Quando eu era criança e disputava uma guloseima ou brinquedo com meus irmãos, minha avó materna, uma “linker” até a medula, resolvia a briga proclamando que o socialismo começava em casa e nos forçava a dividir o que quer que tivesse dado causa ao atrito. O socialismo não passou tão bem pelo teste do tempo, mas a ideia de que é preciso traduzir em ações aquilo que se prega ainda me parece válida.
É o que os ministros do STF não fazem. Reportagem da Folha mostrou que, na semana passada, havia nada menos do que 236 ações interrompidas por pedidos de vista na corte. A vista, quando analisada abstratamente, faz todo o sentido. A última coisa que se deseja é que o STF decida as questões levianamente. Se um ministro pede mais tempo para se inteirar de um assunto, é importante que este lhe seja dado.
O que não é razoável é que os ministros se valham desse instrumento para segurar, às vezes por anos, um processo que não queiram ver decidido. O artifício se torna ainda mais intolerável quando se considera que existe um prazo para a vista que os magistrados descumprem sistematicamente. Pelo artigo 134 do Regimento Interno do STF, o ministro que pede vista deve devolver o processo para que a votação seja retomada no prazo de 30 dias a contar da publicação da ata. Eventualmente, esse prazo pode ser prorrogado por mais 30 dias uma única vez.
O regimento, vale lembrar, tem força de lei. É elaborado pelos próprios ministros e, até onde se sabe, não há atrás deles ninguém segurando uma arma e os ameaçando. Isso significa que, ao guardar um processo por muitos meses ou anos na gaveta, esses magistrados estão violando a lei. Não uma norma qualquer, mas uma que eles próprios criaram. É o reverso da autonomia, classicamente definida como a capacidade de dar-se a lei.
Pela sabedoria de minha avó, o STF, ao ignorar norma que ele próprio elaborou, está convidando terceiros a imitá-lo
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