domingo, 14 de abril de 2013

“Redução da maioridade penal só vai gerar mais crime e violência”


Advogado Ariel de Castro Alves explica que autor do crime que matou Victor Hugo Deppman pode ficar preso mais do que 3 anos em internação psiquiátrica
Por Adriana Delorenzo
O assassinato do estudante Victor Hugo Deppman, de 19 anos, durante um assalto em frente à sua casa no bairro de Belém, zona leste de São Paulo, reabriu o debate sobre a redução da maioridade penal. O assaltante era um jovem de 17 anos que acaba de completar 18. Com isso, a lei prevê três anos de internação, que pode ser ampliada caso se comprove a periculosidade do autor do crime devido a transtornos psiquiátricos. Foi o que aconteceu com Champinha, condenado pelo assassinato brutal de Felipe Silva Caffé,19 anos, e de Liana Bei Friedenbach, 16 anos, em 2003. Para falar sobre o assunto, a Fórum entrevistou o advogado Ariel de Castro Alves,especialista em Políticas de Segurança Pública pela PUC- SP e ex- conselheiro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Para ele, “reduzir a idade penal seria como reconhecer a incapacidade do Estado brasileiro em garantir oportunidades e atendimento adequado à juventude. Seria como um atestado de falência do sistema de proteção social do País”. Confira abaixo a entrevista na íntegra.
O futuro do Brasil não pode ser condenado à cadeia, diz Ariel (Foto: Marcelo Camargo/ABr)
Revista Fórum – Por que o debate sobre a redução da maioridade penal sempre vem à tona após crimes contra jovens de classe média como o assassinato de Victor Deppman?
Ariel de Castro Alves - Os familiares das vítimas têm todo o direito de se manifestar e provavelmente se eu estivesse no lugar deles, após ter perdido um ente querido, também pediria a redução da idade penal ou até pena de morte. Mas temos que diferenciar a emoção da razão. Racionalmente entendo que esta não é a solução para a questão da criminalidade infanto-juvenil no País.
Às vezes também parece que só a vida de jovens de classe média ou alta tem valor na sociedade brasileira. Milhares de jovens são assassinados todos os dias nas periferias e poucos tratam do assunto ou se revoltam e exigem soluções para os casos. Existe muito oportunismo e demagogia nessas discussões.
Há 17 anos venho me posicionando a atuando contra a redução da idade penal. Entendo que se trata de medida ilusória já que o que inibe o criminoso não é o tamanho da pena e sim a certeza de punição. No Brasil existe a certeza de impunidade já que apenas 8% dos homicídios são esclarecidos. Precisamos de reestruturação das polícias brasileiras e melhoria na atuação e estruturação do Judiciário.
As propostas de redução da idade penal também são inconstitucionais, só poderiam prosperar através de uma nova Assembléia Nacional Constituinte. Além disso a reincidência no Sistema Prisional brasileiro, conforme dados oficiais do Ministério da Justiça, é de 60%. No sistema de internação de adolescentes, por mais crítico que seja, estima-se a reincidência em 30%. A Fundação Casa de São Paulo tem apresentado índices de 13%, mas não levam em conta os jovens que completam 18 e vão para as cadeias pela prática de novos crimes.
Essa medida é enganosa, só vai gerar mais crimes e violência. Teremos criminosos profissionais, formados nas cadeias, dentro de um Sistema Prisional arcaico e falido, cada vez mais precoces.
Revista Fórum – De acordo com a legislação atual, quanto tempo o adolescente que atirou em Victor pode ficar preso?
Ariel de Castro Alves - O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece até 3 anos de internação (privação de liberdade). Se o autor do crime sofrer transtornos psiquiátricos e ficar demonstrada a sua periculosidade através de laudos e relatórios após os 3 anos, a lei que criou o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, que entrou em vigor em abril de 2012, prevê a ampliação do tempo por prazo indeterminado, transformando a internação socioeducativa em internação psiquiátrica.
Revista Fórum – O governador Geraldo Alckmin anunciou que seu partido (PSDB) vai enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei para tornar o Estatuto da Criança e do Adolescente mais rígido, com penas maiores para menores. O que o sr. acha disso? Deve-se punir com mais rigor?
 
