A partir de hoje, o governo federal exige que os municípios apresentem um plano de gestão sobre o tratamento de lixo e resíduos industriais para que recebam recursos da União. O prazo foi estipulado há dois anos, mas mesmo assim, mais de 90% dos municípios não produziram o documento ou o têm incompleto.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente, por enquanto, das 5.565 prefeituras do Brasil apenas 488 podem receber o dinheiro do governo para gestar o lixo que produzem. Outro levantamento, da Confederação Nacional de Municípios, estima que 49% das cidades não iniciaram o plano e 42% não o finalizaram.
Ontem, uma matéria do jornal Estado de S. Paulo mostrou que São Paulo têm um plano, porém incompleto. Apesar de mostrar um diagnóstico da situação atual do setor e prometer ampliar os programas de coleta, o documento da prefeitura não explica como colocar as medidas em prática, quanto vai custar e de onde virão os recursos.
O orçamento anual do Brasil para tratamento dos resíduos é de R$ 21 bilhões. Para Ricardo Valente, diretor da Keyassociados e especialista em resíduos sólidos, esse valor precisa ser revertido para uma gestão eficiente. Os municípios tiveram tempo suficiente para fazer os planos, mas faltou mais atenção ao assunto por parte das prefeituras e buscar soluções mais audaciosas, diz.
Leia a seguir a entrevista que Valente concedeu por e-mail a Página22 sobre a gestão do lixo no Brasil e a entrega dos planos de gestão.
Qual a importância dos planos de metas que os municípios e estados devem entregar para o governo federal?
Fazer esses planos – e cumpri-los! – é extremamente importante porque com isso elaborado, saberemos onde estão os problemas em relação à gestão do lixo, como resolvê-los, quanto vai custar e quanto tempo precisamos. E também porque agora a população e o Ministério Público poderão acompanhar a evolução dos projetos. Pode haver atraso ou dificuldades na implantação, mas chegaremos, pelo menos, a uma solução mínima.
O Brasil gasta R$ 21 bilhões por ano com coleta e destinação dos resíduos sólidos. E esse cenário deve ser revertido com a gestão eficiente do lixo. Pesquisas indicam que cerca de 58% do lixo do País não é tratado adequadamente. Os lixões são espaços com inúmeros riscos do ponto de vista social, ambiental, econômico e de saúde. Há a possibilidade eminente de contaminação do solo, lençóis freáticos, rios e córregos com o chorume. Sem falar na presença de catadores, geralmente sem proteção, manuseando o lixo em busca de produtos recicláveis e se expondo ao risco de infecções e outros sérios problemas de saúde.
Levantamentos mostraram que a maioria das cidades não entregaram os planos mesmo depois de dois anos de prazo. São Paulo é uma dessas cidades. Por que isso aconteceu?
Levantamentos mostraram que a maioria das cidades não entregaram os planos mesmo depois de dois anos de prazo. São Paulo é uma dessas cidades. Por que isso aconteceu?
Entendemos que os municípios tiveram tempo adequado para elaborar os planos com todo o detalhamento necessário. É lamentável que muito poucos tenham conseguido apresentá-los nas condições previstas. As particularidades da capital paulista tornam a situação muito mais complexa. Estamos falando em 10 mil toneladas de lixo por dia. Justamente pelo tamanho do problema era necessário que a prefeitura tivesse dedicado mais atenção para o assunto. Faltaram soluções mais audaciosas. Esse é um início. Os planos devem agora ser revisados e melhorados. No caso de São Paulo, é preciso investir mais e buscar soluções mais próximas ao tamanho da cidade e suas complexidades para as próximas revisões.
O que os municípios poderiam fazer de forma alinhada para melhorar a gestão do lixo?
É possível formar consórcios entre as cidades para gestão de atividades específicas e execução de objetivos de interesse comum. Um exemplo bem-sucedido é o Consórcio Público de Saneamento Básico da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos (Pró-Sinos), que abarca 26 cidades na região do Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul. Nesta quinta, eles entregam o Plano Regional e os Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos.
O desenvolvimento do projeto envolveu implementação de estratégias de gerenciamento integrado dos resíduos nos municípios da bacia integrantes do consórcio. As estratégias foram apresentadas em audiências públicas, com envolvimento da comunidade local, agentes técnicos e interlocutores das municipalidades consorciadas. As questões políticas e as diferenças de estilo de administração de cada município não foram afetadas e não interferiram na condução do projeto.
Com o prazo encerrado e as defasagens de entrega em planos, qual o próximo passo para que as ações em relação aos resíduos sólidos não recebam pouco investimento ou atenção dos governos?
Embora os números ainda não sejam os mais satisfatórios, já que a maioria dos municípios não conseguiram entregar a tempo seus planos de gestão de resíduos sólidos, o fato de esse tema ter sido colocado em discussão já pode ser considerado um grande avanço. Neste momento, além de uma cobrança firme do governo federal e Ministério Público, é importante que eleitores cobrem de seus candidatos uma postura em relação ao problema, para que os municípios efetivamente busquem solução para viabilizar o tratamento adequado dos resíduos sólidos. Não dá mais para continuar escondendo o lixo embaixo do tapete.
Como o senhor vê o engajamento ou o conhecimento da população em relação ao descarte de resíduos sólidos e à reciclagem?
A população em geral mostra-se muito bem intencionada, mas na maioria dos casos, tem dificuldade para agir por falta de apoio para gestão adequada do lixo. São raros os sistemas de coleta seletiva, por exemplo. Mesmo assim, há famílias que separam lixo em suas casas, cooperativas de catadores, coleta organizada por prefeituras e até concessão de benefícios para cidadãos que entregarem voluntariamente as embalagens para reciclagem em locais determinados. A população deve participar deste processo e cobrar mais dos políticos.
Como melhorar esse engajamento se o próprio plano pode deixar a desejar?
A participação e a cobrança da população e do Ministério Público podem fazer a diferença. É preciso correr contra o atraso: se realmente queremos ser um país sério, nos próximos cinco anos temos que avançar de dez a quinze anos na questão do lixo. A Política Nacional de Resíduos Sólidos é um ótimo guia para tanto. Basta colocá-la em prática.