quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Acumulação, por Delfim


A dinâmica do desenvolvimento é produzida pelas inovações na criação de bens, serviços e processos tecnológicos que estimulam a diversificação do consumo e elevam o bem-estar da sociedade.
Seu indicador mais sintético é um aumento do Produto Interno Bruto per capita. Pôr em prática uma "inovação" significa obter crédito para financiá-la e correr os riscos do investimento.
Marx mostrou, muito antes de Keynes (a quem inspirou ainda que não expressamente reconhecido), que o "investimento", isto é, o aumento da capacidade produtiva derivado da inovação, é feito pelo "investidor" na expectativa de obter lucro.
A alta do consumo é um efeito paralelo e indispensável para a continuação do processo capitalista, mas o seu motor é a tendência do investidor de maximizar a acumulação.
O consumo é a parte maior da demanda global. O seu componente mais instável e que produz as maiores variações na renda e no emprego é o nível do investimento. Este depende, por sua vez, da expectativa da demanda e da sua possível taxa de retorno (o lucro esperado).
Quando a expectativa de retorno desaparece, desaparece o investimento. A demanda global entra em colapso, produzindo uma crise que, em geral, começa no mercado financeiro e termina no mercado de trabalho.
Na organização social apoiada nos "mercados", essas crises são ínsitas ao ajuste entre a demanda e a oferta globais ao qual se soma a ciclotimia normal do agente econômico.
A demanda global tende a flutuar com ciclos de períodos e amplitudes aleatórios impossíveis de serem previstos ou controlados pela política econômica.
Os economistas já deveriam ter perdido a inocência revelada pelo Prêmio Nobel, Robert Lucas, que sonhou ter destruído Keynes. Em 2003, ele decretou na "American Economic Review" que a "macroeconomia foi bem-sucedida: seu problema principal, a prevenção da depressão está, para todos os fins práticos, resolvido e, de fato, resolvido por muitas décadas".
A incerteza do mundo que impacta o investimento, agora, não é do tipo que pode ser compensada atuarialmente. Nesta, os riscos têm uma história à qual podemos aplicar, para nos defender, o cálculo de probabilidades.
Trata-se da incerteza essencial a que se referia Keynes: o que será da Eurolândia daqui a cinco anos? É a incerteza produzida pelo fato de que o passado não tem qualquer informação sobre o futuro.
É bom que entendamos que só o investimento público pode superá-la. E a forma mais eficiente de fazê-lo é cooptar o "espírito animal" dos empresários, dando-lhes a expectativa de taxas de retorno adequadas, garantia dos contratos e uma regulação inteligente.
ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.

'Minhocões' são rediscutidos no mundo


RODRIGO BURGARELLI - O Estado de S.Paulo
Inaugurado em 1970, o Elevado Costa e Silva é considerado uma das maiores aberrações urbanísticas de São Paulo. Quatro prefeitos já prometeram demoli-lo - Luiza Erundina (em 1993), Marta Suplicy (em 2004), José Serra (em 2006) e Gilberto Kassab (em 2010) - mas nenhum sequer deixou um projeto consistente de demolição. Essa mesma apatia não se repetiu ao redor do mundo. Ao menos 17 cidades na América do Norte, Europa e na Ásia já demoliram minhocões ou estão perto de fazê-lo.
O número foi levantado pelo Institute for Transportation & Development Policy (ITDP), que analisou tanto as causas quanto as consequências das remoções. Os Estados Unidos, onde o culto ao automóvel reinou por décadas e fez surgir os primeiros elevados urbanos para veículos, no fim da década de 1950, são o líder no ranking, com 12 estruturas já derrubadas - ou prestes a serem.
Segundo o ITDP, a remoção dos minhocões não acontece simplesmente porque os governos locais estão percebendo que a cultura do transporte individual é ruim. Os motivos reais são de ordem mais prática. Um deles é o custo de manutenção, como o que ocorreu em Milwaukee, nos Estados Unidos. A demolição do seu elevado de 1,6 km e 30 anos custou cerca de US$ 25 milhões, enquanto o gasto estimado para a reforma da estrutura era de quase US$ 60 milhões a mais que isso.
Outro motivo para a derrubada dessas vias são os projetos de revitalização de áreas urbanas degradadas - algo parecido com o que se planeja para capitais brasileiras.
São Francisco, na Califórnia, fez um projeto parecido com o que hoje está sendo pensado para o Rio: demoliu seu minhocão de 2,6 km na beira do porto e transformou o local em um bulevar. Hoje, o Embarcadero, como é conhecido, é um dos principais pontos turísticos da cidade.
Habitação. Já Seul, na Coreia do Sul, decidiu demolir um minhocão de 9,4 km, erguido na mesma época que o paulistano, para recuperar seu entorno que, em uma área residencial, havia perdido quase metade dos moradores das redondezas.
Ao custo estimado de R$ 511 milhões, o viaduto foi demolido e uma nova via verde foi construída. O valor saiu todo do mercado imobiliário, por meio de títulos, como os que deverão ser usados em São Paulo, caso o projeto prometido por Kassab - a demolição da estrutura, como parte da Operação Urbana Lapa-Brás - saia do papel.
Minhocões também são derrubados quando o poder local percebe simplesmente que, ao contrário de anos atrás, eles já não são a melhor solução para a mobilidade da cidade. Essa lógica começou a ser notada ainda no fim dos anos 1960, quando engenheiros de tráfego americanos e ingleses chegaram à conclusão de que criar novas ruas, avenidas e viadutos nem sempre diminuía os tempos de viagem - em alguns casos, até aumentava, uma vez que obras como essas acabam fazendo com que mais pessoas decidam se locomover de carro.
Helena Orestein, diretora do ITDP Brasil, reconhece que ainda há bastante resistência para a demolição do minhocão de São Paulo, por causa dos 70 mil motoristas que trafegam por ali todos os dias. Mesmo assim, ela acredita que é questão de tempo para que seja demolido. "À medida que a sociedade civil começa a colocar isso na pauta de discussões, isso influencia as decisões do governo. O foco já não está mais nos carros, mas nas pessoas que poderiam usar aquele local", afirma Helena.
NA ÍNDIA ACONTECE O CONTRÁRIO
Enquanto cidades europeias, americanas e brasileiras discutem o fim dos seus minhocões, Bangalore, na Índia, inaugurou um novíssimo, com 9,5 km de extensão, há menos de 2 anos.

