sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Fazendas verticais cultivam hortaliças dentro de edifícios, FSP

 Matheus Ferreira

São Paulo

Há 25 anos, durante uma aula na Universidade Columbia, em Nova York, o professor Dickson Despommier pediu ao seus alunos que imaginassem soluções para os problemas do mundo em 2050, entre eles a insegurança alimentar —que é quando as pessoas não têm acesso a comida suficiente para sobreviver. Entre as ideias que surgiram estava a de usar a cobertura dos prédios da cidade para plantar vegetais. Mas só isso não seria suficiente.

O professor, então, teve um lampejo ao ver os prédios desocupados na cidade: por que não usar o interior deles para produzir alimentos? Os alunos fizeram as contas. Viram que um edifício de 30 andares poderia alimentar 50 mil pessoas com 2.000 calorias por ano. Se fossem 200 prédios, teriam o suficiente para toda a população de Nova York. Nasciam ali as fazendas verticais.

A imagem mostra uma estufa vertical de cultivo hidropônico em ambiente fechado. Diversas fileiras de plantas estão dispostas em prateleiras iluminadas por lâmpadas de LED roxas. As plantas estão em estágios diferentes de crescimento, com algumas mudas pequenas e outras já bem desenvolvidas.
Fazenda vertical da empresa paulista Pink Farms: pesquisas da Nasa contribuíram para aprimorar o uso de luzes LED nessas instalações - Léo Ramos Chaves/Revista Pesquisa Fapesp

Nesse sistema, as plantas crescem dentro de prédios, em prateleiras enfileiradas. Nesses ambientes, luz, temperatura, umidade e vento, são controlados com cuidado. Lâmpadas LED, em vez do Sol, fornecem energia luminosa para a fotossíntese. Já os nutrientes são transmitidos não pela terra, mas pela água.

O professor passou a defender que fazendas verticais seriam uma alternativa menos agressiva ao meio ambiente do que as plantações convencionais por usar menos metros quadrados de terra e menos água. O esquema funcionaria melhor também para fornecer alimentos frescos nos grandes centros urbanos sem precisar transportar uma alface, por exemplo, do interior até a cidade.

Embora já dê para plantar uva, lúpulo, abacate e mirtilo nessas fazendas, as hortaliças têm sido a escolha principal, porque elas precisam de pouco espaço para crescer e porque crescem rápido, o que torna o negócio mais lucrativo.

Mas as fazendas verticais também têm suas desvantagens: as hortaliças cultivadas nelas costumam ser mais caras do que as produzidas em terra de verdade, afirma Ítalo Guedes, cientista da Embrapa, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, que estuda esse modelo. Isso porque na cidade, onde ficam essas fazendas, o metro quadrado é mais caro do que no campo. Também gasta-se muito com a
energia das luzes que substituem o Sol.

Por causa disso, muitas empresas desse ramo já enfrentaram dificuldades financeiras. Mas à medida que a tecnologia evolui e se torna mais barata, e novas técnicas são desenvolvidas, as fazendas verticais ganham um novo fôlego.

Um estudo feito recentemente pela Embrapa, por exemplo, desenvolveu um jeito de produzir vegetais e morangos nessas fazendas. Ítalo Guedes foi o pesquisador responsável.

"O sistema que criamos é como um programa de computador que sabe tudo o que é preciso para produzir esse ou aquele vegetal, como quantidade de luz e concentração de nutrientes na água", explica. "Também descobrimos o papel do vento na nutrição das plantas, que até então não sabíamos. Agora temos controle total do cultivo indoor."

Colaborou Maria Clara Rossini

Colaborou Maria Clara Rossini 

Luís Francisco Carvalho Filho, A polícia e o vagabundo, FSP

 Entre 2022 (6.455 mortes) e 2023 (6.393 mortes), a letalidade policial recuou um pouquinho. Mas não há motivo para celebração.

