terça-feira, 11 de novembro de 2025

O ocaso de Trump já começou? Hélio Schwartsman, FSP

 Os republicanos, liderados por Donald Trump, tomaram uma surra nas urnas nas localidades em que houve eleições na semana passada. O destaque midiático é a vitória de Zohran Mamdani em Nova York, mas o fenômeno é mais generalizado.

É verdade, como observou o presidente americano, que seu nome não constava das cédulas, mas ainda assim ele tem muito a ver com a derrota de seus correligionários. A análise das pesquisas mostra que vários grupos demográficos que votaram em Trump no ano passado agora se rebelaram contra os republicanos em boa medida por insatisfação com os rumos econômicos do país.

Donald Trump, ex-presidente dos EUA, gesticula com as mãos abertas enquanto fala em frente ao avião presidencial Air Force One em um aeroporto.
O presidente dos EUA, Donald Trump - Kevin Lamarque - 9.nov.2025/Reuters

inflação, que já derrubara Biden/Harris, não só não arrefeceu sob Trump como ainda experimentou alguma aceleração. E, para piorar um pouco as coisas para o Agente Laranja, ele mente compulsivamente sobre o comportamento dos preços, como os americanos podem constar em seus próprios bolsos. Não se trata de algo incidental.

A política de tarifas é inflacionária. Com isso, ganha força o cenário no qual Trump perde uma ou as duas Casas do Legislativo nas eleições de 2026 e se torna, na segunda metade de seu mandato, um presidente bem mais fraco do que foi na primeira. Essa é mais ou menos a ordem natural das coisas nos EUA, onde o mais comum é os mandatários sofrerem reveses nas eleições de meio de mandato.

O problema da política é que ela não é uma ciência exata. Mesmo tendências econômicas poderosas podem ser momentaneamente contrabalançadas por fatos novos e até gestos tresloucados.

Uma coisa que sempre funciona nos EUA é inventar um conflito externo para despertar os brios nacionalistas dos eleitores. Não custaria muito para Trump, já conhecido por seu temperamento mercurial, iniciar uma guerra em outubro para tentar reverter um fracasso eleitoral em novembro.

Se a incompetência econômica do presidente o põe no caminho de uma derrota em 2026 e do ocaso político a partir de 2029, ela paradoxalmente também o torna um agente mais errático e perigoso em horizontes mais curtos.


Cada vez mais elástica, norma culta é o que você quiser, Thais Nicoleti, FSP

 Dia desses, nosso divertido e imortalíssimo Ruy Castro elencou em uma de suas crônicas algumas "bobagens" lidas e ouvidas na imprensa, que seriam parte de um acervo de um amigo seu. Intitulada "O massacre ao escrever ou falar", a crônica teve na sua chamada, se bem me lembro, uma expressão que sugeria que o autor fosse abordar formas de "maltratar a língua portuguesa". Um de seus leitores indagou: "Em qual planeta erros factuais são erros de/uma forma de maltratar a língua portuguesa?". É verdade, nada a ver uma coisa com a outra. O que me chama a atenção, no entanto, não é nem o compilado do Ruy nem essa observação do leitor, mas a quantidade de pessoas que abriram seus baús e acrescentaram, nos comentários, ou expressões confusas, a exemplo de "uso campeão" no lugar de "usucapião", ou as mais diversas questões linguísticas que, sim, as incomodam.


Quem tenha a paciência de ler a centena de comentários suscitados pela crônica obterá um material muito interessante. Há queixas sobre erros gramaticais recorrentes, traduções incorretas, estrangeirismos postiços, gírias, cacófatos e, inclusive, sobre a falta de revisor ou sobre as supostas "falhas da equipe de revisão" do jornal. Há também, embora em número reduzido, aqueles que não viram graça nenhuma nessa crônica, que, aliás, seria até um pouco antipática.


