ANNA VERONICA MAUTNER - na Folha
Feliz de quem conhece um "habilidoso senhor" capaz de pequenos consertos domésticos
POR QUE estão rareando as pessoas capazes de nos ajudar no conserto e na manutenção da tecnologia e da mecânica que mantêm o mundo ao nosso redor? Será que é porque as coisas estão mais complexas e a indústria consome toda a mão de obra? Ou será que se trata de um trabalho em si desinteressante?
Nesse particular, me chama a atenção a inexistência de mulheres no setor de ajuda ao lar, apesar de o trabalho, em geral, não ser pesado.
Nunca me aconteceu de uma oficina mandar, para me atender, uma mulher. E olhe que trocar um telefone de lugar, instalar uma TV, trocar fiação elétrica não são trabalhos tão pesados quanto o de uma faxineira. São profissões bem pagas e em nada diferentes ou mais perigosas do que a de fazer faxina. A ausência feminina poderá ser assunto para um outro dia.
Feliz é aquele que conhece um "habilidoso senhor" que, de fato, entende dos pequenos consertos tão necessários nos nossos lares movidos a modernas tecnologias.
Do ponto de vista da posição social, esse tão indispensável profissional ocupa um lugar mal definido. Trata-se de autônomo, dono do seu tempo, responsável único por criar e manter sua freguesia.
Um pequeno empreendedor, que mantém uma relação livre como um pássaro com governo e Receita. Afinal, qual é a dona de casa que pede recibo? Poucas, não é?
A fama desse pequeno empreendedor é alimentada boca a boca. É pessoa de confiança, entra na casa da gente. Recebe sorrisos, café, refrigerante, além de palavras de agradecimento. Não é subalterno. Está numa posição peculiar, mas não "igual".
Ele é um outro que acompanha as mudanças tecnológicas e põe nossa casa para funcionar. Assim são aqueles que consertam janelas, portas, chuveiros, torneiras e tudo o que já está fora de garantia, mas pede socorro para continuar a trabalhar.
Quando os aparelhos são novos ou muito especiais, procuramos oficinas autorizadas. Mas, frequentemente, o que nos falta é aquele senhor "quebra-galho" do bairro ou do quarteirão.
Será que a falta de uma denominação para esse ofício afugenta os mais jovens? Afinal, na balada, eu preciso dizer se estudo ou trabalho e, se trabalho, o que faço. Nem mesmo o fato de um bom "quebra-galho" faturar bem torna a função atraente.
Estranho é esse mundo, em que uma categoria profissional livre, autônoma, bem paga, não atrai porque não tem prestígio. Será que é isso? Pelo visto, a imagem pública é bem importante.
ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora)
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