Entre 2019 e 2024, o Brasil perdeu 6,7 milhões de leitores, segundo a pesquisa Retratos da Leitura recém-divulgada. O dado é grave e mostra a necessidade de o país repensar sua relação com o livro.
Um problema desse tamanho não se resolve com uma só medida, mas toda medida deve ser considerada. E há uma proposta muito avançada sobre o tema que o Senado analisa desde 2015. É a chamada Lei Cortez, ou Lei do Preço Comum do Livro.
No dia 11 de novembro, o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) retirou um pedido que, na prática, interrompia a tramitação do projeto. Ele já fora aprovado nas comissões de Constituição e Justiça, de Assuntos Econômicos e de Educação do Senado, o que permitiria que chegasse à Câmara sem passar pelo plenário do Senado. No mesmo dia, no entanto, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) protocolou pedido semelhante ao feito por Moro, bloqueando o avanço da lei.
A lei mexe com uma pequena parcela do mercado editorial: os lançamentos, ou cerca de 6% dos títulos à venda no país. Por ela, livros mais recentes —até um ano depois da publicação— teriam descontos limitados a 10% do preço definido pelo editor.
Nesta Folha, lemos recentemente um editorial e um artigo de Hélio Schwartsman contra a medida. O argumento é que a medida obrigaria o leitor a pagar mais pelo livro. Essa é uma avaliação comum –e desmentida por variadas pesquisas empíricas.
Mas como a limitação ao desconto pode não resultar em aumento de preços? Embora o texto da lei seja simples, seus resultados são "contraintuitivos" quando deixamos de olhar apenas para o livro recém-lançado e observamos o conjunto do mercado editorial, em que livros com dez anos ou até mais continuam a circular.
A proposta se inspira em leis adotadas na Alemanha, em Portugal e na Argentina e, sobretudo, na experiência francesa, onde existe desde 1981.
Os números mostram que os livros na França e na Alemanha são, hoje, comparativamente mais baratos que no Reino Unido, onde não há regra semelhante. O pesquisador Markus Gerlach, em 2021, apontou que entre 1996 e 2018 o preço de capa do livro aumentou 80% no Reino Unido, que não adota a lei, ante 24% na França e 29% na Alemanha.
Numa análise publicada em 2024 no Journal of Competition Law & Economics (Oxford) e encomendada pela Direção Geral para a Competição da Comissão Europeia, Rhys J. Williams avalia que, no longo prazo, os números não seriam tão evidentes, mas que, entre 2008 e 2019, países com políticas de limitação de descontos tiveram um crescimento de preços menor que os outros.
Por que isso ocorreria? A medida favorece a existência de pequenas livrarias, e com elas cresce a venda de livros, ampliando a competição. Uma hipótese não discutida por Williams, mas levantada por outros estudos, é que ao "reduzir" a disputa nos lançamentos, os livros mais antigos passam a circular mais, fortalecendo o mercado contra práticas de marketing improdutivo, dumping e tendências monopolizantes que geram ao fim preços mais altos.
Preço baixo não é, no entanto, a única necessidade do leitor. Ter uma livraria perto de casa pode ser a grande diferença entre a pessoa ler ou não ler, assim como ter acesso à bibliodiversidade –diferentes linhas de pensamento e projetos editoriais.
A Lei Cortez não é uma lei anti-Amazon ou corporativista ou anticoncorrencial. Pelo contrário, é uma lei que corrigirá distorções que, ao fim e ao cabo, enfraquecem e podem mesmo aniquilar o mercado editorial hoje existente no Brasil.
Pensar na existência da livraria perto de casa como um direito, como é direito do cidadão ter acesso a um posto de saúde, a um café, a uma praça, é democratizar o livro e a leitura.
Por tudo isso, ousamos dizer: na prática, quem se opõe a essa lei com o argumento de que ela prejudica o consumidor de livros ataca o interesse dos leitores brasileiros que ainda restam.
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