O "flâneur" é uma figura ligada a um tempo, um lugar e uma pessoa. O tempo é meados do século 19. O lugar é Paris, após as grandes reformas urbanas. A pessoa é o poeta Charles Baudelaire. Incensado pelo filósofo Walter Benjamin, o "flâneur" virou um ícone das contradições da modernidade após as grandes reformas urbanas.
Caminhar sem destino desafiava o utilitarismo. Andar devagar desafiava a eficiência. Observar tudo sem comprar nada desafiava o capitalismo.
Com o tempo, a palavra se soltou das amarras e ganhou novos usos. Flanar é andar sem destino, coletando experiências. E esse sentido pode ser a chave para explorar uma cidade contemporânea, seja ela desconhecida, seja ela onde você mora.
Para mim, as melhores caminhadas são sempre em cidades antigas. Assim é em Roma ou na pequena San Gimignano, onde sentei para comer uma pizza e ganhei amigos para a vida inteira. Em Nara, a antiga capital japonesa, saí de um restaurante e dei de cara com um veadinho, pulando feliz entre as ruas vazias.
Também as cidades coloniais brasileiras expõem essas rugosidades temporais. Depois que os turistas vão embora, Ouro Preto ou Parati ganham um silêncio grave e tornam quase transcendental a experiência de ouvir seus passos pelas ladeiras ou pelas pedras irregulares.
A sensação de não ver carros ao redor melhora muito a experiência do caminhar. Logo ali em Paquetá, já dá para sentir esse prazer. Mas é em Veneza, provavelmente a melhor cidade do mundo para pedestres, que perder-se vira uma arte, sem motores ou pontos de referência.
As cidades grandes trazem sensações opostas: a vitalidade, a multidão, o anonimato. No Rio de Janeiro, do centro à Zona Sul, qualquer esquina tem um boteco, uma vista, uma surpresa. Foi por lá, no início do século 20, que andou João do Rio, o nosso maior andarilho, escrevendo sobre as transformações da vida moderna. Para ele, flanar era "vagabundear com inteligência".
Em Buenos Aires, mesmo com a crise, o prazer é caminhar pela cidade de calçadas largas, olhando cada loja, cada café ou tentando refazer os passos de Borges, Cortázar ou Quino.
As maiores cidades do mundo estão cada vez mais caminháveis. Brasileiros que nunca foram até a esquina andam quilômetros em Nova York, olhando vitrines e comendo onde der na telha. Londres criou redes de caminhos para pedestres que circulam ao redor do Tâmisa e se abrem para becos e vielas. Se há o "flâneur", há também a "flaneuse", claro, e é sobre Londres que escrevia Virginia Woolf, a "flaneuse" por excelência, observando e descrevendo suas descobertas, as pessoas, as placas de publicidade, o som do Big Ben e seguindo o fluxo de seus pensamentos.
Cidades desconhecidas trazem surpresas desde o primeiro passo. Em Istambul, é o onipresente som do minarete que chama os fiéis para a oração. Da primeira vez que ouvi, vários homens abriram seus tapetinhos na calçada e rezaram. Acompanhei imóvel aqueles minutos em que a cidade parecia pausar, até voltar tudo ao normal. Em Tóquio, saí do hotel que ficava numa enorme avenida, virei a esquina e me descobri numa ruazinha estreita e lotada de pequenos bares, que depois revi numa série da Netflix — Midnight Diner.
Mesmo no lugar onde moro, São Paulo, às vezes consigo ter essa sensação de andar por uma cidade desconhecida, apenas por virar numa rua em vez de seguir em frente. Ao chegar a uma praça que nunca vi, serei recompensado com a visão de crianças brincando, adultos entrando numa academia de bairro, uma pessoa lendo um inesperado livro no ponto de ônibus e talvez até um vendedor de milho verde.
Ao planejar seus passeios, brasileiros sempre se preocupam — com razão — com a segurança. Nas suas caminhadas, cada um vai montar sua estratégia e andar onde se sente confortável. Com bom senso, vale misturar pontos turísticos com lugares desconhecidos. Vale combinar a segurança de um destino final com a bem-vinda sensação de desligar o celular para não saber exatamente onde se está a todo momento.
Você vai se perder, mas vai encontrar o caminho. E, de quebra, vai chegar ao final uma pessoa um pouquinho diferente.
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