Há um ano e meio fechado e com seu acervo guardado em reservas técnicas, o Museu da Casa Brasileira voltou ao centro das atenções depois que a secretaria estadual de Cultura de São Paulo afirmou que a instituição, a única do país voltada à arquitetura e ao design, não irá mais para a Casa Modernista, na Vila Mariana, depois de ter deixado o Solar Fábio Prado.
Com a notícia, profissionais que faziam parte do alto escalão da administração do museu dizem que o governo agiu de forma lenta para impedir o despejo da instituição de seu antigo lar, que pertence à Fundação Padre Anchieta, hoje ocupada por uma exposição sobre "Castelo Rá-Tim-Bum" e que, no futuro, vai se transformar na Casa TV Cultura, um museu sobre a história do rádio e da TV no Brasil.
Os últimos anos do Museu da Casa Brasileira foram marcados por contradições. Nos bastidores, pessoas ligadas ao museu dizem que foi a Fundação Padre Anchieta que pediu o Solar Fábio Prado de volta. Do outro lado, a instituição diz que foi o governo que quis romper o contrato, que era válido até 2026.
Ex-diretor técnico da instituição, Giancarlo Latorraca afirma que o poder público sabia, desde 2018, que a fundação planejava reaver o espaço, mas não tomou providências para que houvesse uma transferência adequada. À época, trabalhavam cerca de 58 funcionários na instituição. Todos foram demitidos, ele diz.
Hoje, o acervo está guardado em reservas técnicas, e o museu não tem para onde ir. A secretaria estadual da Cultura disse no ano passado que as peças seriam transferidas para a Casa Modernista, na Vila Mariana, mas voltou atrás da decisão no mês passado.
A reportagem questionou a pasta, por email, sobre os bastidores da saída do Museu da Casa Brasileira, mas não obteve um retorno até o momento desta publicação.
O Museu da Casa Brasileira perdeu a sua sede em abril do ano passado. O casarão neoclássico que ele ocupava foi doado à Fundação Padre Anchieta por Renata Crespi em 1968, cinco anos depois da morte de seu marido, Fábio da Silva Prado, ex-prefeito de São Paulo. Em 1971, a entidade e o governo estadual firmaram um acordo com duração de 50 anos para abrigar o museu. Em 2018, porém, a fundação sinalizou que o contrato não seria renovado.
"A gente sabia que a casa ia ser devolvida, então eu e o resto do corpo de funcionários falamos para a secretaria procurar uma sede. Só que esse assunto foi sendo postergado", diz Latorraca. Ele afirma que houve um aviso da fundação com três anos de antecedência, conforme prevê a lei, mas nada foi feito.
O ex-diretor afirma que o museu vivia um bom momento antes de ser despejado e que o acervo triplicou nos últimos anos. A coleção é formada por móveis e objetos de design históricos, como poltronas e louças, além de quadros de artistas que ocupam papel central na arte do país, como Candido Portinari e Emiliano Di Cavalcanti.
A instituição também concedia, desde 1986, o Prêmio de Design MCB, um dos mais tradicionais do Brasil, e promovia uma programação musical aos domingos. Essas atividades foram suspensas. "Imagina um país como o Brasil, que tem tantas raízes, sem um museu dedicado à arquitetura e ao design? Isso gera um prejuízo ao debate cultural", diz Latorroca, acrescentando que o MCB se destacava em razão de seu viés antropológico. "Ele estudava a formação da cultura brasileira por meio dos objetos."
Visão parecida tem Miriam Lerner, que foi diretora-geral do espaço de 2007 a 2021. Ela afirma que a instituição construiu uma história sólida ao longo dos anos. "Era reconhecida nacional e internacionalmente, um ponto de debates e exposições. Era um lugar de pesquisa e pensamento. Tudo isso foi bruscamente interrompido."
Acervo em risco
Lerner diz que teme pelo acervo do MCB. Parte dos itens pertence ao governo de São Paulo e está em uma reserva técnica. O resto é de propriedade da Fundação Padre Anchieta e continua dentro do solar.
No começo de outubro, um incêndio atingiu uma estrutura que integra a mostra de "Castelo Rá-Tim-Bum", que fica em frente ao imóvel. O acidente deixou o setor cultural apreensivo. "Construir é difícil, mas demolir leva um minuto. Será que as peças estarão íntegras quando o museu for reaberto?", questiona Lerner.
Em nota, a Fundação Padre Anchieta diz que há uma reserva técnica no solar com 500 peças e que conta com o auxílio de um museólogo para as preservar.
Os especialistas que criticam uma mudança de endereço consideram que a transferência poderia descaracterizar o museu, porque o casarão é visto como parte de sua identidade. Lerner pensa do mesmo jeito, mas diz que o imóvel já não abrigava o museu de forma adequada. "Ele precisava ser maior. Quando fui diretora, sonhei com uma reforma, mas nunca pensei em o tirar de lá. Até porque o museu tem uma identidade fortemente ligada àquela edificação."
Depois de o museu perder sua sede, em abril do ano passado, a secretaria estadual de Cultura anunciou que a instituição seria transferida para a Casa Modernista, projetada por Gregori Warchavchik na década de 1920. À época, especialistas alertaram que o imóvel era pequeno para comportar o mobiliário da instituição.
Mais de um ano depois, a pasta reconheceu que o local tem limitações. "Era óbvio que a solução não funcionaria. Quem sugeriu isso não tinha noção do que estava dizendo", afirma Carlos Augusto Calil, ex-secretário municipal de Cultura de São Paulo e professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.
Além disso, ele diz que a Casa Modernista não dialogaria com o acervo do museu. "O equívoco físico se somou ao erro conceitual", diz o pesquisador, para quem o MCB tem uma proposta curatorial vanguardista. "Ele vai do mobiliário histórico até o contemporâneo. É um conceito sem igual no Brasil. Foi uma surpresa desagradável o desmonte do museu por uma questão burocrática. O prejuízo cultural é enorme."
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