segunda-feira, 21 de abril de 2014

Reparação histórica à Ana Rosa Kucinski Silva



NOTA PÚBLICA DA COMISSÃO ESTADUAL DA VERDADE RUBENS PAIVA


Reparação histórica à Ana Rosa Kucinski Silva é aplaudida pela Comissão da Verdade Rubens Paiva

A Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva manifesta imensa satisfação pela reparação feita pela Congregação do Instituto de Química da USP à professora Ana Rosa Kucinski Silva, sequestrada pelo CIE - Centro de Informações do Exército, em 1974, e desaparecida desde então. O crime da ditadura cresceu de tamanho quando Ana Rosa foi declarada por aquela instância como demitida por abandono de emprego, quando todos sabiam de seu sequestro junto com seu marido, o físico Wilson Silva.

A Comissão da Verdade da USP - Universidade de São Paulo - analisou, reviu o caso e solicitou a retificação por parte da atual Congregação do Instituto de Química. A presidente em exercício, Professora Janice Theodoro, na ausência do seu Presidente, Professor Dalmo de Abreu Dallari, fez veemente defesa da anulação da medida dos tempos da ditadura e, por decisão unânime, a Congregação anulou a decisão anterior e aprovou também um pedido de desculpas formal à família de Ana Rosa. O irmão da professora desaparecida, Bernardo Kucinski, recebeu a comunicação da decisão e o pedido formal de desculpas das mãos do diretor da Congregação do Instituto.

Para complementar a reparação histórica, nesta terça feira, dia 22 de abril, 15 horas, será inaugurado um monumento em homenagem à Ana Rosa Kucoinski Silva. A data marca os 40 anos do sequestro e desaparecimento de e seu Marido Wilson Silva,ambos militantes da ALN - Ação Libertadora Nacional. O CIE - Centro de Informações do Exército, órgão de coordenação e repressão aos movimentos de oposição à ditadura, se dedicou à sequestrar, torturar e assassinar militantes políticos em lugares clandestinos. Os corpos dos militantes eram depois desfigurados para dificultar a identificação, como confessou o coronel Paulo Malhães, um dos chefes de equipes de torturadores em recente depoimento à Comissão nacional da Verdade, no Rio de janeiro. Segundo o militar, as ordens de montagem dos lugares clandestinos, de sequestros, torturas, assassinatos e desparecimento dos corpos eram dadas diretamente pelo Chefe do CIE, General Milton Tavares de Sousa, sob o comando do Ministro do Exército da época, General Vicente de Paula Dale Coutinho, que também participou da fundação da Operação Bandeirante.

O monumento em homenagem à Ana Rosa Kucinski Silva ficará na entrada do Instituto de Química da USP, na Cidade Universitária, em São Paulo.

A Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva e a Comissão da Verdade da USP convidam a todas as pessoas empenhadas em defender os Direitos Humanos e a denunciar a ditadura militar brasileira a comparecer a essa importante homenagem à professora, militante política e desaparecida política Ana Rosa Kucinski Silva, no dia 22 de abril de 2014, às 15 horas, no Instituto de Química da USP - Universidade de São Paulo.
 

COMISSÃO DA VERDADE DO ESTADO DE SÃO PAULO “RUBENS PAIVA”
Informações à Imprensa: Thaís Barreto
55 11 3886-6227 / 3886-6228
comissaodaverdadesp@al.sp.gov.br

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Morre Gabriel García Márquez


Ganhador do Nobel de 1982, escritor uniu o real e o fantástico para refletir sobre a vida

17 de abril de 2014 | 17h 10

Antonio Gonçalves Filho - O Estado de S.Paulo
Morreu nesta quinta-feira, 17, aos 86 anos, o escritor colombiano Gabriel García Marquez, ganhador do prêmio Nobel de literatura de 1982. García Márquez viveu na Cidade do México por mais de 30 anos e enfrentava sérios problemas de memória, embora a família, com exceção do irmão Jaime García Márquez, evitasse publicamente vincular seus problemas de saúde ao mal de Alzheimer. A última aparição pública de García Márquez, ou Gabo, como era conhecido dos amigos íntimos, foi em seu aniversário, em 6 de março. Ele sorriu para os jornalistas, mas não falou com a imprensa.
Gabo estava com 86 anos - Reuters
Reuters
Gabo estava com 86 anos
Figura mais popular da literatura hispânica desde Cervantes, García Márquez ficou conhecido como um dos pais do realismo mágico, gênero literário desenvolvido nos anos 1960 e 1970 e caracterizado pela inclusão de elementos fantásticos no cotidiano ordinário.
De todos os seus livros, cujas vendas alcançaram mais de 50 milhões de cópias, o mais lido certamente é Cem Anos de Solidão (1967), épico sobre uma família fictícia, Buendía, numa cidade imaginária, Macondo. Nele, o escritor mescla lembranças pessoais a acontecimentos extraordinários, antevendo o próprio drama pessoal que enfrentaria na velhice (uma cidade inteira perde a memória no livro).
Além de Cem Anos de Solidão, ele é autor de O Outono do PatriarcaNinguém Escreve ao CoronelCrônica de Uma Morte Anunciada e O Amor nos Tempos do Cólera, seus romances mais populares. Gabo também é associado aos nomes mais representativos do chamado “new journalism”, corrente do jornalismo marcada pela liberdade com que são retratados fatos reais, à qual pertence o norte-americano Tom Wolfe.
Aos 20 anos, Gabo mudou-se para Bogotá, onde estudou Direito e Ciências Políticas sem, no entanto, obter o diploma, começando a trabalhar um ano depois como repórter do jornal El Heraldo, em Barranquilla. Ele também foi crítico do El Espectador, antes de partir para a Europa, em 1961, como correspondente estrangeiro. Sua obra jornalística completa foi publicada no Brasil pela editora Record.


