terça-feira, 16 de abril de 2013

País poderia economizar R$ 500 mi com eólicas



Usinas paradas por falta de conexão ajudariam a manter nível de reservatórios 

Terça, 15 de Abril de 2013, 21h55
Renée Pereira e Wellington Bahnemann, de O Estado de S. Paulo
O Brasil poderia ter economizado cerca de R$ 500 milhões em 2012 se os parques eólicos construídos no Nordeste estivessem em operação. Desde meados do ano passado, novas usinas com capacidade para gerar 622 megawatts (MW) - potência suficiente para abastecer 1,1 milhão de residências durante um mês - estão paradas por falta de linha de transmissão.
Se estivessem funcionando, o País poderia poupar mais água nos reservatórios e usar menos termoelétricas a óleo combustível e diesel, caras e poluentes. Segundo cálculos da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), apenas em dezembro, as centrais eólicas em operação foram responsáveis por evitar outros R$ 500 milhões em Encargos por Razão de Segurança Energética (ESS) para cobrir o custo das térmicas.
Responsável pela construção das linhas de transmissão, a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) argumenta que não conseguiu as licenças ambientais a tempo para tirar os projetos do papel. Resultado disso é que vários parques eólicos ficaram prontos em julho do ano passado e até agora não têm linha de transmissão para escoar a energia produzida.
Os prejuízos são enormes. Mesmo sem produzir, o contrato garante receita às geradoras. São R$ 370 milhões pagos pelo consumidor sem que um único MW seja gerado - ou seja, o consumidor paga a receita da usina parada e ainda ajuda a pagar o encargo maior pela geração térmica. A presidente da Abeeólica, Elbia Melo, alerta que neste ano outras usinas eólicas vão enfrentar o mesmo problema. Segundo ela, que lançou ontem o Boletim Anual de Geração Eólica, a expectativa é que até o fim do ano cerca de 1.300 MW de energia estejam instalados sem linha de transmissão para permitir o início de operação das usinas.
"Para o empreendedor, embora esteja recebendo, ficar parado não é bom. Além do custo alto, ele perde prazo de garantia dos equipamentos. Quando começar a operar, se o equipamento der problema, ele pode estar fora do prazo de garantia e ter mais prejuízo", afirma o presidente do conselho de administração da associação, Otávio Silveira.
Leilão. O atraso na entrega das linhas de transmissão criou ainda outros contratempos para a indústria eólica a ponto de reduzir a oferta de usinas nos leilões de 2013. O motivo é a decisão do governo de não permitir a participação dos projetos que dependem da construção de sistemas de transmissão para escoar a energia. "No ano passado, tínhamos oferta de 14 mil MW em novos projetos. Com a restrição, o volume pode cair para algo em torno de 2 mil MW", afirmou Elbia.
A executiva disse, entretanto, que há sinalização do governo de que a regra possa ser flexibilizada, desde que o próprio gerador se comprometa a realizar o investimento para a conexão da usina à rede elétrica. Há a possibilidade de que os geradores formem um "pool" para realizar os investimentos, o que reduziria os custos de conexão. "Nessa configuração, não sabemos qual seria a oferta dos leilões." Hoje, o gerador já realiza o investimento de conexão da usina eólica com a rede elétrica.
Mas o tamanho da linha de transmissão que será construída para a conexão com a subestação mais próxima será muito maior do que no passado. "O empreendedor pode ter de construir uma linha de transmissão de 100, 200 ou 300 kms."
Recentemente, o presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Maurício Tolmasquim, reconheceu que não haveria tempo suficiente para realizar um leilão de transmissão para construir a infraestrutura para os projetos eólicos que venham a disputar o leilão de energia nova deste ano, que contratará a demanda do mercado cativo em 2016. Por essa razão que a quantidade de empreendimentos da fonte eólica deverá ser significativamente menor nos leilões deste ano. "Para o médio e longo prazo, a sinalização da EPE é de que o problema está resolvido", afirmou Elbia.

