domingo, 9 de julho de 2023

Consumo de vape cresce no Brasil em meio à falta de regras, FSP

 Isabella Menon

LONDRES

Proibido no Brasil desde 2009, os cigarros eletrônicos atraem cada vez mais usuários no país. Enquanto isso, nos últimos anos a Europa tem criado normas para regular o consumo, em uma tentativa de diminuir o número de fumantes no continente.

A ideia é que as pessoas substituam o tabaco pelo dispositivo, também chamado de vape. Para especialistas, porém, ainda não está claro se essa mudança é de fato benéfica para a saúde e se ela deve ser adotada como política pública.

Alexandro Lucian, 42, enquanto fuma cigarro eletrônico, em sua casa no bairro do Agua Verde. Presidente da DIRETA, ele fumava três maços de cigarro por dia e só conseguiu deixar o cigarro tradicional depois de substitui-lo pelo vape|
Alexandro Lucian, 42, enquanto fuma cigarro eletrônico, em sua casa em Curitiba - Leticia Moreira/Folhapress

Atualmente fazendo mestrado em Londres, a brasileira Giulia (ela pediu para não ter seu sobrenome revelado), 22, ilustra bem essa situação. Ex-fumante de cigarros convencionais, ela aderiu ao vape em sua estadia em solo britânico.

Agora, o dispositivo rosa com sabores como morango e kiwi costuma ser usado como uma espécie de recompensa entre os estudos.

Para ela, o aparelho é mais prático do que o cigarro convencional, já que não tem cheiro e gera pouca fumaça. Mas, por isso, acaba usando ele mais do que quando fumava tabaco —por semana, consome três dispositivos, cada um com capacidade de 600 tragadas.

Esse aumento do consumo é um dos riscos que a liberação do uso do vape cria, segundo entidades médicas. Mesmo assim, o Reino Unido decidiu em 2016 regular o produto e usá-lo como uma ferramenta para reduzir danos relacionados ao tabagismo.

É com essa mesma proposta que Alexandro Lucian, 42, luta pela regulamentação do vape no Brasil. Presidente da Direta (Diretório de Informações para a Redução de Danos do Tabagismo), ele fumou tabaco por 15 anos e chegou a consumir três maços por dia.

Em 2015, descobriu o vape e abandonou o cigarro. "Parece que quem se opõe à redução de danos no tabagismo acha que devemos sofrer para parar de fumar. Se posso ter prazer com o cigarro eletrônico sem prejudicar minha saúde, é o que quero."

Para o pneumologista Fred Fernandes, que atua no InCor (Instituto do Coração), essa ideia de que o cigarro eletrônico é mais saudável é falsa. "O vape cria novos consumidores", afirma. "Faz mal às vias respiratórias e ao coração. É trocar uma substância tóxica por outra sem tratar a dependência."

Mesmo com regras opostas, Brasil e Reino Unido enfrentam desafios semelhantes nessa área: encontrar formas de combater o mercado ilegal e, ao mesmo tempo, controlar o aumento de consumo entre os jovens.

Em Londres, o dispositivo eletrônico está disponível em lojas de souvenirs, casas de câmbio e até em pontos registrados no NHS (equivalente ao SUS). Nestes locais, funcionários treinados auxiliam fumantes a encontrar o melhor dispositivo para ajudar na transição do tabaco ao vape.

Já os cigarros são vendidos em embalagens pretas e mantidos em gavetas nas tabacarias.

O governo britânico tem como meta reduzir a taxa de fumantes no país para 5% até 2030. Os dados mais recentes, de 2021, apontam que a taxa estava em 13%, menor percentual em dez anos. Por outro lado, o consumo de cigarros eletrônicos disparou de 1,7% em 2012 para 8,3% no ano passado.

Outro local que adotou o uso do vape para reduzir os danos causados pelo tabaco foi a Suécia. Este ano, o país anunciou que a taxa de fumantes caiu para 5,6% da população, o menor número da Europa.

O uso de cigarro eletrônico, porém, segue crescendo. Desde 2015, quando a lei passou a regular o consumo do dispositivo, o aumento no número de consumidores é de 50%.

Essa estratégia adotada por Londres e Estocolmo, porém, não é unanimidade. Médicos e a OMS (Organização Mundial da Saúde) afirmam que faltam estudos conclusivos sobre os benefícios do uso do vape e advertem sobre uma possível nova geração de jovens viciados em nicotina.

Há ainda a chamada crise do Evali, sigla que remete a uma inflamação pulmonar associada a dispositivos eletrônicos.

Entre março de 2019 e fevereiro de 2020, o CDC (Centro de Controle de Doenças dos EUA) registrou 2.734 pessoas com o diagnóstico, principalmente jovens adultos e adolescentes —foram 68 mortes.

Há ainda mais complicações que podem ser causadas pelo uso do vape: doenças cardiovasculares pela nicotina, alergia, asma e inflamações pulmonares. Um dos problemas mais conhecidos é o chamado "pulmão pipoca", nome associado à bronquiolite e que foi inicialmente diagnosticado em trabalhadores de uma fábrica de pipoca de micro-ondas —e que também atinge usuários de vape.

A indústria do tabaco, porém, cita um estudo do britânico King's College que analisou mais de 400 pesquisas sobre o tema e apontou que o vape é 95% menos prejudicial que o tabaco.

O setor também afirma que o número de lugares que autorizam o consumo de cigarros eletrônicos têm aumentado —hoje, o uso é permitido em 80 países.

O Brasil não está nesse grupo, mas isso não impediu o aumento do consumo por aqui. Segundo uma pesquisa de 2022 da Ipec (Inteligência de Pesquisa e Consultoria), o país tinha dois milhões de usuários de vape em 2022, contra 500 mil em 2018.

O número de apreensões de dispositivos também está em alta, segundo a Receita Federal. Em 2021, foram apreendidas 450 mil unidades, número que subiu para 1,1 milhão no ano passado.

Como o mercado é ilegal, não há controle de quais substâncias existem dentro dos dispositivos vendidos no país. Apesar da proibição, eles podem ser encontrados em lojas, ambulantes e na internet, com preços que vão de R$ 60 a R$ 620.

Em 2022, a Anvisa optou por manter a proibição dos produtos. Procurada, a agência disse que pretende abrir uma nova consulta pública sobre o tema até o final do ano.

Iuri Esteves, chefe de assuntos científicos e regulatórios da BAT Brasil (ex-Souza Cruz), afirma que a estratégia de proibição adotada pelo Brasil gera o efeito inverso ao esperado.

"Temos casos de explosão de aparelhos eletrônicos porque não tem nenhum controle e também não sabemos qual substância chega no Brasil, nem como é manipulada", diz ele.

Esteves defende que o país regule o tema e permita a comercialização do cigarro eletrônico no sistema fechado —quando o usuário não pode trocar o sabor ou mexer no dispositivo.

Já para Jaqueline Scholz, diretora do programa de tratamento de tabagismo do InCor, a regulação do produto não vai frear o aumento do consumo. "Legalizar aumenta usuários", afirma. Ainda segundo ela, o Incor nunca recebeu tantos adolescentes com alto grau de dependência em nicotina.

A jornalista viajou a convite da BAT Brasil

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