Em média anual, as polícias matavam 17 pessoas por dia no Brasil. É muito. As vítimas são majoritariamente negras (82%). Episódios de violência são captados por câmeras do poder público ou do poder privado ou pelo celular de pessoa comum, interessada apenas em registrar o que as polícias gostariam de esconder, o que pode gerar alguma inibição.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 informa que, em dez anos, a letalidade policial cresceu 188,9%. Em 2013, foram 2.212 mortes.

Câmera corporal em uniforme de policial militar de São Paulo - Allison Sales - 10.dez.24/Folhapress

Pouco se sabe das subnotificações, que evidentemente existem, mas o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública do Ministério da Justiça detecta também queda na letalidade em 2024 (5,69%). A Bahia, governada pelo PT, é o estado que mais mata (1.500 vítimas). O Amapá (17,06) tem a mais alta taxa de homicídios praticados por policiais em grupo de 100 mil habitantes.

Não é um despropósito classificar a letalidade policial como programa de governo. Governantes querem reduzir índices de criminalidade em seus territórios e apostam em polícias implacáveis, matadoras e protegidas.

O governo Tarcísio de Freitas conspira contra as câmeras corporais e a transparência, e fez crescer os índices de letalidade policial em São Paulo. O próprio secretário Derrite, oriundo da PM, não oculta o passado: "eu matei muito ladrão".

O governo Mario Covas (1995-2001) instituiu programas eficazes para reduzir letalidade. Entre diversas providências administrativas, oferecia tratamento psicológico e afastava temporariamente policiais envolvidos em episódio de alto risco, como o tiroteio com morte: "matar alguém e ir para casa não é normal", explica o ex-secretário Petrelluzzi.

Quando o prefeito de São Paulo canta e aplaude "gás de pimenta na cara de vagabundo" ele não está participando de ensaio de bloco de carnaval fascista: é o ápice da formatura de 500 agentes da Guarda Civil Metropolitana: recebem o ensinamento de que devem destruir suspeitos, extravasam a alegria em redes sociais e vão para as ruas, armados, carregando a mensagem de truculência e a benção da autoridade pública eleita. É assim com a PM.

"Vagabundos" são os pobres das cidades, principalmente negros, suspeitos de alguma coisa. A polícia brasileira mata mais de 5 vezes o número de pessoas que a polícia norte-americana mata.

O decreto de Lula, assinado em dezembro, semanas depois da difusão da imagem de um jovem executado pelas costas, por furtar sabão líquido de um mercadinho, e a portaria do ministro da Justiça regulamentando sua implantação, tentam disciplinar o "uso da força" e a adoção de "instrumentos de menor potencial ofensivo", emitindo sinais políticos civilizatórios que o bolsonarismo repudia.

As normas escritas não são suficientes se os protocolos de enfrentamento e de eliminação permanecerem intactos. A portaria interministerial de 2010, também editada pelo governo federal para reduzir "paulatinamente" a letalidade policial e reafirmar "os princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência", não impediu o crescimento das mortes e o acirramento da guerra.

Antonieta Marilia de Oswald de Andrade (1945 - 2025) Mortes: Com a dança, sobreviveu às tragédias familiares, FSP

 

Tânia Bernucci
São Paulo

Marilia de Andrade era uma ilha solitária na família de Oswald, um dos idealizadores da Semana de Arte Moderna de 1922. O pai, genial e amoroso, como ela o definia, se foi (pobre e doente) quando ela tinha nove anos, a mãe partiu de forma trágica quando ela estava grávida da primeira filha. Seu irmão Paulo Marcos morreu precocemente num acidente. Restou ela e sua dança de sobrevivência às tragédias familiares.

Uma dança vigorosa e criativa que ela inventou desde os quatro anos de idade. Como bailarina e coreógrafa, participou de "Kuarup", do balé Stagium, tendo dançado para os indígenas do Xingu, e montou espetáculos como "Sarará", "Pedro e o Lobo", "Impressões Brasileiras" e "Villa em Movimento", que representou o ano do Brasil na França em 2005.

