais, para R$ 2,7 bilhões.

Signatários

Nobel de Medicina
Harold Varmus (1989)
Jules Hoffman (2011)
Tim Hunt (2001)
Torsten Wiesel (1981) 
Nobel de Química
Martin Chalfie (2008)
Johann Deisenhofer (1988)
Robert Huber (1988)
Ada Yonath (2009)
Dan Shechtmann (2011)
Venkatraman Ramakrishnan (2009)
Jean-Marie Lehn (1987)
Yuan Lee (1986) 
Nobel de Física
Albert Fert (2007)
David Gross (2004)
Serge Haroche (2012)
Claude Cohen-Tannoudji (1977)
Andre Geim (2010)
Robert Laughlin (1998)
Frederic Haldane (2016)
Klaus von Klitzing (1985)
Arthur McDonald (2015)
Takaaki Kajita (2015)
Jerome Friedman (1990)
NOTÍCIAS RELACIONADAS

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

ABEL REIS As mídias sociais nos adoecem? FSP

Não param de pipocar estudos sobre os impactos das mídias sociais na saúde mental. Se a ideia é patologizar (e medicalizar) mais um aspecto do comportamento humano —a expressão e interação digital, no caso—, pode funcionar.
Muitos trabalhos divulgados recentemente qualificam de prejudicial (à auto-estima, sociabilidade, humor ou sono) o uso dessas plataformas, como se elas fossem a fonte principal desses sérios problemas. O papel do contexto individual —família, escola, trabalho, genética— tem ficado de escanteio nesse cenário.
Um dos últimos materiais a bombar na internet foi o relatório britânico #StatusofMind, da Royal Society for Public Health, que entrevistou 1.500 pessoas entre 14 e 24 anos. O Instagram figura como vilão-mor em efeitos negativos à saúde mental e bem-estar, seguido pelo Snapchat —ambos são centrados em imagens e grandes propulsores de padrões estéticos irreais, além de serem os mais populares entre os mais jovens. Atrás deles aparecem Facebook, Twitter e YouTube, que foi posicionado como o mais benéfico.
Considerando que somos campeões globais em ansiedade (9,3% da população brasileira sofre desse mal, de acordo com a Organização Mundial da Saúde) e também em tempo gasto nas mídias sociais (60% acima da média mundial), imagine o tamanho do grupo de risco e o potencial de prescrições psiquiátricas?
Assim como a Ritalina virou parceira das escolas para lidar com alunos "difíceis" —o Brasil é o segundo maior mercado em vendas do medicamento—, não estamos longe de literalmente remediar sintomas atribuídos ao uso de redes sociais. Nada contra medicamentos, mas tudo a favor de um manejo mais profundo e complexo das aflições psíquicas.
Os transtornos mentais podem ser disparados ou ampliados pelo digital. O cyberbullying é prova disso e tem consequências gravíssimas como tentativa de suicídio.
Antigamente, era possível proteger-se em casa ou mudar de escola. Hoje, a web transforma-se em um barril de pólvora quando combina adolescentes (mais vulneráveis, pela idade) e assédio (alcance e duração no ambiente virtual tendem ao infinito).
Mas a responsabilidade por uma explosão é dos autores da ofensa (e talvez de seus pais, professores e colegas) e não dos meios de propagação utilizados.
Na contramão, algumas plataformas são descobertas como aliadas da saúde mental. Um estudo publicado no EPJ Data Science mostra como o Instagram contribui para a identificação da depressão.
Mais de 40 mil posts de 166 pessoas foram submetidos a uma análise estatística de cor, filtro, conteúdo, likes e comentários. Pouco uso de filtro, aplicação de filtro em preto-e-branco, fotos de rosto e mais comentários do que likes foram predominantes entre portadores da doença. O método apresentou taxa de sucesso maior do que o do diagnóstico clínico.
O Centro de Valorização da Vida (CVV) e Facebook mantêm desde 2016 parceria para lidar com indícios de comportamento suicida e automutilação. Uma ferramenta detecta posts suspeitos, recebe denúncias e apresenta informações de apoio.
Após a grande repercussão da série do Netflix "13 Reasons Why", sobre uma adolescente suicida, o número de e-mails com pedidos de ajuda recebidos pelo CVV cresceu 445%. E isso é bom. O grito de socorro é o primeiro passo para virar o jogo.
Mídias sociais adoecem ou salvam na medida do poder que damos a elas. Se a influência dessas plataformas pesa mais do que vínculos e experiências concretas é porque a realidade (e não o digital) tornou-se o problema. E dela virá a solução.
ABEL REIS é presidente da Dentsu Aegis Network Brasil e Isobar Latam