Questão de prestígio

ANNA VERONICA MAUTNER - na Folha
Feliz de quem conhece um "habilidoso senhor" capaz de pequenos consertos domésticos

POR QUE estão rareando as pessoas capazes de nos ajudar no conserto e na manutenção da tecnologia e da mecânica que mantêm o mundo ao nosso redor? Será que é porque as coisas estão mais complexas e a indústria consome toda a mão de obra? Ou será que se trata de um trabalho em si desinteressante?
Nesse particular, me chama a atenção a inexistência de mulheres no setor de ajuda ao lar, apesar de o trabalho, em geral, não ser pesado.
Nunca me aconteceu de uma oficina mandar, para me atender, uma mulher. E olhe que trocar um telefone de lugar, instalar uma TV, trocar fiação elétrica não são trabalhos tão pesados quanto o de uma faxineira. São profissões bem pagas e em nada diferentes ou mais perigosas do que a de fazer faxina. A ausência feminina poderá ser assunto para um outro dia.
Feliz é aquele que conhece um "habilidoso senhor" que, de fato, entende dos pequenos consertos tão necessários nos nossos lares movidos a modernas tecnologias.
Do ponto de vista da posição social, esse tão indispensável profissional ocupa um lugar mal definido. Trata-se de autônomo, dono do seu tempo, responsável único por criar e manter sua freguesia.
Um pequeno empreendedor, que mantém uma relação livre como um pássaro com governo e Receita. Afinal, qual é a dona de casa que pede recibo? Poucas, não é?
A fama desse pequeno empreendedor é alimentada boca a boca. É pessoa de confiança, entra na casa da gente. Recebe sorrisos, café, refrigerante, além de palavras de agradecimento. Não é subalterno. Está numa posição peculiar, mas não "igual".
Ele é um outro que acompanha as mudanças tecnológicas e põe nossa casa para funcionar. Assim são aqueles que consertam janelas, portas, chuveiros, torneiras e tudo o que já está fora de garantia, mas pede socorro para continuar a trabalhar.
Quando os aparelhos são novos ou muito especiais, procuramos oficinas autorizadas. Mas, frequentemente, o que nos falta é aquele senhor "quebra-galho" do bairro ou do quarteirão.
Será que a falta de uma denominação para esse ofício afugenta os mais jovens? Afinal, na balada, eu preciso dizer se estudo ou trabalho e, se trabalho, o que faço. Nem mesmo o fato de um bom "quebra-galho" faturar bem torna a função atraente.
Estranho é esse mundo, em que uma categoria profissional livre, autônoma, bem paga, não atrai porque não tem prestígio. Será que é isso? Pelo visto, a imagem pública é bem importante.

ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora)