DE BRASÍLIA O Ministério da Justiça se empenhou, durante a ditadura militar, em uma guerra psicológica contra o que chamou de "infiltração comunista" na imprensa. A informação consta de um documento inédito, guardado no arquivo da pasta, endereçado em 1970 pelo ministro Alfredo Buzaid (1914-1991) ao general Emílio Médici (1905-1985), então presidente. Veja documentos da ditadura retidos em ministérios Documentos da ditadura são retidos por ministérios Buzaid comandou a pasta de 1969 a 1974. No documento de janeiro de 1970, o ministro informou ao presidente: "O ministério está preparando um corpo de jornalistas ortodoxamente revolucionários, que escreverão artigos de doutrina, sueltos [comentários sobre assunto do dia], notas e demais publicações, a fim de serem distribuídos aos jornais, estações de rádios, revistas e emissoras de televisão". "Outros intelectuais se ocuparão com peças de teatro, de fundo moral e patriótico, criticando construtivamente os males da sociedade, de modo a competir com as peças obscenas e dissolventes, que tendem a destruir os valores éticos da família brasileira", completou. Editoria de Arte/Folhapress Buzaid tomou providências para remunerar os autores: "O pagamento a esses intelectuais será efetuado por organização particular, já em curso de formação na cidade de São Paulo". A documentação localizada não indica quem eram os jornalistas e intelectuais e qual organização os pagaria. Os documentos arquivados no ministério revelam ainda que o governo cassou os direitos políticos de centenas de brasileiros como retaliação por terem se recusado a prestar o serviço militar "por convicção religiosa". Os decretos eram assinados pelos ministros da Justiça com as listas dos cidadãos que a, partir dali, perderiam o direito a votar e de serem candidatos a cargos eletivos. Para as cassações, o governo se baseava numa emenda à Constituição baixada pela junta militar que assumiu o controle do país em 1969. Uma carta endereçada a dom Paulo Evaristo Arns, então bispo-auxiliar de São Paulo, demonstra a contrariedade do ministro com uma mensagem em que Arns teria deixado "transparecer sua inconformidade", segundo as palavras do ministro, com o assassinato de José Carlos Fidalgo, "num encontro com a polícia de São Paulo". "Lamento o ocorrido. Contudo, ao compulsar os documentos, pude perceber que se trata de elemento de alta periculosidade, com inúmeras passagens pela polícia", retrucou o ministro. Fidalgo, de 18 anos, foi morto a tiros em janeiro de 1970, um dia após procurar a Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo para pedir proteção policial. Ele dizia que estava marcado para morrer pelo grupo de policiais conhecido como "Esquadrão da Morte" porque, dias antes, havia baleado outro policial. Segundo a imprensa da época, ele era filho de Horácio Fidalgo, o "Rei da Maconha", morto pelo mesmo esquadrão em 1969, "com 40 tiros". Em outra carta, endereçada ao então arcebispo de Diamantina (MG), Geraldo Sigaud (1909-1999), Buzaid queixou-se da falta de vigilância de membros do episcopado a padres e leigos de suas dioceses. (RUBENS VALENTE E MMATHEUS LEITÃO)
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segunda-feira, 4 de março de 2013
sábado, 2 de março de 2013
Da ilha da fantasia à ilha do tesouro- Rolf Kuntz
Rolf Kuntz*
Candidata à reeleição e já em campanha aberta, a presidente Dilma Rousseff precisará de resultados muito melhores que os do último biênio, na economia, para cumprir a missão recebida de seu chefe, publicamente. A tarefa é levar adiante o projeto de poder de seu partido. Para isso ela terá de conseguir mais que um ano de crescimento na faixa de 3% a 4%. Um resultado melhor que a humilhante expansão de 0,9% em 2012 é praticamente certo neste ano. Mas é pouco, depois de um crescimento acumulado de apenas 3,6% na primeira metade de seu mandado.