Estagiou na escola de Pina Bausch, foi talvez a melhor representante de Isadora Duncan, com carreira internacional, tendo recebido o prêmio do instituto pelo conjunto da obra.

A imagem mostra uma mulher de cabelos castanhos e ondulados, vestindo uma blusa colorida com padrões circulares e formas. Ela está com a mão sobre o peito, em uma pose que sugere expressão de emoção ou reflexão. Ao fundo, há uma pintura abstrata com tons de vermelho e laranja.
Antonieta Marilia de Oswald de Andrade (1945 - 2025) - Tânia Bernucci/Leitora

Apresentou-se na Europa e nos Estados Unidos, tendo sido reconhecida pelo crítico de dança Don McDonagh, do The New York Times, que admirou "a técnica e a força da expressão emocional da dançarina" e elogiou sua "criatividade como coreógrafa e fidelidade ao ideal de Isadora em revelar paixão nas interpretações".

Criou o Estúdio XXI, um espaço de dança integrado à natureza em Campinas, no interior paulista. PhD em psicologia pela Universidade Columbia, roteirizou filmes sobre as questões de gênero e o papel social da mulher, com Irene Ravache, Susana Faini e Sadi Cabral.

Trabalhou com Ruth Cardoso, escrevendo e produzindo 25 documentários sobre o artesanato brasileiro.

Lançou o livro "Maria Antonieta d'Alkmin e Oswald de Andrade: Marco Zero", a partir do manuscrito deixado por sua mãe, a última esposa de Oswald.

Casou-se com o economista Paulo Sergio Graciano (filho do pintor Clovis Graciano), com quem teve três filhas: Mariana, Daniela e Cristiana. Depois de se separar, conheceu seu segundo marido, o antropólogo Antonio Augusto Arantes Neto, professor emérito e pesquisador da Unicamp, como ela, e presidente do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) de 2004 a 2006.

Na universidade, Marilia implantou o Daco (Departamento de Artes Corporais) e o primeiro curso de formação em dança. Enfim, uma vida rica e cheia de histórias que ela adorava contar e estão no site mariliadeandrade.com.br.

Era parecida com o pai fisicamente e tinha traços de sua genialidade. Também era geniosa, mas, acima de tudo, amorosa. Seus passos se encerraram no dia 24 de janeiro, depois de 79 anos de belas e desafiadoras coreografias no mundo particular e das artes.

Deixa o companheiro, as três filhas, a enteada Violeta e as netas Maria Luiza, Maria Gabriela, Clara, Stella, Catarina, Marina e Helena.

Lula 3 se move num beco sem saída, Alvaro Costa e Silva, FSP

 Sai a República das Alagoas, entra a da Paraíba. A chegada de Hugo Motta à Presidência da Câmara muda o cenário, mas o fundo permanece o mesmo. Um fundo de buraco negro e sem fim que sugou mais de R$ 148,9 bilhões em emendas parlamentares em cinco anos. Um big bang de dindim.


Em 2024 cada deputado levou ao menos R$ 38 milhões em emendas, a maior parte delas de execução obrigatória aprovada pelo Congresso. A eleição de Motta, com apoio da bancada do PT, representa o consenso em torno do projeto de poder que enfraquece os ministérios. Mais verba para obras em redutos eleitorais. Com transparência zero.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, com o candidato à presidência da Câmara, Hugo Motta (PP de Alagoas) - Gabriela Biló - 29.out.24/Folhapress


O novo presidente é escolado no assunto. O repórter Fabio Victor mostrou que, em 2011, ele destinou uma emenda de R$ 2 milhões para a construção do Teatro Municipal de Patos, no sertão paraibano. O prefeito da cidade era o pai dele, que soma quatro mandatos e ocupa o cargo hoje. O teatro não ficou pronto. A construção foi paralisada diversas vezes e enfim abandonada por falta de pagamentos às empresas e outras irregularidades.

