terça-feira, 9 de julho de 2013

Fogueira bizarra - XICO GRAZIANO

ESTADÃO - 09/07

Na época da Revolução Constitucionalista, em 1932, o Brasil passava por uma profunda transformação. O País essencialmente rural cedia espaço à nascente industrialização. Cresciam as cidades, mudava a sociedade. A oligarquia agrária perdera sua hegemonia no poder republicano.

Pouco antes, em outubro de 1930, o gaúcho Getúlio Vargas assumira a Presidência da República no bojo de outra revolução, mais significativa na História, encerrando a chamada República Velha. Até então, por longo período predominara a famosa "política do café com leite", durante a qual os Estados de São Paulo e de Minas Gerais fizeram um rodízio no mando do Brasil. O golpe militar tramado pela Aliança Liberal impediu a posse de Júlio Prestes, eleito naquele março com apoio de 90% dos votos paulistas.

No fundo, quem perdia mesmo eram os fazendeiros do café e seus mercadores. Após o ciclo da mineração, e com a mudança da capital do País para o Rio de Janeiro, a vida econômica da Nação havia se deslocado. Os cafezais, já por volta de 1850, tomavam conta do Vale do Paraíba e rumavam para as terras roxas de Campinas, atingindo depois, no estertor do século, a região de Ribeirão Preto. Finda a escravidão, implantou-se o colonato do café, constituído principalmente com imigrantes italianos, reforçando o poderio da economia paulista, cujas ferrovias escoavam o valioso "ouro verde" até o Porto de Santos. Época gloriosa.

Após 50 anos de prosperidade e bonança, começaram os problemas advindos da superprodução de café. Em 1905, segundo o historiador Caio Prado Jr. (História Econômica do Brasil, Ed. Brasiliense), os estoques de café estavam em 11 milhões de sacas (60 kg), cerca de 70% do consumo anual mundial. Os preços, obviamente, se rebaixaram, mobilizando os produtores a favor da intervenção pública na sustentação da sua renda. O governo interveio no mercado, realizando maciças compras da mercadoria, agradando momentaneamente aos cafeicultores. A política, porém, executada por duas décadas, alimentou um desastre.

Acontece que o mecanismo da formação de estoques públicos, ao manter os preços artificialmente elevados, continuava, como consequência, estimulando o plantio de novos cafezais. Crescia o desequilíbrio entre produção e consumo. A safra de 1927/1928 rendeu 26,1 milhões de sacas de café, 10% acima do consumo mundial no ano. Os estoques continuavam aumentando, onerando o governo e empurrando o problema para a frente. Comandando politicamente o Estado, em acordo com os interesses de Minas Gerais, a oligarquia cafeeira paulista progredia lançando notas promissórias contra o futuro. Tudo funcionou até chegar o craque da Bolsa de Nova York, em outubro de 1929. A quebradeira foi geral.

Cozinhadas durante toda a década de 1920, as insatisfações políticas somaram-se à crise econômica. Nesse contexto, a posse de Getúlio Vargas significava uma derrota do poderio econômico de São Paulo. A troca no comando político do País favoreceu os novos agentes empreendedores, ligados às nascentes classes médias e aos interesses das burguesias regionais, que se sentiam excluídas pela dominação cafeeira. Nas palavras de Boris Fausto, em seu extraordinário A Revolução de 30, o fim da hegemonia oligárquica forneceu ao Brasil um "atestado de ingresso na maioridade política". A burguesia do café, nas palavras dele, acabou "apeada do poder".

Nesse rompimento da História, quando a velha ordem agrícola é substituída pela lógica urbano-industrial, se escondem algumas das razões que geraram, dois anos depois, a Revolução Constitucionalista. Oficialmente, na visão construída pelos derrotados de 1930, a "Guerra Paulista" forçava a promulgação de uma nova Constituição para o Brasil. Embora seus argumentos fossem cívicos, sempre em defesa da democratização, a revolta de 1932 parece mais ter sido uma revanche política - que resultou frustrada - dos paulistas àqueles que lhes haviam surrupiado a centralidade do poder.

Talvez por essa razão até hoje a data cívica mais importante do Estado de São Paulo nunca tenha sido bem compreendida pela população. Nas escolas a meninada decora, mas não entende o porquê daquela encrenca. Parece uma fantasia da História. Na zona rural de vários municípios paulistas, porém, encontram-se vestígios das batalhas que envolveram cidades fronteiriças. Em Águas da Prata, na subida da Serra da Mantiqueira para Poços de Caldas, volta e meia se descobrem utensílios e munições enferrujadas como que a provar que, de fato, soldados por ali brigaram. Na região de Campinas, em Atibaia, Itapira, Bragança Paulista; no Vale do Paraíba, em Caçapava, Lorena, Cruzeiro; na divisa com o Paraná, em Buri, Guapiara, Itararé; todos esses lugares guardam duvidosas lembranças de uma incompreendida guerra.

Rendida a tropa constitucionalista, Getúlio Vargas nomeou Armando de Salles Oliveira interventor em São Paulo, reconciliando-se com a classe política paulista. A partir desse momento, todos se juntaram para resolver a mais difícil equação da história da política agrícola brasileira: o que fazer com as montanhas de café que se haviam formado nos armazéns por causa das compras públicas, desde 1906. Velhos, ardidos, mofados, os absurdos estoques pareciam invendáveis.

A solução encontrada foi a mais bizarra de todas: queimar os grãos. As fogueiras que esfumaçaram e aromatizaram a atmosfera destruíram, entre 1931 e 1943, cerca de 72 milhões de sacas de café em grão. Uma enormidade. Ocorreu, assim, na feliz expressão cunhada por Celso Furtado, uma "socialização dos prejuízos".