Além disso, até seus principais assessores devem ter notado um fato evidente para qualquer pessoa medianamente informada: a política centrada no estímulo ao consumo fracassou. Os gastos familiares cresceram pelo nono ano consecutivo, mas foram insuficientes, mesmo somados às despesas do governo, para promover o crescimento industrial. A indústria de transformação, a melhor referência para se examinar o assunto, produziu 2,5% menos que em 2001. Ao mesmo tempo, os preços ao consumidor continuaram subindo velozmente. A inflação em 12 meses, 5,8%, ficou mais uma vez muito longe da meta, 4,5%.
Algo funciona mal nesse quadro e até em Brasília - no Palácio do Planalto e em suas vizinhanças - essa noção começou a difundir-se há algum tempo. Não adianta muito apoiar o consumo quando o problema principal está do lado da oferta. E o lado da oferta, como devem saber até alguns membros do atual governo, só pode responder à demanda se houver capacidade produtiva e competitividade. Isso depende de vários fatores, incluído o investimento em capital fixo, As contas nacionais recém-divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmaram um cenário de desastre.
O valor investido nesses ativos foi 4% menor, em termos reais, que o do ano anterior. Além disso, o País só investiu o equivalente a 18,1% do produto interno bruto (PIB). No ano anterior havia investido 19,3%. As duas taxas são miseravelmente baixas. Mesmo na América Latina a formação bruta de capital fixo alcança 25% do PIB em vários países. Em economias da Ásia supera 30% e na China tem ficado na vizinhança de 40%.
O investimento tem sido especialmente fraco na infraestrutura. No setor rodoviário, mal tem sido suficiente para a manutenção de um sistema de baixa qualidade. De modo geral, é preciso fazer muito para ampliar e modernizar toda a área de transportes e para isso o governo lançou um programa de logística. A intenção é correta, mas prioridades e critérios são discutíveis e o planejamento, como tem sido normal há vários anos, continua muito abaixo das intenções. A mesma observação vale para os demais componentes da infraestrutura. Não se pode atribuir a um simples capricho do mercado a desvalorização da Eletrobrás. Os investidores são capazes de reconhecer um desastre, como reconheceram no caso da Petrobrás, depredada por um intervencionismo desastroso.
Nada mais natural que a hesitação dos investidores, depois de uma longa e assustadora história de trapalhadas bem conhecidas. Não há como esquecer de um dia para outro a polêmica renovação das concessões do setor elétrico, a questão dos portos sujeitos a regimes e direitos diferentes e os danos causados à Petrobrás por uma gestão politizada. Pode-se alongar a lista com a atuação discutível do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), empenhado na criação de "campeões nacionais", envolvido em maus investimentos e dedicado a ações de escasso ou nenhum valor estratégico.
Mas o governo precisa, no mínimo por interesse eleitoral, desencadear uma onda de investimentos e, de modo especial, promover a aplicação de grandes capitais em infraestrutura. Se o esforço der certo, o País terá condições de sair do atoleiro e ganhar impulso para crescer por alguns anos.
Para isso o governo anunciou um programa de US$ 235 bilhões para fortalecimento da infraestrutura e saiu em busca de interessados tanto no Brasil quanto no exterior. Na apresentação em Nova York, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, teve de ouvir perguntas sobre assuntos aparentemente estranhos ao programa: os investidores potenciais estavam interessados em temas como educação e formação de mão de obra, inflação e outros aspectos básicos da gestão pública. O ministro e vários colegas de governo têm sido forçados a afirmar repetidamente um compromisso prioritário com o combate à inflação e com o controle das contas públicas. Por que haverá tantas dúvidas?
Confiança é um ativo precioso e é preciso mantê-lo tão cuidadosamente quanto os equipamentos de um avião. Mas o governo, embora pareça perceber o problema, insiste nas soluções mágicas e voluntaristas, numa reação tipicamente brasiliense. Conhecida há muito tempo como Ilha da Fantasia, um recanto feliz e distante da realidade nacional, Brasília pode tornar-se famosa também como Ilha do Tesouro. A fantasia continua, porém agora turbinada pela imagem de um cofre maravilhoso, capaz de capitalizar mais uma vez o BNDES, adiantar receita a quem investir em ferrovias, transferir fundos para bancos financiarem a infraestrutura, socorrer distribuidoras de eletricidade, conceder mais desonerações a setores escolhidos e levar adiante o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Num ambiente mais prosaico, o governo proporia aos investidores planos coerentes e realistas, sem cometer, entre outras, a tolice de querer tabelar ideologicamente a taxa de retorno (em Nova York, o ministro Mantega tentou corrigir esse erro). Ao mesmo tempo, venderia seriedade, comprometendo-se com a solidez macroeconômica, sem truques e maquiagens. Deixaria claro, por exemplo, o compromisso com a meta de inflação de 4,5%. Com base na fala de Mantega, quem poderia dizer se a meta é essa ou qualquer ponto entre 4,5% e 6,5%?