Motta é gente de Eduardo Cunha e Arthur Lira. Este, para elegê-lo, pôs de lado outro cupincha, Elmar Nascimento, de Campo Formoso, na Bahia, cidade beneficiada com R$ 63 milhões para obras de pavimentação —um asfalto tão bom que se desfaz na mão. Com tanto dinheiro rolando, quantas histórias semelhantes existem Brasil afora?

O que parecia impossível aconteceu. A falsa fidelidade do "toma lá, dá cá" acabou. Só ficou o "dá cá". Lula 3 terminou seu segundo ano com número recorde de vetos derrubados no Congresso: 32. O desempenho das medidas provisórias foi o pior da história: de 133, só 20 foram aprovadas. Com Motta, nada muda. São esperados mais vetos no âmbito da reforma tributária e muita pressão para votar o projeto de anistia aos terroristas de 8/1 e a PEC que limita as decisões monocráticas do Supremo.

Com popularidade em baixa entre os mais pobres e pressionado pelo preço dos alimentos, Lula lembra um personagem de Polanski. Vive num cul-de-sac.


Chega ao fim circum-navegação antártica liderada por brasileiros após quase 70 dias, FSP

 Phillippe Watanabe

Bogotá (Colômbia)

Chegou ao fim, na manhã desta sexta-feira (31), a circum-navegação científica da Antártida liderada por pesquisadores brasileiros. O navio quebra-gelo russo Akademik Tryoshnikov atracou no porto de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, por volta das 8h30.

A expedição, acompanhada pela Folha no projeto Diário da Antártida —que terá seu último episódio neste domingo (2)—, teve início no dia 23 de novembro, no mesmo porto de Rio Grande, e navegou por quase 70 dias. Foram percorridos mais de 30 mil km.

A imagem mostra um navio de pesquisa de cor laranja e branca navegando em águas azuis, com uma grande plataforma de gelo ao fundo. O céu está claro e sem nuvens, e a linha do horizonte é visível onde o gelo encontra o céu.
Navio Akademik Tryoshnikov em frente à plataforma de gelo de Ross, na Antártida. A plataforma de gelo de Ross tem mais de 506 mil km². Plataformas de gelo são as partes flutuantes do manto de gelo antártico e terminam no mar em falésias de 40 a 50 m de altura. - Anderson Astor e Marcelo Curia/ICCE

O objetivo do projeto —como um todo, considerando que a missão levava consigo diversos tipos de pesquisa— é o estudo do impacto da crise climática sobre a Antártida, além, consequentemente, das possíveis correlações da situação local com eventos que ocorrem fora desse continente gelado.

Segundo Jefferson Simões, glaciologista do Centro Polar e Climático da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e líder do projeto, durante a expedição foram coletados 90 metros de testemunhos de gelo —grandes cilindros de gelo para estudo da atmosfera passada e, no caso da jornada em questão, de microplásticos—, retirados de cinco locais diferentes.

Foram lançados ainda 43 balões atmosféricos e houve observação em 37 estações oceanográficas. Somadas todas as investigações, houve 74 estações de amostragem científica, além das coletas constantes de dados por sensores atmosféricos e de superfície do oceano.

O navio Akademik Tryoshnikov levava 140 pessoas, das quais 61 são pesquisadores. A maior comitiva de pesquisa era brasileira, com 27 pessoas. Cientistas da ArgentinaChileChinaÍndiaPeru e Rússia completavam a ala científica da embarcação. Também estavam presentes no navio membros da Fundação Albédo pour la Cryospère, voltada para a pesquisa e a conservação do gelo e da neve, que financiou 97% dos US$ 6 milhões (R$ 37,7 milhões) usados para a expedição.

A missão também recebeu apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e da FAPERGS (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul).

Diário da Antártida

Série apresenta bastidores, desafios e achados da expedição que busca completar a circum-navegação do continente