Keira Knightley está fantástica na adaptação cinematográfica de "Orgulho e Preconceito", famoso romance de Jane Austen, e foi fundamental para o sucesso da franquia "Piratas do Caribe". O que chama a atenção não é somente o seu charme e a sua capacidade interpretativa, mas o quanto o seu rosto parece talhado para filmes de época. Keira tem um rosto antigo, o qual contrasta com o da grande maioria das modelos do TikTok.
No "corner" masculino, o fenômeno se repete. Rostos que parecem vir de uma outra época, como o de Benedict Cumberbatch, são cada vez mais raros, enquanto rostos que convergem ao do Super-Homem são cada vez mais comuns.
A causa primária do fenômeno é, digamos assim, científica. Após a publicação de centenas de estudos empíricos e da proliferação de algoritmos que avaliam a estética facial dos usuários com base nesses achados, se formou um consenso sobre os determinantes da beleza masculina e feminina, atualmente vistos por cirurgiões plásticos e outros como não subjetivos.
Cumberbatch tem os olhos separados, o maxilar fino, dentes frágeis e o rosto alongado. A combinação é o que o favorece, mas essa lógica não encontra espaço sob o novo cânone, o qual trata a beleza facial como o escore agregado de simetria, dimorfismo sexual, proporções e, principalmente, "meitude", a convergência da face ao ponto médio da espécie, com a consequente eliminação de tudo o que puder causar estranheza.
A ciência da beleza humana vive a hegemonia da normalidade, uma consequência conhecida do uso de escores dimensionais para a avaliação de características humanas, físicas e simbólicas.
A causa secundária da convergência facial em curso é sociotecnológica. Influenciadores de beleza originalmente atraem uma audiência nichada, mas as reações efusivas geradas impulsionam visualizações fora dessa bolha, universalizando a exibição desses perfis. Com isso, a exposição a tipos que divergem decai, o que reforça a ideia de consenso. No TikTok, todo o mundo é bonito e parecido, o que, aliás, representa a verdadeira fonte das angústias adolescentes.
A predileção algorítmica lota os consultórios, reforçando a percepção de invariabilidade dos ideais estéticos, a que os profissionais de saúde respondem com reiterações em escala.
Essa relação circular é o ponto central do artigo de hoje. Ela está presente em várias outras áreas —por exemplo, na moda, em que a busca coletiva de distinção leva à homogeneização estilística pela via das orientações algorítmicas, e no streaming, em que as produções tendem a convergir conforme se posicionam como mais diferenciadas.
Nos rostos, os efeitos estão sendo sentidos há tempos. Não é possível fazer uma novela de época e muito menos um filme convincente se todas as atrizes têm lâminas brancas sobre os dentes e bioplastia do terço médio.
Para ficarmos no legado de Jane Austen, é isso o que se observa na adaptação de "Persuasão", em que Dakota Johnson representa uma jovem do início do século 19 estimulada a não seguir suas intuições amorosas. Johnson tem a chamada "cara de iPhone", uma aparência que parece ao mesmo tempo natural e otimizada para captar a atenção na rolagem de uma rede social. É a lógica da "meitude".
Sintomaticamente, essa é aparência preferida para os assistentes virtuais antropomórficos, o que diz bastante sobre o que esperar dos próximos anos.
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