Ariel de Castro Alves - Ele já anunciou essa proposta em 2003 e 2012, após momentos de clamor social diante de crimes graves e rebeliões na Fundação Casa, mas ele mesmo não deu sequência. Vejo certo oportunismo e demagogia nesta atitude.
A questão da ampliação do tempo de internação é passível de discussão, cabe ao Congresso Nacional criar uma Comissão Especial e tratar do tema com vários especialistas. Toda lei pode ser atualizada ou reavaliada, o Estatuto da Criança e do Adolescente neste item também pode ser, se o congresso e os especialistas assim entenderem. O que não podemos é ter legislações com base na emoção e sim pela razão. O clamor popular após esses casos gravíssimos não contribui com o processo legislativo e abre espaços para oportunismos. Porém, se o tempo de internação ao invés de até 3 anos, fosse de 6 anos, possivelmente a Fundação Casa teria 18 mil internos, ao invés dos 9 mil que tem hoje, tendo mais superlotação e sendo necessários mais investimentos do Estado.
Já a proposta do governador de transferir os jovens da Fundação Casa para presídios é totalmente inadequada. O Sistema Prisional Paulista está com a superlotação acima dos 100%. Além disso a reincidência passa dos 60% e muitas prisões são dominadas por facções criminosas. Já a Fundação Casa tem anunciado a reincidência em torno de 13%. Colocar os jovens num sistema prisional falido e superlotado só vai aumentar a criminalidade no Estado.
Ao invés de transferir os maiores de 18 para presídios, é pertinente que existam unidades de internação específicas aos jovens com idades entre 18 anos até completarem os 21 anos. É uma obrigação do Estado já prevista na lei. Eles não podem ser transferidos  para presídios comuns, já que a medida socioeducativa deve ser cumprida em unidade de internação e não em presídios comuns. Apesar dos jovens já terem 18 anos de idade, eles cometeram o ato infracional quando tinham menos de 18 anos e podem cumprir até 3 anos de internação, ou até completarem os 21 anos.
Revista Fórum – Quais medidas seriam efetivas para conter a violência que atinge níveis absurdos em São Paulo, com altos índices de homicídios por arma de fogo principalmente nas periferias?
 
Ariel de Castro Alves - O Estatuto da Criança e do Adolescente gerou muitos avanços nos últimos anos com relação ao atendimento às crianças, mas, ainda, no atendimento aos adolescentes deixa muito a desejar, principalmente nas áreas de educação, saúde e profissionalização. A prevenção, através de políticas sociais, custa muito menos que a repressão. O futuro do Brasil não pode ser condenado à cadeia.
São necessários programas de inclusão e oportunidades visando à emancipação social dos jovens. Sempre digo que só com conselhos e atendimentos esporádicos não temos como convencer o jovem a deixar o envolvimento com o crime. Temos que ter programas capazes de criar um novo projeto de vida para os adolescentes, que envolvam suas famílias. Programas com subsídio financeiro, que ofereçam bolsa-formação, oportunidades de estágios, aprendizagem, cursos técnicos, empregos, com ações dos órgãos públicos e também da iniciativa privada.
Quando o Estado exclui, o crime inclui. Se o jovem procura trabalho no comércio e não consegue, vaga na escola ou num curso profissionalizante e não consegue, na boca de fumo ele vai ser incluído. O Estatuto da Criança e do Adolescente tem o caráter mais preventivo do que repressivo. Se o ECA fosse realmente cumprido sequer teríamos adolescentes cometendo crimes. É exatamente pela falta de cumprimento do Estatuto e pelo alijamento  de muitas crianças e adolescentes dos seus direitos fundamentais previstos no ECA é que temos adolescentes envolvidos com a criminalidade.
A ausência de políticas públicas, programas e serviços de atendimento, conforme prevê a lei, e a fragilidade do sistema de proteção social do País favorecem o atual quadro de violência que envolve adolescentes como vítimas e protagonistas. Isso só será revertido quando realmente for cumprido o princípio Constitucional da Prioridade Absoluta com relação às crianças e adolescentes, o que atualmente ainda é uma utopia. Quem nunca teve sua vida valorizada, não vai valorizar a vida do próximo. O que esperar de crianças e adolescentes que nunca tiveram acesso à saúde, educação, assistência social, entre outros direitos. Muitas vezes não tiveram sequer uma família efetivamente. E sempre viveram submetidos a uma rotina de negligência e violência. A negligência, a exclusão e a violência só podem gerar pessoas violentas.
Em abril de 2012, entrou em vigor a Lei que criou  o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, o cumprimento desta lei também resultaria num atendimento mais adequado aos adolescentes infratores no País, com ações qualificadas por parte dos municípios, dos estados e do governo federal. Mas, ainda, o poder público tem se omitido no cumprimento desta lei, mantendo unidades de internação ou programas de atendimento em meio aberto totalmente inadequado.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

É o mercado


Adriano Pires *
Nos últimos sete anos os EUA promoveram uma grande revolução energética. Desde 2006, as importações de petróleo caíram 40%, o que levou uma série de analistas e a Agência Internacional de Energia a preverem que os EUA poderão chegar à autossuficiência no prazo de 15 a 20 anos. De 2008 a 2012, a produção de petróleo aumentou 37% e a de gás natural, 20%.

Além da expansão da oferta, a demanda de energia caiu na maioria dos setores intensivos em petróleo. Na indústria e na geração de energia, o petróleo foi substituído pelo gás natural, que ficou mais barato com a chegada ao mercado de grandes volumes de gás não convencional. No transporte também ocorreu diminuição do consumo de petróleo, em razão das significativas mudanças no uso dos veículos. O total de milhas percorridas vem declinando desde 2007 e, ao mesmo tempo, a eficiência média dos combustíveis nas estradas americanas está aumentando. Isso provocou uma queda de 5% no consumo de gasolina e de diesel desde 2007.

Mas o que está por trás dessa nova revolução energética e que vem determinando essas transformações estruturais no setor de petróleo e gás natural no mercado americano? Simples: respeito às regras de mercado e estabilidade regulatória. Exatamente o que também explica o Brasil não participar intensamente dessa nova revolução energética.

