Não param de pipocar estudos sobre os impactos das mídias sociais na saúde mental. Se a ideia é patologizar (e medicalizar) mais um aspecto do comportamento humano —a expressão e interação digital, no caso—, pode funcionar.
Muitos trabalhos divulgados recentemente qualificam de prejudicial (à auto-estima, sociabilidade, humor ou sono) o uso dessas plataformas, como se elas fossem a fonte principal desses sérios problemas. O papel do contexto individual —família, escola, trabalho, genética— tem ficado de escanteio nesse cenário.
Um dos últimos materiais a bombar na internet foi o relatório britânico #StatusofMind, da Royal Society for Public Health, que entrevistou 1.500 pessoas entre 14 e 24 anos. O Instagram figura como vilão-mor em efeitos negativos à saúde mental e bem-estar, seguido pelo Snapchat —ambos são centrados em imagens e grandes propulsores de padrões estéticos irreais, além de serem os mais populares entre os mais jovens. Atrás deles aparecem Facebook, Twitter e YouTube, que foi posicionado como o mais benéfico.
Considerando que somos campeões globais em ansiedade (9,3% da população brasileira sofre desse mal, de acordo com a Organização Mundial da Saúde) e também em tempo gasto nas mídias sociais (60% acima da média mundial), imagine o tamanho do grupo de risco e o potencial de prescrições psiquiátricas?
Assim como a Ritalina virou parceira das escolas para lidar com alunos "difíceis" —o Brasil é o segundo maior mercado em vendas do medicamento—, não estamos longe de literalmente remediar sintomas atribuídos ao uso de redes sociais. Nada contra medicamentos, mas tudo a favor de um manejo mais profundo e complexo das aflições psíquicas.
Os transtornos mentais podem ser disparados ou ampliados pelo digital. O cyberbullying é prova disso e tem consequências gravíssimas como tentativa de suicídio.
Antigamente, era possível proteger-se em casa ou mudar de escola. Hoje, a web transforma-se em um barril de pólvora quando combina adolescentes (mais vulneráveis, pela idade) e assédio (alcance e duração no ambiente virtual tendem ao infinito).
Mas a responsabilidade por uma explosão é dos autores da ofensa (e talvez de seus pais, professores e colegas) e não dos meios de propagação utilizados.
Na contramão, algumas plataformas são descobertas como aliadas da saúde mental. Um estudo publicado no EPJ Data Science mostra como o Instagram contribui para a identificação da depressão.
Mais de 40 mil posts de 166 pessoas foram submetidos a uma análise estatística de cor, filtro, conteúdo, likes e comentários. Pouco uso de filtro, aplicação de filtro em preto-e-branco, fotos de rosto e mais comentários do que likes foram predominantes entre portadores da doença. O método apresentou taxa de sucesso maior do que o do diagnóstico clínico.
O Centro de Valorização da Vida (CVV) e Facebook mantêm desde 2016 parceria para lidar com indícios de comportamento suicida e automutilação. Uma ferramenta detecta posts suspeitos, recebe denúncias e apresenta informações de apoio.
Após a grande repercussão da série do Netflix "13 Reasons Why", sobre uma adolescente suicida, o número de e-mails com pedidos de ajuda recebidos pelo CVV cresceu 445%. E isso é bom. O grito de socorro é o primeiro passo para virar o jogo.
Mídias sociais adoecem ou salvam na medida do poder que damos a elas. Se a influência dessas plataformas pesa mais do que vínculos e experiências concretas é porque a realidade (e não o digital) tornou-se o problema. E dela virá a solução.
ABEL REIS é presidente da Dentsu Aegis Network Brasil e Isobar Latam
Nenhum comentário:
Postar um comentário