Nunca mais o Brasil pegou em armas para guerrear internamente. Nem cometeu de novo a insanidade de queimar café.

'Revolução' - VLADIMIR SAFATLE


FOLHA DE SP - 09/07

Um dos revisionismos mais evidentes da história brasileira diz respeito às leituras do levante que se iniciou em 9 de julho de 1932.

Faz parte do exercício da historiografia conservadora, em sua matriz paulista, vender a ideia de que uma típi- ca revolta oligárquica teria sido uma revolução popular. Dessa maneira, somos obrigados, desde 1997, a comemo- rar as aspirações da elite paulista de outrora em retomar o controle do país.

Não se trata aqui de fazer a apologia do varguismo, o que seria um exercício míope e equivocado.

A ditadura instaurada por Getúlio Vargas a partir de 1937 foi um dos momentos mais sombrios da história brasileira. Querer vender, entretanto, a ideia de que os paulistas se revoltaram para fundar uma institucionalidade democrática e defender a legalidade constitucional é algo da ordem da piada malfeita.

Expulsa do poder por ser o eixo de uma República de fachada, assentada sobre os piores laivos autoritários e periodicamente sacudida por revoltas populares, a eli-te paulista procurou criar para si uma história de gló- ria e resistência.

O descontentamento po- pular com os pilares da Re- pública oligárquica e com a sua política dos governado- res era de ordem tal que go- vernos como o do mineiro Arthur Bernardes somente fo-ram possíveis sob estado de sítio permanente.

Outros, como o do presidente Washington Luís, governaram sob a Lei Celerada, de 1927, que censurava a imprensa e restringia o direito de reunião. Contudo, na defesa entusiasta do "espírito insubmisso de nosso povo", tal descontentamento desaparece.

O fato impressionante é como tal momento é usado atualmente por alguns que procuram recriar nossa história como se ela fosse a luta contínua contra o "perigo populista".

Estes que têm um cuida- do especial para com o risco populista, sempre prontos a denunciar as pretensas derivas em direção às modalidades de "chavismo", são estranhamente complacentes com os fundamentos oligárquicos dos Poderes no Brasil e em nosso Estado de São Paulo. Talvez porque eles gostem mesmo é de uma República nos moldes da que existia no país até 1930.

Isso apenas demonstra como o escritor George Orwell estava certo ao lembrar que "quem controla o passado controla o futuro".

Os embates históricos têm a característica de nunca terminarem completamente, de ressoarem como matriz de compreensão das lutas presentes. Por isso, quando levarmos hoje nossas crian- ças para desfiles, seria bom nos perguntarmos o seguin- te: o que estamos mesmo comemorando?

Entidades médicas criticam ações do governo para a saúde e se dizem surpresas


Segundo representantes de classe, as principais demandas dos profissionais não foram ouvidas

08 de julho de 2013 | 19h 54

Bruno Deiro e Davi Lira - O Estado de S. Paulo
As principais entidades médicas de classe afirmam ter recebido com surpresa as mudanças propostas pelo Ministério da Saúde para os cursos de Medicina no País. Segundo dirigentes, apesar de longas reuniões e dos grupos de estudos formados em conjunto com o governo para discutir a questão da saúde, as medidas anunciadas foram tomadas de forma unilateral. Nesta segunda-feira (8),  entre outras ações, foi anunciado um plano para que os cursos passem de 6 para 8 anos a partir de 2015 e que os estudantes dediquem dois anos de trabalho aos serviços públicos de saúde.
“Ficamos bastante surpresos, pois não houve discussão sobre estas ações específicas com a classe médica”, afirma Renato Azevedo Junior, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp). “São propostas paliativas e demagógicas, que não combatem o problema principal, que é a falta de estrutura.” Segundo ele, as medidas deixam de lado exigências básicas para que se consiga fixar médicos em regiões pouco atendidas, como melhores condições de trabalho e um plano de carreira bem estabelecido.
Florentino Cardoso, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), afirma que as sugestões feitas pelas entidades não foram ouvidas. “O governo anotou tudo o que dissemos, mas fez tudo à maneira dele, do jeito que quis”, diz Cardoso.
Para o dirigente, a ampliação do tempo de formação e a obrigatoriedade de atuação no SUS não resolvem os três problemas principais: falta de financiamento, gestão precária e corrupção na alocação de recurso. “Precisamos cumprir a lei, e não se pode obrigar médicos, que já passam 6 anos se dedicando em tempo integral, a passar por mais dois sob condições precárias, onde não quer. E só faltam médicos nesta comunidades mais remotas? E outras profissões? Por que só os médicos?”, questiona.
Ensino ampliado. A ampliação no prazo de duração do curso é alvo de críticas por parte de alguns estudantes. “A maioria dos alunos faz um ano de cursinho, agora seriam mais 8 anos de graduação, além dos 2 a 4 anos de residência. O tempo para se formar fica muito longo", diz Flora Goldemberg, de 20 anos, presidente do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz, que representa os alunos de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Flora ainda critica o valor da remuneração proposto pelo governo – ainda não definido, mas que ficaria em torno do valor concedido hoje para os médicos residentes(R$ 2,9 mil mensais). "O que é pago hoje já é alvo de crítica dos residentes. É uma remuneração ainda baixa" diz a estudante.
As diretrizes dessas modificações, no entanto, ainda serão definidas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). "Vamos realizar audiências públicas, chamaremos as universidades, os conselhos de medicina e nomearemos uma comissão para propormos da melhor forma possível as medidas operacionais que vão nortear essas mudanças", afirma José Fernandes de Lima, presidente do CNE.