Novo gênio. No El Espectador, publicou seu primeiro conto, em 1947, La Tercera Resignación, sendo anunciado pelo editor do suplemento literário do jornal, Eduardo Zalamea Borda, como o “novo gênio da literatura colombiana”. Foi exatamente nessa época que García Márquez se uniu a um grupo de estudos de Barranquilla, que se reunia diariamente na livraria de um grande intelectual, Ramón Vinyes.
Gabo assinava uma coluna no El Heraldo e discutia literatura com os colegas, em especial as obras de Albert Camus, John dos Passos e William Faulkner, esse último a grande influência literária do escritor, assumida na autobiografia, Viver para Contar, e mesmo antes, no discurso que fez ao receber o Nobel, em 1982.
A década de 1940 foi marcada pela boemia e pouco dinheiro. Ele morava em pensões baratas de bairros pouco recomendáveis. Em 1950, quando escrevia seu primeiro romance, provisoriamente chamado La Casa, voltou ao povoado onde viveu os primeiros anos, Aracataca, para vender a casa dos avós, com quem passou parte da infância. Lá, teve uma espécie de epifania, ao perceber que o povoado sonolento e empoeirado que conheceu quando criança não guardava semelhanças com o que via. Mudou o título do romance e criou, então, a cidade fictícia de Macondo, da mesma forma que Faulkner inventara o condado de Yoknapatawpha, microcosmo que representa uma alegoria do profundo Mississipi.
Os anos 1950 foram difíceis para Gabo. Como correspondente de El Espectador na Europa, recebia atrasado e passou por sérias dificuldades. Já havia escrito Ninguém Escreve ao Coronel (1958) quando sua situação ficou parecida com a do oficial do livro, à espera de uma carta que finalmente garantisse seu sustento até o fim da vida.
Já casado e com dois filhos, nos anos 1960, errou pelo sul dos EUA, mas não conseguiu visto de permanência por ser filiado ao Partido Comunista. Ele só retornou aos EUA em 1971, para receber o título de doutor honoris causa da Universidade de Columbia.
Fiel ao comunismo e aliado dos cubanos, criou em Cuba um curso de cinema pelo qual passaram alguns realizadores brasileiros. Ele mesmo teve experiências na área, assinando a adaptação cinematográfica de O Galo de Ouro, de Juan Rulfo, feita em 1963 em parceria com Carlos Fuentes. Quatro anos depois, com Cem Anos de Solidão, ele conquistaria o mundo literário, recebendo do poeta chileno Pablo Neruda seu maior elogio: “É o melhor romance escrito em castelhano desde Cervantes”. Seu último livro foi publicado em 2004,Memória de Minhas Putas Tristes
OBRA PUBLICADA NO BRASIL
1955 - O Enterro do Diabo: A Revoada 
1961 - Ninguém Escreve ao Coronel; A Má Hora; O Veneno da Madrugada 
1962 - Os Funerais da Mamãe Grande 
1967 - Cem Anos de Solidão; Isabel Vendo Chover em Macondo 
1970 - Relato de um Náufrago 
1972 - A Incrível e Triste História de Cândida Eréndira e sua Avó Desalmada; Olhos de Cão Azul 
1975 - O Outono do Patriarca 
1981 - Crônica de uma Morte Anunciada 
1985 - O Amor nos Tempos do Cólera 
1986 - A Aventura de Miguel Littín; Clandestino no Chile 
1989 - O General em Seu Labirinto 
1992 - Doze Contos Peregrinos 
1994 - Do Amor e Outros Demônios 
1996 - Notícia de um Sequestro; O Verão Feliz da Senhora Forbes 
2002 - Viver Para Contar 
2004 - Memória de Minhas Putas Tristes

quarta-feira, 16 de abril de 2014

‘Esquerda caviar’, por Francisco Bosco


O colunista escreve às quartas


Infelizmente, a atitude intelectual de Rodrigo Constantino é desonesta, procedendo por reduções e simplificações grosseiras