Verdade seja dita, a Folha publicou, em seu "Manual da Redação", algumas dessas "bobagens", como o "Cristo enforcado" e a "gripe transmitida por filhotes de perdizes (perdigotos)", que fazem parte do folclore da coluna "Erramos". Lapsos desse tipo, penso eu, jamais deveriam ser motivo para "bullying" linguístico, pois geralmente são fruto de cansaço, de uma jornada extenuante, enfim, não se trata de alguém, em sã consciência, achar mesmo que Cristo tenha sido enforcado, mas, talvez, de um cruzamento com a imagem de Tiradentes, enfim, coisas que podem acontecer em estado de fadiga e que poderiam ser evitadas com uma "equipe de revisores".

Isso não quer dizer, por óbvio, que o revisor esteja imune ao erro, mas, por profissão, desenvolve um tipo de leitura atenta a detalhes, palavra por palavra, frase por frase. Por não ser o autor do texto, tem distanciamento suficiente para ser crítico. Quando não domina o assunto, pesquisa. Quando tem dúvidas sobre o exato sentido de um termo, consulta dicionários e outras obras. Quando a frase parece pouco clara, às vezes, fruto de tradução literal, vai checar o original ou outras traduções. Como consulta muito, estuda uma variedade de assuntos, o revisor, sendo uma pessoa experiente, consegue sugerir formas de tornar um texto mais fluente, mais claro, correto.

Esse profissional, como já disse aqui em outro momento e agora digo pela última vez, já que este é o último texto deste blog, tem perdido um pouco o seu espaço. Poderíamos pensar que se tornou dispensável com a chegada da inteligência artificial, mas não me parece ser esse o principal motivo. Os sistemas inteligentes, de fato, corrigem os principais erros gramaticais. Não tenho como dizer que não falhem, pois seria necessário fazer muito mais testes do que já fiz. Percebo que pontuar um texto corretamente é difícil para os algoritmos, mas, como disse, não pretendo discutir essa questão.

Tanto quanto os revisores, as colunas de língua portuguesa perderam espaço nos jornais, embora pertençam a uma tradição na imprensa, da qual participei graças ao espaço que tive aqui na Folha, pelo qual serei sempre grata. Houve um tempo em que comentar questões gramaticais fez muito sucesso – e os leitores menos jovens se lembrarão dos ensinamentos do professor Pasquale, que foi colunista deste jornal por muitos anos. Naquela época, no entanto, linguistas não economizavam críticas a esse modelo de texto sobre a língua portuguesa.

Aos poucos, foi ganhando terreno na imprensa a ideia de que usar os termos "certo" e "errado" em língua era algo inadequado, pois o que se chamava de "erro" era apenas um desvio de uma norma padronizada – e o "certo" não passava de obediência a essa mesma norma, que, por óbvio, seria "elitista". Tínhamos, então, uma perspectiva sociolinguística, cuja preocupação era o preconceito contra certos estratos da sociedade, embutido na valorização da norma usada pela classe dominante.

Na ocasião, a solução adotada pela maioria dos colunistas de língua portuguesa da imprensa era explicar, de antemão, que estavam ensinando a "norma culta" ou a "norma padrão", que é aquela consolidada nas gramáticas. A distinção entre uma coisa e outra não era tão relevante quanto é hoje – e veremos em seguida por quê. Faziam essa ressalva e, às vezes, para justificar o ensinamento, lembravam que os vestibulares e concursos públicos exigiam o conhecimento gramatical dessa norma elitista, portanto o professor estava tentando oferecer um serviço. Sempre achei ruim esse argumento, meramente utilitarista, tanto que jamais o usei, mas era comum.

O preconceito linguístico continuou sendo tema de debates, mas parecia sempre uma agenda da esquerda, porque o alvo eram certos estratos sociais, de baixa escolarização. O professor ainda podia argumentar (ou tentar) que pretendia dar ferramentas para essas pessoas se emanciparem na sociedade, compreenderem seus direitos, entrarem nas universidades etc.

