Desde o início, as suspeitas em relação à possibilidade de bom funcionamento da Comissão da Verdade eram muitas. Número reduzido de membros, tempo escasso, foco amplo: esses eram apenas alguns dos problemas levantados por vários críticos. Hoje, parece claro que as críticas não estavam erradas.
Com sete membros, mas funcionando realmente com cinco, a comissão sente a falta de mais participantes. Um ano depois de sua instalação, amplos setores da sociedade civil ainda esperam o acesso às informações que poderiam fornecer uma história mais honesta dos atentados contra a humanidade e do governo criminoso instaurado no Brasil durante 20 anos.
A comissão mostrou, por exemplo, como a presença de empresários em locais de tortura era uma constante. Mas queremos uma visão clara de como funcionava o aparato civil-militar na ditadura. Quais foram as empresas que financiaram a Operação Bandeirantes, responsável por alguns dos crimes mais brutais da ditadura? Até onde foi a participação das empresas na formação do aparato repressivo?
Vimos também quão plausível é a possibilidade de presidentes como João Goulart e Juscelino Kubitschek terem sido assassinados pela Operação Condor. Seria a primeira vez na história do Brasil que descobriríamos governos que tramaram a morte de ex-presidentes. Mas qual foi a verdadeira participação do Brasil nessa internacional do terror? Como se deu a linha de comando?
Responder a tais questões tem razões muito claras. O Supremo Tribunal Federal tentou quebrar o trabalho da Justiça de transição no Brasil ao impedir que a Lei da Anistia deixasse de encobrir torturas, assassinatos, estupros e ocultação de cadáveres, perpetrados por agentes do Estado. O trabalho da Comissão da Verdade, no entanto, seria fundamental para os grupos de direitos humanos levarem o Brasil para as cortes internacionais, assim como para forçar o Estado brasileiro a fazer um verdadeiro dever de memória.
Nesse aspecto, é bom lembrar como a memória dos que lutaram contra a ditadura é cotidianamente insultada, enquanto o Estado permitir a existência de monumentos, logradouros, estradas e cidades que homenageiam ditadores e criminosos. É ainda pior quando livros de história para nossos alunos apresentam páginas a respeito da "revolução" de 1964.
A revelação constante de fatos pela Comissão da Verdade, em vez da proposta incompreensível de deixar tudo para um relatório final, seria importante por alimentar a mobilização e aumentar a pressão social contra a letargia do Estado brasileiro em respeitar sua própria história.
Vladimir Safatle é professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de São Paulo). Escreve às terças na Página A2 da versão impressa.
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