* Rolf Kuntz é jornalista
A utopia de um mundo sem drogas
orto
Os astecas comiam cogumelos alucinógenos; os antigos hindus fumavam maconha; os romanos misturavam ópio ao vinho. Parece que nunca houve sociedade sem drogas.
Sem contar os usuários das drogas já regulamentadas, como álcool e tabaco, atualmente, entre 3,4% e 6,6% da população adulta do mundo utiliza drogas ilícitas, como maconha, cocaína e anfetaminas.
A maioria destes fará uso eventual, sem maiores consequências ao longo da vida. No entanto, de 10% a 13% desenvolverão problemas de saúde, como dependência, ou contaminação por HIV e doenças infecciosas. O que era para ser recreativo vira patológico.
De cada cem mortes no mundo, uma decorre de atividades relacionadas ao tráfico de narcóticos. Estima-se que os custos dos problemas de saúde relacionados ao uso de drogas ilícitas alcancem de US$ 200 bilhões a US$ 250 bilhões anualmente.
Os prejuízos causados pela atividade ilegal --mas muito lucrativa-- são absorvidos pelo conjunto da população. É como se o povo subsidiasse os traficantes com incentivos fiscais. É o pior de dois mundos.
Em 1961, a ONU aprovou sua Convenção Única sobre Entorpecentes com o objetivo de combater o problema das drogas por meio da repressão à posse, ao uso e à distribuição.
O documento, assinado por 184 países, tornou-se, em grande parte, base conceitual para a elaboração das legislações mundiais sobre o tema.
No entanto, mesmo em países com leis especialmente severas, como Arábia Saudita e Cingapura, o tráfico e o consumo de drogas persistem. O exemplo clássico da ineficácia desse enfoque, a Lei Seca, tentou proibir o consumo de álcool nos EUA entre 1920 e 1933. O que acabou conseguindo foi transformar Chicago num antro de crime e criar personagens da linhagem de Al Capone.
Enquanto se persegue a utopia do mundo sem drogas, o comércio internacional de entorpecentes movimenta cerca de US$ 300 bilhões por ano. Em lugar de contribuir com impostos, esse dinheiro paga propinas e estimula a corrupção das instituições democráticas.
A história mostra que parte da população mundial vai continuar se drogando. Mesmo que, para isso, tenha de desafiar as leis. Se políticas de repressão estrita funcionassem, o Irã não teria uma das legislações mais severas quanto ao tema e um dos piores índices de dependência de heroína do mundo.
Os países que resolveram enfrentar a questão por meio de políticas inovadoras, que consideram o tema como de saúde pública e incluem a descriminalização do consumo de drogas leves, como a maconha, têm tido resultados encorajadores na reabilitação de usuários e no combate à criminalidade e outras consequências negativas da dependência.
A proibição das drogas só dá lucro aos traficantes. Não elimina o consumo nem seus efeitos deletérios, mas impede o controle, a tributação e potencializa o problema. Torna-se um fator de corrupção. Mas, acima de tudo, é irrealista. É tempo de considerar que "um mundo livre de drogas", como quis a ONU, talvez não seja possível. O jeito é conviver com elas pagando o menor preço.
Alexandre Vidal Porto é escritor e diplomata. Mestre em direito pela Universidade Harvard, trabalhou nas embaixadas em Santiago, Cidade do México e Washington e na missão do país junto à ONU, em Nova York. Escreve aos sábados, a cada duas semanas, no caderno "Mundo".
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