Esperando a verdade, por Vladimir Safatle



Desde o início, as suspeitas em relação à possibilidade de bom funcionamento da Comissão da Verdade eram muitas. Número reduzido de membros, tempo escasso, foco amplo: esses eram apenas alguns dos problemas levantados por vários críticos. Hoje, parece claro que as críticas não estavam erradas.
Com sete membros, mas funcionando realmente com cinco, a comissão sente a falta de mais participantes. Um ano depois de sua instalação, amplos setores da sociedade civil ainda esperam o acesso às informações que poderiam fornecer uma história mais honesta dos atentados contra a humanidade e do governo criminoso instaurado no Brasil durante 20 anos.
A comissão mostrou, por exemplo, como a presença de empresários em locais de tortura era uma constante. Mas queremos uma visão clara de como funcionava o aparato civil-militar na ditadura. Quais foram as empresas que financiaram a Operação Bandeirantes, responsável por alguns dos crimes mais brutais da ditadura? Até onde foi a participação das empresas na formação do aparato repressivo?
Vimos também quão plausível é a possibilidade de presidentes como João Goulart e Juscelino Kubitschek terem sido assassinados pela Operação Condor. Seria a primeira vez na história do Brasil que descobriríamos governos que tramaram a morte de ex-presidentes. Mas qual foi a verdadeira participação do Brasil nessa internacional do terror? Como se deu a linha de comando?
Responder a tais questões tem razões muito claras. O Supremo Tribunal Federal tentou quebrar o trabalho da Justiça de transição no Brasil ao impedir que a Lei da Anistia deixasse de encobrir torturas, assassinatos, estupros e ocultação de cadáveres, perpetrados por agentes do Estado. O trabalho da Comissão da Verdade, no entanto, seria fundamental para os grupos de direitos humanos levarem o Brasil para as cortes internacionais, assim como para forçar o Estado brasileiro a fazer um verdadeiro dever de memória.
Nesse aspecto, é bom lembrar como a memória dos que lutaram contra a ditadura é cotidianamente insultada, enquanto o Estado permitir a existência de monumentos, logradouros, estradas e cidades que homenageiam ditadores e criminosos. É ainda pior quando livros de história para nossos alunos apresentam páginas a respeito da "revolução" de 1964.
A revelação constante de fatos pela Comissão da Verdade, em vez da proposta incompreensível de deixar tudo para um relatório final, seria importante por alimentar a mobilização e aumentar a pressão social contra a letargia do Estado brasileiro em respeitar sua própria história.
Vladimir Safatle
Vladimir Safatle é professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de São Paulo). Escreve às terças na Página A2 da versão impressa.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Loucos de antigamente


José de Souza Martins - O Estado de S.Paulo
O prédio do Hospício de Alienados ainda está lá, no Parque Dom Pedro II, erguido em taipa socada, vazio e abandonado, à espera de que num dia destes um temporal o ponha abaixo. Entristece as noites paulistanas como fantasma de outros tempos, assombra nossa consciência e nossa desmemória. Mulheres e homens que ali penaram e ali morreram ainda sussurram em seus corredores e cômodos os lamentos de sua solidão e de seu abandono, prisioneiros que foram de sua própria mente. Considerados loucos, foram ali confinados até o fim de seus dias.
"De músico, poeta e louco, todos têm um pouco", diz o refrão popular. Mas, só há pouco mais de 150 anos é que aqui em São Paulo os loucos passaram a ser considerados propriamente loucos, isto é, doentes. Até então, louco era considerado criminoso e colocado na cadeia, junto com ladrões e assassinos. Antes disso, no século 18, loucura era crime contra a religião. Coisa de hereges, de dissidentes e pactários, gente que fizera pacto com o diabo e ficara endemoninhada. Um sapateiro e traficante de escravos, Antonio da Costa Senra, imigrado dos Açores, foi aqui preso em 1782 e enviado para a Inquisição, em Lisboa, para eventualmente ser queimado vivo, porque se considerava enganado por Deus, que o fizera pobre em vez de fazê-lo rico. Dizia coisas sem nexo contra a religião. Era suspeito de ter vendido a alma a satanás em troca de riqueza.
Só em 1851 ganhou corpo a consciência de que loucura é doença e de que os loucos precisavam ser separados dos condenados. Alugou para isso o governo um sobrado na Rua de São João, esquina da Rua Aurora, contratando um médico para tratar dos enfermos. Prédio acanhado e impróprio, foram os loucos transferidos, em 1862, para o casarão ao pé da Rua da Tabatinguera, onde estivera antes o Seminário de Educandos, à beira do Rio Tamanduateí. Com adaptações, é o casarão que lá existe até hoje. Recebia pobres e ricos, escravos e livres, adultos e até crianças consideradas loucas! Muitos, trazidos do interior. Louco era o demente, isto é, o sem mente, e as consideradas pessoas de "miolo amolecido", diziam os diagnósticos da medicina de então, o "miolo mole", da linguagem popular de ainda hoje.
Ali morreu de meningite o poeta abolicionista Paulo Eiró, em 1871, que enlouquecera de amor por uma prima que se casara com outro. Mas ali morreu, em 1876, também louco, seu irmão, o padre Casimiro Antonio de Matos Sales, que fora coadjutor de Santo Amaro e político liberal. Morreram relativamente moços e foram sepultados no Cemitério da Consolação. Em versos de amor, Paulo Eiró dissera: "Pobre! Não chegará à primavera: aguarda sem gemidos, sem um grito, que uma réstia do sol da eterna esfera te arranque ao sonho aflito".
O Hospício foi transferido para uma fazenda no Juqueri, em 1903.