O mundo já é muito complexo e turvo para os que se propõem a compreendê-lo honestamente. Por compreensão honesta designo fundamentalmente a atitude intelectual que tem como princípio examinar quaisquer argumentos sem o preconceito ideológico que costuma obscurecer a construção coletiva do diagnóstico da realidade. Todos têm, de modo consciente ou não, posições ideológicas prévias, mas essas devem ser sempre submetidas ao teste da realidade; são pontos de partida, não pontos de chegada. Infelizmente, a atitude intelectual de Rodrigo Constantino — como demonstrou Jean Wyllys, com a clareza devida, em artigo recente — é desonesta, procedendo por reduções, simplificações grosseiras, maniqueísmos sistemáticos, diversos procedimentos que agem no sentido de obscurecer o trabalho público e coletivo da compreensão da realidade (sem falar no abuso da dimensão imaginária das polêmicas — recorrendo sempre a argumentos ad hominem e ridicularizando pessoas famosas, a fim de produzir uma espécie de sensacionalismo intelectual).
Ao contrário, vou propor aqui uma leitura honesta do que considero, até onde li, seus argumentos principais na defesa da pertinência da expressão “esquerda caviar”, com tudo o que ela carrega de desqualificação. Vou fazê-lo porque julgo que por meio dessa expressão pode-se compreender melhor quais os sentidos e as possibilidades efetivas da esquerda no mundo atual.
O argumento principal de Constantino é o que a expressão sugere de cara: haveria uma contradição entre ser de esquerda e usufruir das benesses propiciadas pelo capitalismo às classes sociais mais altas. Admitida essa contradição, segue-se logicamente que os ricos autodeclarados de esquerda são hipócritas, apenas adotando o semblant de uma retórica socialmente valorizada — e que a sua diferença para os ricos de direita está tão somente em que esses últimos não capitulam a coerção social da hipocrisia.
Comecemos então por nos perguntar: o que é ser de esquerda? Sem dúvida, ser de esquerda significa primordialmente considerar a redução das desigualdades econômicas e sociais um objetivo fundamental. Isso, entretanto, não implica necessariamente adotar uma perspectiva anticapitalista utópica, seja nos moldes da experiência efetiva da esquerda no século XX ou de algum modelo a se inventar. Concordo com T. J. Clark, para quem, em vez disso, é preciso que a esquerda contemporânea faça profundamente a experiência da sua derrota, das catástrofes intoleráveis por ela produzidas, e se esvazie de sua dimensão utópica, engajando-se antes numa política moderada, operando no interior do capitalismo, “por pequenos passos”, “propostas concretas” agindo no sentido de produzir igualdade em diversos âmbitos.
Provavelmente a experiência de esquerda mais bem-sucedida no mundo hoje é a dos países nórdicos, capazes de dirigir o capitalismo por meio de um Estado pequeno, porém eficaz no sentido de promover equilíbrio social, conciliando assim os princípios do mercado e da seguridade social, da individualidade e do coletivo, em suma, da liberdade e da igualdade (como mostrou ampla matéria da revista “The Economist”, recentemente). Ser de esquerda não implica portanto um anticapitalismo sistêmico e revolucionário — concordo ainda com T. J. Clark quando escreve que, nas condições atuais, a esquerda moderada é que é revolucionária —, cuja prova pessoal de coerência seria uma espécie de franciscanismo, de resto inútil. Mas sim engajar-se, seja por qual via for, na luta pela promoção da igualdade de direitos (conforme fazem, cada um a seu modo, as pessoas desqualificadas por Constantino como símbolos da “esquerda caviar”: Wagner Moura, Regina Casé e Gregorio Duvivier, entre outros).
É oportuno desconstruir outra suposta contradição. Segundo Constantino, os membros da “esquerda caviar” costumam criticar instituições, notadamente a polícia, mas recorrer a elas quando necessário. Deveria ser escusado lembrar que a crítica é um princípio democrático de aperfeiçoamento, e não um instrumento de negação absoluta. Quando pessoas de esquerda criticam a polícia, não estão a defender sua extinção, ingênua ou irresponsavelmente; antes repudiam a sua ação hierarquizante, logo antidemocrática.
O que nos leva a um último aspecto da expressão. Ao negar a possibilidade de cidadãos de classe média e alta serem de esquerda, é nada menos que a mediação social da solidariedade o que se está anulando. Parece ser impossível para Constantino assimilar a ideia de que há pessoas dispostas a defender causas igualitárias mesmo em detrimento de suas vantagens pessoais. Mas, pasme, é precisamente isso o que, como princípio, define a esquerda.