Está na pauta do Supremo Tribunal Federal definir se há ou não constitucionalidade na presença de símbolos religiosos em edifícios públicos, dado o princípio do estado laico presente na Carta de 1988.
O tema, que há muito é objeto de debate, chegou à corte a partir de representação oferecida à Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal, em razão de um crucifixo exposto no plenário do Tribunal Regional Eleitoral paulista.
A Constituição veda expressamente à União e aos demais entes federativos "estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança".
É curioso que a mesma Carta de 1988, em seu preâmbulo, anuncie sua promulgação "sob a proteção de Deus".
O caso está no plenário virtual do STF —que também exibe um crucifixo em seu plenário, prática comum em repartições públicas Brasil afora. O litígio específico de agora impactará outros processos semelhantes.
Os ministros Cristiano Zanin e Flávio Dino já apresentaram votos contrários à retirada dos símbolos, entendendo-os como uma expressão da tradição cultural brasileira. Zanin afirmou que tais objetos não violam a imparcialidade do juiz. Dino foi além, qualificando que uma eventual proibição representaria opor-se a raízes culturais e liberdades de crença.
Ambos os argumentos têm fragilidades consideráveis. Embora a tradição cristã sem dúvida faça parte da cultura nacional, privilegiá-la em repartições que servem a pessoas de todas as crenças, inclusive a quem não professa nenhuma, pode significar "distinções entre brasileiros ou preferências entre si", como também proíbe o texto constitucional.
Sustentar a retirada de símbolos religiosos tampouco deveria ser interpretado como oposição a uma determinada crença. Pelo contrário: fazê-lo é respeitar a impossibilidade material de que todas estejam representadas em edifícios do Estado.
Não se pode confundir estado laico com aversão a religiões ou ausência delas; laicidade impõe separação, não oposição, enquanto a presença de símbolos religiosos, cristãos ou não, denota a rigor privilégio a um credo em detrimento de outros.
Propositalmente ou não, Zanin e Dino parecem antes fornecer argumentos jurídicos para a inércia —uma tendência sempre poderosa, ainda mais na ausência de clamor público e diante da pletora de temas explosivos e mais urgentes na pauta do Supremo.
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