sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Engolido pelas bets, jogo do bicho pode virar atração turística, Álvaro Costa e Silva FSP

 Aquele Pinguim não dava a mínima para Gotham City. Seu território era a Glória, onde gerenciava a banca do bicho. Com sapatos de bico fino bicolores que lhe apertavam os calos, equilibrava-se com dificuldade —daí o apelido. Apesar de receber todo o dinheiro do movimento de apostas, não andava armado. Às terças, como se cumprisse um ritual, entrava no botequim e, com voz baixa, pedia: "Uma Caracu e dois ovos no liquidificador". Combustível para o encontro, à tarde, com a amante novinha.

Eram os anos 1970, quando o negócio estava nas mãos de Castor de Andrade, capo di tutti i capi, que tinha, em sua fortaleza em Bangu, uma linha direta com a cúpula do regime militar.

O bicho ainda manda no Brasil. No Rio, os banqueiros exploram, com faturamento de milhões, mais de 40 pontos de apostas —da zona sul a cidades da Baixada—, 10 mil máquinas caça-níqueis, rede de bingos e cassinos clandestinos. O pagamento é feito em maquininhas ou via Pix. A pule de papel com o carimbo "vale o escrito", que afirmava a confiabilidade da transação, é passado.

Os novos tempos, contudo, desfizeram a harmonia entre os chefes. A situação saiu de controle com a disputa sanguinária por territórios. A guerra pelo espólio de Castor de Andrade já dura duas décadas.
Depois de ter sido solto pelo STF, com relatório favorável do ministro Nunes Marques, Rogério Andrade voltou a ser preso, acusado de mandar matar outro contraventor, Fernando Iggnácio, em 2020. Segundo investigações do MP-RJ, o sobrinho do capo ordenou a execução do rival em mensagens de app criptografadas: "O Cabeludo é o que interessa", referência ao vulgo de Iggnácio.

A modernidade, que facilita o modo de matar, também pode apressar o fim do bicho. Hoje a concorrência de outros tipos de jogatina é enorme. Não por acaso, a bancada do tigrinho no Congresso —que defende os sites de apostas e a instalação de cassinos— quer transformar o império de Castor numa simples bet. Com sorte, os bicheiros no futuro poderão funcionar como atração turística, exibindo os sapatos bicolores, as camisas de seda, os cordões de ouro e a arte de desenhar números no maior capricho.

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