Com o tempo, o debate se deslocou para a agenda das minorias identitárias (raciais, de gênero etc.) e surgiram inúmeras cartilhas que arrolavam expressões racistas, homofóbicas, capacitistas e outras, que deveriam ser banidas do uso. A maior prova de que o racismo e os outros preconceitos são estruturais seria então o seu reflexo na expressão linguística. Pouco importariam conselhos gramaticais diante de uma tarefa tão maior, qual seja, a de escrutinar a língua em busca dessas marcas de violência.

Houve um momento em que uma pessoa corrigia a outra por um escorregão, como usar o verbo "denegrir" ou outra coisa desse tipo, e a outra pedia desculpas publicamente. Foi o momento do despertar, quando se passou a buscar a etimologia das palavras, que descortinaria seus vícios de origem. O verbo "denegrir", embora de origem latina, foi considerado uma forma de ofender pessoas de pele negra. A etimologia, quando confirmava o preconceito, era um bom argumento para banir o termo, mas, quando não confirmava, era posta em segundo plano, passando a prevalecer uma espécie de "percepção do significado" por certos grupos. Todos os dias apareciam novas histórias, numa grande mobilização, cuja melhor parte era justamente o engajamento do máximo de pessoas numa corrente de respeito às diferenças. No bojo desse movimento, veio uma forte preocupação com os aspectos psicológicos de quem sofre preconceitos.

Ao mesmo tempo, a multiplicidade de vozes permitida pela internet e, sobretudo, pelas redes sociais acabou democraticamente dando espaço a todos os sotaques e a todos os falares de nosso imenso território, bem como ao contato com pessoas de outros países. As formas de expressão aparentemente se tornaram muito mais livres, "sem edição", o que é espetacular. As redes sociais e os inúmeros blogs vêm revelando a verdadeira "norma culta". Permanece a norma padrão gramatical, por óbvio, mas a nova norma culta se tornou muito mais elástica, refratária a qualquer tentativa de "correção", distanciando-se daquela. Na prática, seguir ou não a norma padrão – em um ou outro ponto, intuitivamente – tornou-se uma questão de escolha pessoal, subjetiva. Uma tentativa de correção ou de revisão, nesse caso, pode ferir a subjetividade do autor – e todos são "autores". Enfim, existe um núcleo básico, sem o qual a comunicação não existiria, mas é rechaçado qualquer tipo de padronização.

Vi recentemente um texto de um grande site de comunicação que trazia algumas "dicas de português", acrescidas de uma observação, que reproduzo aqui: "Ninguém deve ser desvalorizado ou discriminado pela sua forma de falar ou de escrever. O objetivo desta reportagem é explicar como se manter alinhado à variante padrão da língua, especialmente em contextos formais — e garantir que a informação seja transmitida de forma clara". Parece digno de nota o "aviso legal", que demonstra a preocupação do órgão de imprensa com a possibilidade de estar veiculando conteúdo discriminatório, qual seja, a regência e o significado de "corroborar", o significado de "assertivo" e outros tópicos do gênero.

Muitos dos leitores da crônica de Ruy Castro, dados os comentários que publicaram, talvez apreciassem matérias jornalísticas desse tipo. O que se vê é uma tensão entre a percepção de erro de linguagem, muito comum entre a maioria das pessoas, mas dita em voz baixa, e um discurso intelectualizado de desprezo à normatização, como se afrontar regras gramaticais fosse, em si, uma postura progressista.


De minha parte, registro com curiosidade que minha coluna anterior a esta tratou de um caso de ambiguidade observado em um título jornalístico da própria Folha. A discussão estava animada em uma rede social e me pareceu oportuno aproveitar o tema para mostrar por que a frase poderia ser interpretada de diferentes maneiras. Por óbvio, não me passou pela cabeça que pudesse soar como "ato discriminatório contra uma forma de escrever". Era apenas uma aula de português. De todo modo, a ambiguidade, uma vez que gerou discussão nas redes sociais e, consequentemente, maior índice de leitura da matéria, mostrou ser, do ponto de vista pragmático, uma qualidade, não um defeito. É preciso reconhecer o fato.