Em 2008, com o anúncio do pré-sal, todos apostavam que o Brasil seria o destino dos grandes investimentos das empresas petrolíferas e que o Rio de Janeiro seria a nova Houston. No entanto, perdemos a oportunidade, pelo fato de o governo da época ter determinado o fim dos leilões - consequentemente, o fechamento do mercado - e, paralelamente, o congelamento dos preços da gasolina e do diesel. Assim, começou a existir no País insegurança regulatória e desrespeito às regras de mercado.

O governo americano, ao contrário do brasileiro, acredita que o preço de mercado de um bem é aquele que equilibra a oferta e a demanda, ou seja, o que compatibiliza os interesses dos consumidores e os dos produtores. Essa compatibilização é conseguida quando a quantidade procurada pelos consumidores é igual à oferecida pelos produtores, situação verificada quando o preço do bem é o seu preço de equilíbrio.

A função dos preços como instrumento de informação torna-se mais importante quando a complexidade da economia aumenta, como é o caso da brasileira. O que o governo do Brasil precisava entender é que, quanto mais complexa a economia, menor seria a possibilidade de um ente central obter e interpretar as informações relevantes, de forma a fixar os preços dos bens ou determinar variáveis importantes como o investimento em cada setor. Os preços monetários transmitem informações sobre a escassez relativa e fornecem, do mesmo modo, o incentivo para agir de acordo com os sinais. Um preço que sobe pode não ser sinal de abuso ou de inflação, mas, sim, de escassez de um bem ou de alguma ineficiência no sistema de incentivos que deve ser corrigida.

Nos EUA, o preço elevado do petróleo nos últimos sete anos levou a um menor crescimento do consumo, à queda das importações e ao incentivo aos investimentos. Ao permitir que a sinalização dos preços funcionasse, o governo provocou o crescimento da produção do petróleo e do gás não convencional. No Brasil, a produção de petróleo estagnou e as importações de gasolina cresceram 73%.

Continua a imperar no País a visão equivocada de que o fechamento da economia, a intervenção estatal e o monopólio são sinônimos de independência, quando, na verdade, ocorre o contrário. A manipulação da Petrobrás, do mercado de petróleo e derivados, se traduz em prejuízos, redução de investimentos, queda da produção e, consequentemente, maior necessidade de importação de derivados de petróleo. Assim nos tornamos mais dependentes do mercado externo de petróleo para satisfazer o aumento da demanda doméstica. Enquanto isso, nos EUA, o mercado aberto e os preços livres levam o país à autossuficiência e à independência energética.
* Adriano Pires é diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura.

Recuo do ICMS ameaça o equilíbrio dos Estados


O Estado de S.Paulo
O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) representa mais de 80% da arrecadação dos Estados, em especial daqueles que têm capacidade de se sustentar, ou seja, que dependem menos das transferências de recursos federais. A queda da arrecadação do ICMS, como ocorreu no mês passado, é, portanto, um fator de preocupação, pois torna mais difíceis o equilíbrio das finanças estaduais e o cumprimento das metas de superávit primário.
Os Estados já perderam recursos do Fundo de Participação (FPE) por causa dos incentivos fiscais concedidos pelo governo federal sob a forma de abatimento ou desoneração do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). O IPI e o Imposto de Renda são a base de receitas do FPE.
Agora, perdem ICMS por causa da decisão do governo federal de reduzir as tarifas de energia elétrica. Parte do benefício concedido pelo governo federal é, assim, paga indiretamente pelos Estados.
Em São Paulo, onde a energia elétrica representa cerca de 10% da receita do ICMS, a arrecadação caiu 3,3% em termos reais, em março, revelou o secretário da Fazenda, Andrea Calabi, ao jornal Valor.
No Paraná, o custo foi maior, pois a energia elétrica pesa 14% na receita do ICMS. Haverá uma diminuição de receita de R$ 380 milhões neste ano. Em Goiás, a receita do ICMS caiu 17,58% entre fevereiro e março e, segundo o secretário da Fazenda, o custo anual será de R$ 240 milhões. "A maioria dos Estados apresentou crescimento negativo da arrecadação em março", declarou o coordenador do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), Cláudio Trinchão, secretário de Fazenda do Maranhão.
Nos últimos 12 meses, até fevereiro, os Estados tiveram um déficit nominal de 0,92% do Produto Interno Bruto (PIB) e um superávit primário (descontando os juros da dívida) de 0,36% do PIB. O grande credor dos Estados é o governo federal, que consolidou as dívidas estaduais no final dos anos 90. Pagando as dívidas com os elevados juros contratados, os Estados contribuem para as contas fiscais do setor público.
São, no entanto, penalizados pelas políticas tributária e de preços administrados do governo federal. A situação é agravada pela queda de arrecadação dos setores de bebidas e de veículos e pelas oscilações na importação de petróleo, segundo Calabi. Não se sabe, por enquanto, se março foi só um mês excepcionalmente ruim.
Se a receita estadual não reagir, haverá menos investimentos. E a conta recairá sobre os governadores.