Mesmo assim, continuo acreditando que conhecer a gramática e os inúmeros recursos de que a língua dispõe é um valioso diferencial na hora de escrever. Sempre é possível melhorar ou aprender uma coisa nova. Aos meus eventuais leitores, que chegaram até aqui, deixo meu agradecimento e o convite para continuarem essa e outras discussões no meu blog Português Claro, no qual manterei reflexões sobre a língua portuguesa e, se calhar, como dizem nossos amigos lusitanos, sobre outros temas também.

Eleitores veem com mais simpatia operações na Faria Lima do que nas favelas, Juliano Spyer, FSP (definitivo)

 "Bandido bom é bandido morto." Será essa a régua para a sociedade escolher seus candidatos em 2026? Para entender melhor a percepção dos brasileiros sobre segurança pública e combate ao crime, o Instituto Ideia Big Data rodou um questionário online exclusivo para esta coluna.

Foram ouvidos 1.027 respondentes em todo o país, distribuídos proporcionalmente por classe social, gênero, idade e região, com margem de erro de três pontos percentuais. O resultado completo pode ser baixado aqui.

O estudo indica que há consenso de que o Estado e a polícia são parte do sucesso do crime organizado. Mais de 73% concordaram com afirmações como "o acesso de criminosos presos a celulares mostra que parte da polícia e do Estado participa do crime". E 84,1% concordaram que "facções e milícias crescem porque conseguem circular dinheiro e armas com a ajuda de gente influente".

Três policiais armados avançam por rua estreita de comunidade, com um deles agachado. Dois ocupantes de uma motocicleta, um com capacete vermelho, levantam as mãos enquanto fogem. Ambiente com construções simples e lixo na calçada.
Policiais durante operação policial na Vila Cruzeiro, no complexo de favelas da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli - 28.out.25/Folhapress

Outro ponto quase consensual é que a pobreza contribui para o crime. Apenas 9,3% discordaram de que "programas de educação, trabalho e lazer reduzem a entrada de jovens no crime mais do que operações violentas". E só 14% discordaram que "a superlotação das prisões ajuda as facções a recrutar novos membros".

Também há percepção de que o medo é manipulado politicamente. Só 6,8% discordaram da afirmação "o medo da violência fortalece quem lucra com esse sentimento — políticos, empresas de segurança e policiais corruptos". E 61,4% concordaram que "quando a polícia tem liberdade para agir sem prestar contas, a corrupção dentro dela aumenta".

Mas algumas frases dividiram a opinião pública — especialmente as que tratam do uso da violência para conter o crime.

Respondentes divergiram em relação a afirmações como "a morte de jovens envolvidos no crime não é motivo de comemoração" e "ver mortes em operações dá a sensação de que a polícia está agindo, mesmo sem resolver o problema". Apenas 24,6% concordaram que "é mais fácil acumular mortes do que qualificar a polícia para melhorar sua eficiência".

Por que nos dividimos nessas respostas? Aponto dois motivos que merecem ser testados. Primeiro, a frustração com o aumento dos roubos de celulares — objetos caros e indispensáveis. Segundo, a percepção de que "o jogo é bruto" e que, portanto, a polícia precisa mostrar força: que violência deve ser respondida com violência, e que falar em direitos humanos dá a mensagem errada e incentiva o crime.

A aprovação da operação no Rio indica que há um problema imediato e que a resposta deve ser firme. Há expectativa de que o Estado e a polícia reajam à violência na mesma moeda —fogo contra fogo. Ao mesmo tempo, a maioria vê que corrupção e desigualdade estão na raiz do problema.

A sociedade reconhece que escola de boa qualidade resolve mais do que tiro. E entende que o Estado e a polícia são parte do sucesso do crime organizado e que a solução passa por olhar para quem ocupa postos de comando dentro do Estado, da polícia e das empresas que dão cobertura ao crime.

Ou seja, operações na Faria Lima repercutirão melhor entre eleitores do que as feitas em favelas.